Belém? "Não penso nisso. Tenciono concorrer a 2.º mandato na Figueira"

Antigo primeiro-ministro e atual presidente da Câmara da Figueira da Foz não descarta uma candidatura a Belém apesar de "não pensar nisso". Elogia o novo líder do PSD bem como Rui Moreira, por ter dado o "murro na mesa" que era preciso dar na descentralização.
Publicado a
Atualizado a

Foi deputado, secretário de Estado e presidente do Sporting, presidente das câmaras da Figueira e de Lisboa, líder do PSD e primeiro-ministro. Abandonou o PSD quando perdeu as eleições internas, fundou um partido e desfiliou-se dele. Está outra vez na liderança da Câmara Municipal da Figueira da Foz. A nova vida e os projetos de Santana Lopes, 65 anos.

Vamos começar pela Figueira da Foz: costuma dizer-se que "não se deve voltar ao lugar onde se foi feliz". O que encontrou neste regresso à Figueira tanto tempo depois?
Esse ditado é falso, já comprovei ainda agora com esta experiência. Encontrei uma terra que tem de apostar na competição, uma terra que vive num Portugal, não vou dizer esquecido, mas Lisboa não tem tempo para o resto do país. Não estou a dizer mal de Lisboa, sou de Lisboa, fui criado em Lisboa e nasci em Lisboa, mas sei, e até me estava a lembrar que quando fui presidente da Câmara de Lisboa fiz uma proposta para as câmaras maiores distribuírem dinheiro pelas câmaras mais pequenas. A experiência na Figueira marcou-me imenso e não voltei antes à Figueira porque as circunstâncias não o proporcionaram. Houve sempre candidatos amigos ou eu tinha outros desafios também e a seguir a mim entrou outro presidente da Câmara do meu partido e esteve lá dois mandatos. Agora, de facto, não tinha compromissos que me impedissem e tinha este recalcamento, porque quando me vim embora - e disse isto em público sem vergonha -, chorei lágrimas, foi o dr. Barroso, como sempre, que me convenceu e disse que tinha de vir para Lisboa. Mas custou-me porque tinha feito um mandato que acho que tinha corrido bastante bem e gostava de fazer um segundo. Talvez não se lembrem dos abaixo-assinados que fizeram para eu ficar. Eu tinha que resolver isto e pude, dou muitas graças a Deus pelas circunstâncias da vida me terem permitido ir lá outra vez. Sempre disse que o trabalho que mais gostei de fazer foi o autárquico e fazê-lo na Figueira, onde cada vez mais gosto de viver, o que encontrei foi uma terra que quero levar por outro caminho.

Que caminho?
Quero muito competir neste mundo em que a inovação, a investigação, a ciência, têm um papel chave. Não é uma questão de a Figueira estar no mapa por pozinhos de perlimpimpim ou por festas, é um trabalho metódico, duro, silencioso, que começou já no primeiro passo com conseguir que a Universidade de Coimbra lá instale um polo muito ligado à área do mar e outras, o que é importantíssimo para a Figueira. Ainda esta quarta-feira anunciei o investimento de uma empresa na área da transição energética, 15 milhões de euros, 40 postos de trabalho, nos chamados modernos combustíveis, biodiesel e outros. Há vários exemplos de cidades portuguesas, como Braga, que conseguiram ir para cima e para isso é preciso que a aposta na inovação e na investigação seja constante. Mas temos de definir áreas que são o nosso core e é nestas áreas que é mais natural a Figueira investigar, mas estou aberto às várias áreas. Tudo o que seja investigadores que queiram vir para a Figueira, muito bem, é nisso que estou a trabalhar, mas não perdendo vista os hoteleiros, restauração, comércio. Esperam isso de mim e acho que já está a acontecer, os preços dos andares estão a subir, portanto, encontrei uma Figueira desafiante, apaixonante, e adoro o trabalho que estou a fazer.

