Em que é que o Governo se baseia para ter a crença de que a redução da taxa do IRC, e também do IRS, vai contribuir para o crescimento da economia? A última vez que se baixou o IRC em Portugal, aumentou a receita do IRC. O ponto é este. Quando se fala de baixar o imposto às empresas, uma parte importante da esquerda vem dizer que é o Governo a defender os patrões e os ricos. Não queremos baixar o imposto dos empresários. Esses recebem dividendos e pagam IRS bem elevado, próximo de 50%. Não é para favorecer os empresários, é para favorecer as empresas. E o que é que uma empresa faz aos lucros? Ou distribui dividendos - e quem os recebe paga IRS, e muito bem - ou então o dinheiro fica na empresa. O lucro de uma empresa é o capital próprio do investimento seguinte que a empresa vai fazer. Se quiser investir, vai à banca pedir dinheiro. E a banca vai exigir que haja capitais próprios. E onde se vai buscar o capital próprio? É o lucro dos anos anteriores. Convém que fique na empresa. Quanto mais lá ficar, maior será o investimento em anos seguintes. Estamos num país em que a maioria das empresas são microempresas e PME. E muitas existem precisamente para criar o emprego do seu promotor, ao ponto de nem pagarem IRC porque nem sequer têm lucro. Em Portugal temos também um problema de dimensão das empresas, e aí o PRR podia ser crucial para que tenhamos empresas de maior dimensão, que sejam mais competitivas e paguem melhores salários. É uma característica muito difícil de alterar, mas as nossas empresas deviam ser maiores. Seriam mais competitivas se tivessem outra escala. As políticas do Governo favorecem-no, como é intenção de muitos governos desde há muito tempo, mas é muito difícil de levar à prática. Se pudéssemos decretar fusões da empresa seria mais fácil, mas isso não se pode fazer.Existe um programa com esse fim, que é o Consolidar. Acha que chega ou é preciso mais instrumentos desses? Tem-se mostrado insuficiente. A verdade é que há poucas fusões de empresas. Portugal deu grandes passos na formação dos trabalhadores, mas também há muita formação a fazer aos gestoras e aos donos de empresas. Muitas vezes também há desconhecimento de quais são os mecanismos que possibilitam e que facilitam essa fusão. No plano fiscal era possível ir mais longe na tributação das mais-valias da venda de participações sociais. Por exemplo, em Espanha o imposto é menor para quem vender a empresa num âmbito de processo de fusão.É um caminho que em Portugal fazia sentido considerar? Não sou fiscalista e não domino os detalhes fiscais nessa matéria. O que lhe digo é que favoreceria tudo o que seja possível fazer para aumentar a dimensão das empresas. Para incutir a vontade de fundir empresas, isso é tudo muito bem-vindo. Uma parte da atuação do Estado nessa área está ligada ao Banco de Fomento, que também aplica essas verbas do PRR, nomeadamente do programa Consolidar. Ainda recentemente o Governo viu-se obrigado a emitir uma espécie de desmentido de rumores da eventual extinção do Banco de Fomento e passagem das suas competências para a Caixa Geral de Depósitos e para o IAPMEI. Acha que o Banco de Fomento é para manter? Estive na origem do Banco de Fomento. Criado no Governo de Passos Coelho, chamava-se Instituição Financeira de Desenvolvimento, porque a Europa recusava a ideia de criar um novo banco, mas depois passou a designar-se assim. Sou muito a favor da existência de um Banco de Fomento em Portugal, como existe noutros países europeus. Quando foi criado, questionou-se se não poderia ser uma tarefa da Caixa de Geral de Depósitos. Chegámos à conclusão de que não podia, porque a Caixa está no mercado de retalho, a concorrer com os outros bancos. A ideia é que o Banco de Fomento seja um banco grossista, que use a banca comercial como o seu banco de retalho. Para usar todos por igual, não pode pertencer a nenhum deles. Tem toda a lógica haver um Banco de Fomento, mas é verdade que está longe de cumprir as expectativas que criou e aquilo de que é necessário. Acredito que é necessário haver um banco em Portugal dirigido a financiamentos de longo prazo porque hoje a nossa banca comercial está muito centrada no curto e no médio prazo. E tem muita pressão também a nível da supervisão, além da concorrência. Acredito que há um caminho para percorrer. A solução não é fechá-lo.No que toca ao investimento direto estrangeiro, é crível que nas nossas vidas vá haver algo com o impacto que a Autoeuropa teve?Era bom que houvesse. E eu quero acreditar que sim. Se Portugal persistir neste caminho de país estável, seguro - evidentemente que há exceções, mas globalmente é um país seguro -, que tem boas relações no interior da Europa e uma boa ligação ao mundo, que tem uma boa imagem internacional, se houver estabilidade, se houver um clima que favoreça o investimento direto estrangeiro, se os investidores sentirem que o país não olha para as empresas ou para os empresários como adversários, que não olha para o lucro como sendo um problema, temos condições para poder atrair investimento direto estrangeiro. Temos boas universidades e jovens qualificados, o que é essencial na escolha dos investidores, e temos um ministro da Economia muito ágil, perspicaz e conhecedor das oportunidades de investimento direto estrangeiro..Por exemplo, temos vantagens no que toca à indústria aeroespacial? .Também. É uma das áreas que está a nascer e a crescer rapidamente em Portugal, e que tem potencial enorme, sem dúvida nenhuma. Basta ver o que se passa em vários pontos do país. Não queria aqui citar nenhum caso em particular, mas há várias iniciativas muito valiosas na área aeroespacial.Sabemos que o grupo Volkswagen está sob forte pressão, por causa da concorrência dos carros elétricos chineses, e que está mesmo a encerrar fábricas na Alemanha. Acha que o Governo deve ser proactivo para manter a Autoeuropa em Portugal? Seguramente que sim, mas não creio que seja um risco iminente. Há contactos frequentes e de alto nível com o grupo Volkswagen que são animadores.Tem defendido que em caso de chumbo do Orçamento será impossível aplicar as verbas do PRR. Há quem diga o contrário, mas está convencido de que sem Orçamento não há PRR. Governando com duodécimos é impossível?Não tenho dito que sem Orçamento não há PRR. Com eleições não há PRR. Isso eu garanto. Para mim é absolutamente claro. Se houver eleições, o PRR não será cumprido. Essa é uma das razões pelas quais acho que o PS tem de forçosamente ponderar o sentido do seu voto.Da parte dos autarcas dos diferentes partidos, não só os do PS, existe essa preocupação? Como imagina, falo com muitos autarcas, de todos os partidos, e sinto que ninguém quer eleições. Ainda agora, o recém-eleito presidente da Federação da Área Urbana de Lisboa do PS, que é autarca em Loures, foi claro a dizer que deve haver estabilidade, que não se deve ir para eleições e que os partidos devem entender-se acerca do Orçamento. Há uma vaga de fundo favorável a uma solução. Os autarcas estão muito no terreno, a tratar da vida das pessoas, a resolver problemas concretos, estão fora da bolha mediática, e percebem que o tempo está favorável a executar obras e a fazer investimentos. Este Governo tem 6 meses, e eu próprio já assinei com o presidente da Câmara de Loures contratos no valor de milhões de euros para diversos equipamentos que vão ser construídos com fundos do PRR. Ele percebe bem a importância de cumprir o PRR para poder beneficiar a população do seu concelho.