Admite que existe o risco de algum eleitorado de direita ficar desiludido com a contraproposta que o Governo fez para garantir a aprovação do Orçamento do Estado com o apoio do PS? Creio que o eleitorado natural da AD vai rever-se, em primeiro lugar, na preocupação com a estabilidade que o Governo revela. O país todo percebe que, com o clima internacional que existe e com a obrigação de executar o PRR que temos, seria uma loucura caminhar para eleições. É obrigação do Governo fazer tudo o que seja necessário para garantir a estabilidade do país. Há um limite, evidentemente. E o limite, neste caso, é que temos que cumprir o programa do Governo que foi viabilizado na Assembleia da República e que foi sufragado nas eleições. E a contraproposta que o Governo apresentou respeita o programa do Governo aprovado. Só que não vamos tão longe quanto queríamos. Queríamos baixar os impostos substancialmente. Vamos ter de os baixar menos do que queríamos para podermos aproximar-nos da posição do PS, como forma de viabilizar o Orçamento. E acredita que o PS vai viabilizar o Orçamento com esta “proposta irrecusável”, como lhe chamou o primeiro-ministro?Os últimos sinais parecem ir no sentido de que o PS está com o sentido de responsabilidade de perceber o problema de ir para eleições [a entrevista foi gravada na manhã de sexta-feira, horas antes de Pedro Nuno Santos colocar novas condições, as quais o ministro, no canal NOW, considerou serem “excessivamente exigentes”, dizendo até ser “difícil chegar a um entendimento”]. Agora, se o PS não aceitar esta proposta que o Governo apresentou, então é porque quer mesmo ir para eleições. Porque fomos tão longe na aproximação às posições do PS, o Governo cedeu tanto, que ficou muito próximo da posição do PS. E se o PS rejeitar, é sinal de que quer eleições, porque é impensável que, num processo negocial, uma das partes percorra todo o caminho e a outra não saia do lugar. E o “não é não” ao Chega, é mesmo não é não?Claramente que sim, isso é definitivo. Esse foi um pressuposto eleitoral. O “não é não” de Luís Montenegro vai ser mantido até o fim. E isso não cria uma situação muito estranha em que uma clara maioria de eleitores de direita que votaram nas legislativas nunca irão ter uma maioria parlamentar de direita nesta legislatura?Temos de respeitar o resultado das eleições, que deu a vitória a um partido a quem não confiou maioria absoluta. Isso obriga-nos a negociar. Um Governo que tem maioria relativa, e que seja responsável, tem forçosamente que negociar. A nossa escolha é negociar com o partido maior, que nos permite ter uma abrangência de um trato populacional maior. Se o Governo puder refletir a opinião do maior número de pessoas possível, melhor é. Mas há outra alternativa para conseguir maiorias no Parlamento, que é somar 80 deputados da AD aos 50 do Chega. O quadro aqui é muito claro. O Governo nunca irá recusar, nem pode, um voto favorável do Chega. Não somos responsáveis pelo sentido do voto do Chega. O que não vamos é fazer do Chega um parceiro privilegiado. O critério não é ser maior ou ser menor, é uma questão de princípios, que o Governo tem mais em comum com o PS do que com o Chega. Ainda ontem [na quinta-feira, durante o debate quinzenal do primeiro-ministro] foi muito desagradável ver o Chega fazer uma apreciação de factos criminosos que ocorreram em Lisboa, juntando-lhe uma componente de racismo que é chocante e que nos diferencia completamente do Chega..Foto: Paulo Spranger..Em 2009 derrotou Pedro Nuno Santos nas eleições para a Câmara de São João da Madeira. O que reteve do seu adversário de há 15 anos que possa ser útil para dar conselhos sobre como lidar com o líder da oposição?Trabalhei com o Pedro Nuno Santos na Câmara Municipal. Ele foi vereador da Oposição e tivemos um relacionamento sempre respeitoso e cordato. Ele é um homem destemido, que é um pouco diferente de corajoso. É destemido e às vezes não pensa exatamente nas consequências daquilo que quer. Um estadista é aquele que quer as consequências daquilo que quer. E às vezes ele é um bocadinho destemido, mas menos ponderado. Dito isto, tenho evidentemente a expectativa de o tempo decorrido ter amadurecido o líder do PS..No Conselho de Ministros há quem tenha idade para ser seu filho. Sente-se uma espécie de eminência parda ou grisalho deste Governo?Não sei se eu desiludo, mas o meu problema é que me sinto jovem, sabe? Não me sinto nada a destoar. Não me falta iniciativa, nem vontade, nem sonho, nem ambição. Não me falta nada disso. Se calhar, o problema é que tenho uma cabeça mais jovem do que o corpo..Tendo sido secretário de Estado em Governos de Cavaco Silva e também de Passos Coelho, pode dizer-nos de qual deles mais se aproxima Luís Montenegro enquanto primeiro-ministro?