Disse que foi criticado porque tinha tido uma gestão de fachada, de festas, e na campanha eleitoral voltaram a lembrá-lo do célebre buraco das contas que terá deixado na Figueira. Como é que está essa famosa dívida da Câmara?
A Câmara está equilibrada. Os meus adversários, pouco e pouco, vão lá, o meu antecessor que é vereador da oposição disse que tinha demorado muito tempo a estar de acordo comigo em relação às piscinas que fiz pelo concelho todo, mas que hoje em dia compreendia porque é muito importante para as populações. Eu tenho essa visão de fomento e essa conversa de que só fiz festas é completamente falsa. Da dívida, dizem eles que foram muitos gastos e que exagerei, mas o Centro de Artes e Espetáculos fez 20 anos esta semana, e o Matias Damásio cantou lá nos 20 anos, no Vale das Abadias no jardim. E é isso que da outra vez ficou. Cobri o concelho quase todo com saneamento, estava a 20%, escolas, tapetes viários, piscinas por todo o lado. Qual é a questão da dívida: se compra uma casa e faz um empréstimo, mas em vez de comprar a casa vai gastar o dinheiro em rebuçados ou viagens, isso é horrível. Mas se contrai o empréstimo para comprar a casa e a casa está lá, então está lá o valor e vai pagando o empréstimo. Foi isso que aconteceu, fiz empréstimos - a dívida é bancária, principalmente -, para assegurar a participação da Figueira em 25%, quando a União Europeia dizia que pagava tudo em 75% a fundo perdido, seria mau gestor se não fosse lá. Os meus sucessores tiveram de arcar um bocado com essa amortização e com algumas limitações financeiras, mas foi o custo de terem tido um presidente de câmara que fez o que fiz naquele mandato. Se não fosse eu, se calhar a Figueira ainda hoje não tinha Centro de Artes e Espetáculos, não tinha tanto saneamento coberto, ou não tinha piscinas pelas freguesias.

Enquanto autarca, como olha para o processo de descentralização de competências?
Sou um bocadinho heterodoxo nisso, mas antes de chegar já estava aceite na área da educação e eu aceitei na saúde e na segurança social. Tenho uma estratégia diferente da maioria dos municípios.

Mas é ou não o mesmo que aceitar um rebuçado envenenado?
Vamos ver, mas se o governo me tentar enganar vai ter-me à perna. Aposto na boa-fé, querem passar para cá as competências? Muito bem, então quais são as vossas contas para podermos negociar? Mas posso dizer-lhe que na educação, o ano passado, já tivemos saldo negativo em relação à transferência do governo de 1 milhão e 200 mil euros. Qual é o problema? É que para isto é preciso conhecer a realidade e se não aceitar as competências na área da saúde estou a fazer mal às populações. Com a covid já foram muitas autarquias que se chegaram à frente para ajudar o governo e o SNS, as autarquias tiveram um papel extraordinário como era seu dever, mas sem competências na área da saúde. Se formos ver no plano da legalidade, aquelas despesas, enfim, mas são circunstâncias excecionais que as justificam. Mas a covid também tapou muita coisa e, na minha opinião, e estive seis anos como provedor da Santa Casa e, portanto, conheço a área da saúde bem, o SNS está falido. Como sabem, durante a pandemia o governo contratou muita gente, enfermeiros, médicos, mas antes sei bem o que era os ministros da saúde a pedir-me mais camas e enfermeiros no inverno, nomeadamente nos picos da gripe. O SNS tem de orçamento este ano 13 mil milhões de euros, mas não chega. Eu vou dizer que não sem acabar o envelope financeiro, sem ter a certeza, sem pedir mais dinheiro ao governo? Não, porque aí a população vai para os centros de saúde que estão fechados, volta para trás e não tem consultas.

Quando olha para a tomada de posição de Rui Moreira, ele tem razão?
Respeito. Estive num debate com ele há duas semanas e com o presidente da Câmara de Manteigas, e Manteigas, com o devido respeito, é uma terra pequenina. E esse meu colega, coitado, leva com as competências todas, se as aceitar, e não tem dinheiro quase, além de pagar o pessoal. Não é um concelho tão movimentado como é a Figueira, apesar de não ser um concelho rico, tem outras possibilidades. O Porto tem problemas de cidade grande.

Mas Rui Moreira fez bem em ter saído da Associação Nacional de Municípios Portugueses?
Isso não sei, não sei mesmo, mas de um ponto de vista egoísta, acho bom que tenha acontecido, era preciso dar um murro na mesa. Já fui presidente do congresso da Associação Nacional de Municípios, conheço bem a associação, e já houve tempos em que a ANMP teve presidentes de partidos que não eram o do governo. O Artur Torres Pereira, o Fernando Ruas, o Mário Almeida, de Vila do Conde, quando era o Professor Cavaco Silva primeiro-ministro. Não estou com isto a dizer que os que estão lá e são do partido do governo estão feitos uns com os outros, mas pronto. Mas, de facto, a ANMP tornou-se pouco interventiva ao longo dos anos, muito pouco eficaz na defesa, é muito pelas negociações nos corredores do poder, está pouco ligada à realidade do dia a dia das autarquias. Portanto, acho que é preciso um murro na mesa, uma pedrada no charco. A presidente é uma autarca fantástica, a Luísa Salgueiro, mas não tem a ver com a qualidade das pessoas, a ANMP como organização precisa de uma volta. E o que Rui Moreira fez chamou à atenção para isso.

Em Portugal não há uma tradição de um antigo primeiro-ministro ser depois autarca. A experiência que teve na governação dá-lhe a tal visão e experiência que outros autarcas não têm?

Talvez me dê uma capacidade de entender a dificuldade do processo de decisão ao nível central, mas também me dá uma capacidade de adivinhar o que vem a seguir que outros talvez não tenham. Por exemplo, no porto da Figueira, por acaso estou a lidar com um ministro do qual até agora só tenho a dizer bem, Pedro Nuno Santos, tem estado em cima do acontecimento, interessado nos assuntos e a cumprir o que diz. Mas também já sei quando eles tentam encanar a perna à rã, já conheço a conversa, o discurso.

Porque também o fez?
Ouvi fazer perto de mim... Sei as desculpas que se dão, se quiser, quando não se vai fazer. Tenho um problema grande, por exemplo, com a erosão da costa, com a transposição de areias das praias a norte para as praias a sul, e o governo, o Ministério do Ambiente, está atrasado. Sei que estão com boa vontade, mas atrasa. E precisamos de transpor porque temos um tecido industrial fantástico na Figueira, papeleiras, vidreiras, indústrias e outras entidades que precisam do porto da Figueira para escoar. O Estado não tem dragas e precisamos muitas vezes de dragar porque só entram navios com calado até quatro metros ou quatro metros e meio. Isso é a ruína para a Figueira e o que acontece muitas vezes é que ligamos para Lisboa e dizemos-lhes que ouçam só 20 minutos, porque se ouvirem vão perceber o problema, mas o problema é Lisboa ouvir.

Quando é recebido por ministros ou secretários de estado, e mesmo dentro da ANMP, nota alguma deferência em relação a si?
Confesso que não tenho ido à ANMP e às suas reuniões, porque quando fui para a Figueira disse no meu discurso de tomada de posse que não vinha para cerimónias nem para reuniões muito compridas, a não ser as que digam respeito ao trabalho da Figueira. Eu fui trabalhar para a Figueira, portanto, não vou a cerimónias a não ser números redondos, não vou ao quadragésimo sétimo aniversário de qualquer coisa, se fizerem 100 anos vou, se fizerem 50 anos vou. Vou muitas vezes trabalhar para a câmara ao sábado e ao domingo, porque isso é o que gosto de fazer, portanto, também não vou muito à ANMP. Faz-me lembrar um pouco o Parlamento Europeu de outros tempos, votos e moções, mas resultados práticos poucos.

Mas há deferência consigo nos governantes que foi atravessando?
São simpáticos, mas também não quero que me tratem de forma diferente. Os governantes são simpáticos, fazem o que eu faria com um antigo primeiro-ministro. Lembro-me de atender o dr. Mário Soares em tempos, como presidente da Câmara de Lisboa, e tratá-lo sempre como senhor Presidente, como tratei sempre até ao fim da vida. Se alguém me telefonar, devemos atender todos, mas claro que há um respeito devido a quem já desempenhou determinadas funções. Mas não quero ter cerimónias, quero é que me despachem os assuntos, se o fizerem já fico contente.

Deixou o PSD e fundou o Aliança: arrepende-se ou hoje tomaria a mesma decisão?
Costuma-se dizer que, naquelas circunstâncias e com os dados de que dispunha, provavelmente tomaria a mesma decisão, sabendo o que sei hoje, não teria feito. Não correu bem, é muito difícil, não valia a pena, porque andava pelo país e a maior parte das pessoas me dizia, "então, senhor doutor, o nosso partido", mas percebia que não estavam a falar do Aliança. A grande maioria das pessoas julgavam que ainda era do PSD e isso tornava impossível, até porque não ia à televisão, nem à rádio, nem jornais, as pessoas não sabiam o que era o Aliança. Não me estou a desculpar com isso, mas acho que muita gente se calhar também muita gente ficou zangada por ter saído do PSD, mas espaço havia, ficou provado. Outra coisa que ficou provada, podia ser assim, "havia espaço, mas não era para ti porque tu já não ganhas eleições", mas depois fui para a Figueira e ganhei as eleições.