É uma boa questão. Os dois governaram em tempos totalmente diferentes. Cavaco Silva esteve durante muito tempo no governo e conseguiu criar esse clima de pujança económica e de forte crescimento económico. Foi um período em que Portugal cresceu e se aproximou imenso da média europeia. Em 10 anos aproximou-se 12 pontos percentuais, o que é uma coisa fantástica. Foi uma questão de gerir o crescimento económico e usar o crescimento económico como força propulsora do Governo. Passos Coelho viveu um clima totalmente oposto, em que a grande preocupação do primeiro-ministro todos os dias de manhã era ver como estavam as taxas de juros. Hoje, Luís Montenegro não vai todos os dias de manhã olhar para as taxas de juros. Estamos num clima económico a meio caminho entre a grande pujança e o grande crescimento de Cavaco Silva e o período de recessão em que Passos Coelho teve que governar. As condições são totalmente diferentes, mas há um espírito reformista e uma ambição transformadora em que Luís Montenegro está mais próximo dos tempos de Cavaco Silva. Falta saber como seria Passos Coelho se governasse em clima de normalidade e não de austeridade.Ao contrário de Cavaco Silva, e também de Passos Coelho, Luís Montenegro não tem garantia da passagem da legislação na Assembleia da República. O ímpeto, a vontade e a ambição de um governo minoritário não têm que ser inferiores às de um governo de maioria absoluta. Olho para Luís Montenegro e vejo a mesma ambição que ele teria se liderasse um governo de maioria absoluta. O que muda é o método. Ele vai ter que negociar para conseguir atingir os seus resultados, o que aumenta a dificuldade. Veja este exemplo: Luís Montenegro acredita, e o Governo acredita, que baixar os impostos para as empresas é um requisito do crescimento económico. Vai ajudar ao crescimento económico, vai atrair investimento direto estrangeiro, e o dinheiro que fica nas empresas irá ser aplicado ou no aumento de salários ou em investimento. Isto é aquilo em que ele acredita, mas tendo um Governo minoritário, vai ter de se conformar com a posição oposta de um partido de oposição, e vai ter de limitar a sua ambição. Agora, qual é a alternativa? Um Governo minoritário não pode ficar de braços caídos, nem pode desistir. Tem que continuar a negociar..No Congresso do PSD [19 e 20 de outubro, em Braga], o que deverá mudar no partido e na abordagem que está a fazer ao país? O país tem muito para mudar. E o partido, o que tem para mudar? Eu acho que há mais para mudar no país do que no partido. Sobretudo, eu acho que falta ambição ao país. Estamos muito conformados com aquela ideia de que um país pequeno e periférico está condenado a ser mais pobre. Eu insisto sempre que Portugal não é pequeno. Estamos acima da média europeia em número de habitantes e em área territorial também. Ninguém diga que somos um país pequeno, porque não é verdade. Se estamos pouco desenvolvidos, a causa não é a nossa dimensão. Tem a ver com o patamar da nossa ambição, com as políticas públicas e com a gestão das empresas. Há um problema de gestão que está a sustentar o nosso atraso e a impedir o nosso desenvolvimento. No setor privado e no setor público. Claro que sim. Os nossos trabalhadores vão lá para fora, prosperam e são considerados excelentes trabalhadores. Os jovens saem de Portugal porque têm maus salários. Vão lá para fora e têm imenso sucesso. Porque é que o PSD, e o Governo, insistem tanto em baixar o IRS para os jovens? É aquilo que está ao alcance do Governo fazer para impedir que os nossos jovens mais talentosos sejam formados em Portugal e depois vão para o estrangeiro.Mas isso levanta questões de desigualdade. Por exemplo, porque é que um jovem de 34 anos deve ter o imposto mais baixo do que um de 36, que até tem filhos e outros encargos, e que faz o mesmo trabalho? A contraproposta que o Governo apresentou ao PS corrige isso, que era um problema. A redução do imposto é regressiva e, portanto, entre quem tem 35 e quem tem 36 fica uma pequena diferença. Era, de facto, um problema que o modelo inicial tinha.. Acha que essa redução permitiu resolvê-lo? A baixa do IRS não é tão atrativa, mas resolve o problema do salto brusco que se dava dos 35 para os 36 anos. Passa a ser mais gradual, pelo que esse problema deixa de existir. Mas é fundamental fazermos alguma coisa para segurar os jovens e, como não podemos fixar salários por decreto-lei - só se fixa o salário mínimo -, a solução é baixar os impostos para dissuadir os jovens de irem para o estrangeiro. Nós estamos a gastar dinheiro a formá-los aqui e depois vão trabalhar para o estrangeiro. Instalam-se lá, têm lá filhos, e Portugal perde essas pessoas. É uma oportunidade perdida. No tema dos fogos florestais, que tem acompanhado, há um problema de gestão da floresta. Qual deve ser, na sua opinião, o caminho? Por exemplo, a criação de entidades que fazem a gestão da floresta portuguesa, respeitando a propriedade privada, mas gerindo os recursos da biomassa da floresta? Eu faço parte de uma escola que acha que quando há um problema a solução não é criar um serviço público. O problema da floresta, do meu ponto