O que aprendeu com esse momento da criação do Aliança e com essa decisão?
O que é que aprendi? A não fazer o mesmo. Agora, não aprendi nem nunca hei de aprender a não lutar por aquilo em que acredito e fiz o Aliança porque achava que tinha de dizer a um certo eleitorado que não acreditava no caminho que o PSD ia seguir e achava que devia propor outro. Fundei o Aliança e nunca disse mal do PSD nem fui para comícios do PS como outros fizeram e gritar com o PSD.

Mas não foi uma reação emocional reativa de confundir o PSD com o líder circunstancial que lá estava?
Não, porque a minha decisão não teve a ver com Rui Rio e com aqueles seis meses, teve a ver com muita coisa que já tinha acontecido antes e para mim o culminar foi o que se passou ali. Quem votou de facto em Rui Rio foi a maioria dos militantes do PSD, não foi do PS, do Chega ou do CDS. Portanto, fui aquelas eleições, saí de provedor da Santa Casa, o que me custou muito na altura e disse que ia lá oferecer uma alternativa de liderança e de caminho estratégico. E disse que com este senhor vem o dr. Pacheco Pereira, volta o dr. António Capucho, vai ser a estratégia do bloco central, vão subalternizar-se em relação ao PS, eu ofereço o caminho ao contrário. As pessoas escolheram, escolheram três vezes o dr. Rui Rio, e alguns dos que o criticam agora, na altura apoiaram-no. Mas Rui Rio não enganou, disse sempre para o que vinha. O PSD proibiu-me de me recandidatar à Câmara de Lisboa e quatro anos depois vieram convidar-me para ser candidato outra vez, mas o dr. Costa começou o percurso dele ascensional em 2007, as pessoas não se lembram, mas lembro-me eu. Em 2005, o dr. Marques Mendes proibiu-me de me recandidatar e desculpe dizer que eu tinha ganho. Dois anos depois cai o professor Carmona Rodrigues e o dr. Costa ganha e nunca mais parou. E em 2005, muitos dos que me criticavam no PSD e preferiram que entrasse Sócrates a que eu continuasse primeiro-ministro e líder do PSD, foram os mesmos que agora estiveram a apoiar Rui Rio contra mim. Portanto, em 2017 quando saí, foi depois de muita coisa que se passou, não foi por causa daqueles seis meses. Mas compreendo a sua pergunta, porque se assim fosse tinha sido algo emocional, não se sai de um partido porque se discorda de uma estratégia de um determinado líder.

O senhor sai do PSD, funda um partido, não elege eurodeputado, vai a eleições e não é eleito deputado, e sai dando ideia de que percebeu depressa de mais que o Aliança não tinha caminho. Mas acabou de referir que nesse espaço político surgem dois partidos que têm caminho. O que é que o Aliança não tinha?
Era um partido normal de mais com uma proposta sem ruturas, algumas diferenças nomeadamente na questão europeia, mas sem grandes diferenças em relação aos já existentes. Tinha um líder já conhecido, alguns diriam já gasto como líder partidário pelo menos, e tinha um programa não muito diferente dos outros. É preciso muito tempo de antena para explicar porque é que o Aliança tinha razão de existir e, de facto, os outros dois partidos jogaram bem, ou três partidos, se quiser. O Livre apresentou uma candidata de rutura, a Iniciativa Liberal com meios de comunicação absolutamente inéditos, aqueles outdoors muito giros, com boa linguagem e com proposta política mais disruptiva, e o Chega foi o Chega. Se também tivesse sido candidato a dizer que queria defender os golfinhos e que ninguém podia bater nos golfinhos, se calhar tinha mais hipóteses de ser eleito do que a dizer que quero uma mexida que defende os seguros de saúde ou que acho que na política europeia devemos ser mais cuidadosos num determinado setor.

Ou seja, ninguém queria ouvi-lo?
Sobre isso não. Temos de ser lúcidos, objetivos e humildes, foi uma experiência falhada comigo, por isso é que disse que era melhor sair porque podia ser que tenham mais hipóteses sem mim. Mas não fiquei triste nem a chorar e passado pouco tempo lá fui à Figueira, podia ter perdido, mas ganhei.

Admite voltar ao PSD? Já lhe passou pela cabeça pedir a refiliação?
Não, não me passou pela cabeça. Tenho muita pena pelo dr. Francisco de Sá Carneiro que já cá não está, e pela Conceição Monteiro que espero esteja muitos anos, estou a falar em termos pessoais, o que eles simbolizam. De coração, é lá que pertenço, mas estou bem como independente. Tenho de acreditar que o PSD não continua a ser dominado por uma lógica de aparelhismo, em vez da lógica do partido dos homens bons e das mulheres capazes.

Como olha hoje para o PPD-PSD? Montenegro é o melhor líder nesta fase?
Há de compreender que não quero comentar muito o PPD-PSD, não quero por respeito, não vou dizer se ele é o melhor ou o pior. Foi o meu primeiro vice-presidente quando fui líder parlamentar, tinha ele 34 anos, já eu tinha 50 anos. Tem muita capacidade política e experiência, é uma pessoa que se honra das grandes missões do partido, nomeadamente a governação de Pedro Passos Coelho que foi de salvação nacional. Acho que tem condições, agora vamos ver o que o tempo traz, ele tem de provar como líder da oposição e depois como candidato a primeiro-ministro. Ele não tem experiência de governação, mas é bom lembrar que Pedro Passos Coelho também não tinha.

Ainda assim, a erosão eleitoral do PSD no pós Passos Coelho pode ser combatida de alguma forma, pode ser recuperável?
Pode, se o PSD agarrar causas compatíveis com a sua matriz e deixar de se preocupar tanto com o que pensa António Costa e passar a preocupar-se com o que sentem e precisam os portugueses. Se souber explicar aos portugueses porque é que o modelo de governação que o PS, por exemplo, tem levado a cabo é errado, e porque é que o modelo do PSD é melhor, mas partindo do princípio que sabemos qual é. Neste momento, confesso que não sei qual é, saiu Rui Rio e ainda não sei o que Luís Montenegro vai propor. Mas há uma certeza que tenho: o país com este ritmo de crescimento económico todos os anos - que é uma matéria que o presidente da república já devia ter agarrado mais, assim como o próprio governo -, o país não tem dinheiro para todas as obrigações do Estado Social tal como o concebemos. Portanto, é preciso - e aqui é que entram as causas do PPD-PSD -, perceber como é que os portugueses têm melhor direito à saúde. Sou um profundo crente no modelo dos seguros de saúde, quem não tenha dinheiro que o Estado ajude a ter seguros de saúde, já há cerca de 3 milhões de portugueses que têm, mas para que os mais pobres também possam ir aos outros hospitais onde vão os que têm mais posses. Porque o Estado não tem dinheiro para pagar tudo, esqueçam. Vejo na Figueira e em todo o lado os centros de saúde sem médicos e enfermeiros que chegue e, como disse há pouco, este ano o orçamento do SNS são 13 mil milhões de euros e não chega. Se a economia crescesse a 3,5% ao ano em termos estáveis, isso representaria mais uns 7 mil milhões de euros e isso já dava para as carências que existem, mas não cresce. Até pode estar a crescer 4% ou 5% agora, mas em relação a uma quebra muito grande que houve com a pandemia. Portanto, o PPD-PSD tem que dizer que na área da saúde, na área da educação, como dizia no outro dia o Sérgio Sousa Pinto num debate em que estive, o PSD tem de deixar de se preocupar em ter as mesmas posições que a esquerda nas matérias de moral, de ética, ele até disse matérias floridas, achei piada à expressão dele. Mas de facto é um bocado assim, não tem de ter posições ultrapassadas, caretas, mas tem de ter a sua posição e o PSD nos últimos anos tem sido um partido demasiado preocupado com os outros. O PSD ganhou sempre e liderou quando disse, "o caminho é por aqui", quem quer vem, quem não quer não vem, e isso é liderar, saber o que se quer, saber onde se vai, e o PSD nos últimos anos foi tudo menos isso. Sem ofensa para Rui Rio, ele tinha lá o seu caminho, propôs, ganhou, defendeu, e eu achava que ia dar mau resultado e deu.