de vista, resolve-se quando se tornar a floresta rentável. Se for rentável, as pessoas fixam-se na floresta, vão tratá-la, vão limpá-la e ela não vai arder. Se a floresta não for rentável, vai arder. Ou em grandes fogos, ou em pequenos fogos, ou é para o ano, ou é daqui a 10 anos. Deixada ao abandono, vai arder. É quase como ter um edifício devoluto que está abandonado. A solução é torná-la rentável. No Conselho de Ministros em que o Governo aprovou um conjunto de medidas de apoio às vítimas dos incêndios, também aprovou uma resolução incumbindo o ministro da Agricultura de, no prazo de três meses, apresentar um plano de ação para tornar a floresta rentável.Mas havia um plano de 2017, salvo erro, após Pedrogão Grande, que previa a construção de várias centrais de biomassa e essas centrais é que iriam depois recolher a biomassa. Esse é um bom exemplo, mas nenhuma foi feita. Deve passar por aí. Esse é um caminho inevitável, não será o único, mas é incontornável: a utilidade de produzir energia com a biomassa que é retirada da floresta. Isso é uma forma de rentabilizar os resíduos das florestas. Os minifundiários - que predominam a Norte e Centro do país - poderiam retirar uma rentabilidade dessa biomassa.Exatamente. A esta distância, admite que o primeiro-ministro talvez não devesse ter falado dos interesses que sobrevoam os incêndios? Aquilo não soou a populismo? Não acho isso. Acho que se fez uma leitura enviesada do que disse o primeiro-ministro. Ele não disse que havia interesses obscuros - disse que há razões para admitir essa possibilidade. E perante a hipótese de isso existir, o que deve fazer o primeiro-ministro? Continuar a dizer se calhar há interesses obscuros, que se calhar há crime organizado? Não, o melhor é dizer que vamos investigar para ver se há ou se não há. E foi o que ele disse e fez. Juntou vários serviços envolvidos, a Procuradoria-Geral da República, a Polícia Judiciária, a GNR, etc., para criar condições para estas entidades - não criou nenhum serviço novo, foi organizar os serviços públicos existentes para estudarem, detectarem, investigarem se há ou não há crime organizado por detrás desta vaga de incêndios. Fez a sua obrigação. Vamos investigar para saber se há ou se não há. Se houver, vamos combater; se não houver, perfeito. Em todo o caso, uma gestão mais racional da floresta permitiria, mesmo que haja crime organizado, diminuir o número dos fogos? A verdade é que a componente florestal que pertence a privados que exploram esses setores quase não arde. Até porque são muito profissionais na prevenção. Exatamente. A gestão da floresta e a sua rentabilização implica tomar os cuidados para que não possa arder. Faz parte do negócio..Anunciou apoios abundantes para as pessoas e as empresas que foram afetadas pelos fogos. O que está a ser feito exatamente a esse nível? Temos dois tipos de preocupações que queremos cumprir ao mesmo tempo. A primeira é apoiar as pessoas com rapidez. E posso dar aqui uma novidade. No primeiro Conselho de Ministros a seguir aos incêndios foi aprovado o decreto-lei de definir os apoios a dar. E ficou aprovado que o Ministério das Finanças ia disponibilizar imediatamente 100 milhões de euros, por conta daqueles 500 milhões de euros no âmbito dos fundos europeus e que virão para apoiar as vítimas e a recuperação da floresta. Basicamente, é para alimentos para os animais, para recuperar o efetivo animal, muito dele pereceu e é preciso repô-lo, e, sobretudo, para garantir que as pessoas tenham comida e tenham onde dormir e o que vestir, porque muita gente ficou sem nada e é preciso dar-lhes condições de segurança e recuperar as suas casas. Quando digo que vamos dar apoios generosos ou abundantes, é porque vamos apoiar a 100% a recuperação das casas até ao valor de 150 mil euros. Se custar mais, pagamos 85% do excedente. Portanto é, de facto, um apoio muito generoso. Onde é que está a novidade? No primeiro Conselho de Ministros ficou aprovado o valor de 100 milhões de euros e na semana seguinte, ou seja hoje [a entrevista foi gravada na sexta-feira], este dinheiro já está na conta bancária da CCDR Norte e da CCDR Centro, de forma a que na próxima semana possa começar a chegar às pessoas o valor dos apoios decididos. Na próxima semana já deverá chegar aos afetados? Vai começar a chegar. Isto vai demorar algum tempo, evidentemente. Estamos a falar dos apoios que vão ser dados a agricultores. O grande prejuízo foi na agricultura, não há muitas casas de primeira habitação ardidas, não há muitas fábricas ardidas. E nós definimos uma regra, porque no nosso mundo rural há poucos papéis e não é possível documentar despesas ou prejuízos. Aceitamos que até ao valor de 6 mil euros podemos dar apoios às pessoas mesmo com despesas não documentadas. Apenas com a prova testemunhal, confirmando que as pessoas tiveram prejuízo, perderam animais, perderam culturas, etc. E esse dinheiro vai começar a ser distribuído agora esta semana.