Pela primeira vez, o PSD está entalado entre o PS e os dois partidos à sua direita. A social-democracia portuguesa, que é o que é o PSD, corre o risco de se tornar irrelevante, tendo em conta estas duas novas propostas, uma mais populista e outra mais liberal?
Corre o risco. Mas com o que vejo desses novos partidos, e sem ofensa porque é a minha análise, não os vejo com aquela energia criativa e eficaz que esperava que pudessem ter até depois dos resultados que tiveram. Vejo-os muito minados, um por divergências internas, um mais calado do que era antes, acho que não é por aí que o PSD tem grandes problemas se for igual a si próprio. Agora, depende muito da equipa que Luís Montenegro fizer, das causas que abraçar. Há aquela frase que diz que as primeiras impressões é que contam, não é bem assim, mas no caso dele vai ser muito, porque há muita gente que está cética.

O senhor leu a carta do antigo primeiro-ministro Cavaco Silva ao atual primeiro-ministro António Costa? O que lhe pareceu a carta e as reações à carta?
Não li toda, juro que não li mesmo. Já conheço o professor Cavaco Silva, já vi cartas daquelas com vários primeiros-ministros, até com Durão Barroso. Lembro-me de uma conferência que o professor Cavaco Silva deu em Espanha e lembro-me de estar em São Bento a jantar com Durão Barroso e estarmos a falar de que qualquer primeiro-ministro se irrita quando vem um ex-primeiro-ministro dizer que a economia tem de crescer a mais de 3%. Está bem, mas nós vínhamos da saída do procedimento por défice excessivo com António Guterres e não conseguíamos que a economia crescesse. O professor Cavaco Silva sempre deu lições quando estava fora, conheço-o muito bem, conheço as cartas dele, já levei com uma em cima, já levei com o artigo da má moeda, não estranho.

Mas não deveria tê-lo feito?
Deu recados ao colega da maioria absoluta, mas acho que o país tem de discutir outras coisas. Por exemplo, regionalização, temos tanto trabalho para fazer e espero que a oposição agora saiba fazer isso, porque se não quem sofre com isso são os cidadãos. A carta eu não a li toda, vi um bocado da entrevista e percebi o que o professor Cavaco Silva veio dizer. Mas acho que veio agora dizer algumas coisas de Rui Rio que podia ter dito quando o recebeu nas diretas comigo para objetivamente lhe dar apoio. Falar depois é muito fácil, falar antes é que é difícil.

Fez parte, nos anos 80, da Nova Esperança com Marcelo Rebelo de Sousa, Durão Barroso e José Miguel Júdice. Dos quatro dois foram primeiro-ministro e um é Presidente da República. É preciso uma nova esperança para Portugal?
É sempre preciso uma nova esperança porque Portugal vai ficando para trás como sabemos.

É um país adiado?
É e há de ser adiado enquanto não estivermos pelo menos na média europeia. Lembro-me de ter vinte e tal anos, estar a estudar na Alemanha, Durão Barroso estar a estudar na Suíça, e dizermos que tínhamos de sair daquilo. Olharmos para os nossos emigrantes lá, estarmos em colónias, agora já temos sessenta e tal anos, ele já foi presidente da Comissão Europeia, fomos os dois primeiro-ministro, e o país está para aí em antepenúltimo a 27. É uma frustração enorme e disse eu no congresso do Aliança em Évora, em 2018, que apoiar ou não a recandidatura de Marcelo Rebelo de Sousa dependia muito do modo como ele assumiria a causa do crescimento económico, do aumento e melhoria da produtividade, e a causa da justiça. Porque estes são os grandes problemas de Portugal e a justiça também tem a ver com investimento, nomeadamente externo, mas não é só isso, os direitos liberais e garantias, punir aqueles que prevaricam, o tornar a política uma fortaleza de ética exemplar. São tarefas muito difíceis, são, mas um chefe de Estado tem de se empenhar nelas. E a questão do crescimento económico: porque é que os portugueses não hão de ter direito pelo menos há média europeia quando aderimos há quase 40 anos? Porque é que vamos ficando para trás? Por várias razões, o centralismo tem muita influência nisso, mas também porque, na minha opinião, a revolução do 25 de Abril gerou neste país um complexo de esquerda constantemente que leva a que não se assuma devidamente a importância da produtividade das empresas, do investimento, do fator de trabalho. Se queremos ser competitivos temos de atrair investimento. Como sabem, temos o IRC nos níveis que temos, agora tínhamos um investimento imenso e fizemos limitações aos golden visa porque era uma coisa muito perigosa, especulação e tal, e que outros países vão buscar. Dou um exemplo: não defendo os combustíveis fósseis, mas faço-vos o desafio de irem ver quantos países exploram as suas jazidas de petróleo no mundo. São praticamente todos, incluindo os verdes, as Noruegas da vida que têm o fundo soberano, todos os países que defendam causas ambientais não deitam fora os seus recursos naturais. Agora também estamos a debater o lítio, e não estou a defender que se desvirtue a paisagem ou que diabo, mas temos de definir de uma vez como queremos viver, porque os outros vivem à nossa custa. E depois vamos comprar petróleo, como por exemplo à Rússia, a quem nos últimos anos aumentámos muito a compra de petróleo. O modelo de desenvolvimento que deve ser partilhado também entre governo e oposição, mas em que o chefe de Estado - e relembro que o Presidente da República é chefe de Estado, não chefe do Executivo -, é o chefe dos poderes todos, com o devido respeito pela independência do poder judicial. Portanto, porque é que vamos ficando para trás? Para mim a questão está aí, aumento e melhoria da produtividade. Digo-lhe que a 8 de setembro de 2004, no Rio de Janeiro, fui às cerimónias do dia oficial do Brasil e no dia seguinte os vossos colegas perguntaram, "senhor primeiro-ministro, o que é que tem a dizer às propostas do aumento salarial?" ao que respondi que só havia uma hipótese para aumentos salariais e era que correspondessem a um aumento e melhoria da produtividade. Portanto, isto não defendo de agora, defendo-o há muito tempo.

Em política há duas palavras perigosas, sempre e nunca. E Pedro Santana Lopes nunca disse nunca a uma eventual candidatura a Belém. Ainda pensa em ser candidato a Belém, quer ser?
Isso são uma série de perguntas, mas não penso nisso. Como calcula, a vida já me ensinou que não vale a pena esses pensamentos, mesmo quem tenha essas ambições. Vou lendo e acho graça aquilo que vou lendo, mas pensar nisso, não penso. O que penso, e esta é a resposta politicamente correta, é em fazer bem o meu trabalho e honrar os compromissos com quem me elegeu, porque é horrível quando os políticos são eleitos e depois se esquecem do que prometeram às pessoas. Aliás, é das maiores razões para as pessoas deixarem de acreditar e, portanto, todas as semanas, uma vez por semana, leio o meu programa eleitoral, porque tenho de cumprir aquilo dê por onde der. Depois, aquilo que vou fazer daqui a três anos e meio? Tenciono concorrer ao segundo mandato na Figueira, da outra vez não cumpri um segundo mandato, mas desta vez é o que tenciono fazer. Aprendi a usar a frase da minha avó, "o futuro a Deus pertence", e Deus nos dê vida e saúde, também digo isso muitas vezes. Mas adoro trabalhar na Figueira e não penso em mais nada, nem quero pensar em mais nada.

Mas tem noção de que essa foi, como disse, a resposta politicamente correta?
Com a idade aprendemos a ser cada vez mais corretos e já tenho direito a ter desconto nos bilhetes do cinema e nos passes do autocarro, coisa a que não acho graça nenhuma, mas tenho mesmo de ser politicamente correto. Até porque qualquer frase diferente que dissesse não iria corresponder aos meus pensamentos, porque não penso nisso, mas leio com certeza, e acho graça aos prognósticos que são feitos.

Tenciona acabar a sua vida pública como presidente da Câmara da Figueira da Foz?
Depende de até quando estiver em forma, mas seria uma maneira muito bonita de acabar. Mas há uma coisa que lhe garanto: enquanto puder, nunca me vou reformar, quero sempre trabalhar e a ideia da reforma assusta-me bastante, parar é morrer. Lembro-me sempre dos exemplos do dr. Mário Soares e da dra. Maria de Jesus Barroso, os dois trabalharam e não pararam, o meu ídolo morreu cedo num atentado a um avião, mas o dr. Mário Soares é extraordinário. Conheço vários exemplos e vocês certamente também, portanto, tenho essa ideia muito firme. O meu pai, aos sessenta e tal anos, por causa de a minha mãe estar doente, parou e veio a aterosclerose. Depois a minha mãe morreu e o meu pai voltou a trabalhar e voltou a ser ele próprio, nunca me esquecerei disso. Portanto, reformar-me nunca, enquanto puder andarei sempre a trabalhar, se Deus quiser.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt