As cinco prioridades de Marcelo II. Saiba quais são
A melhor frase do Presidente da República no dia da sua tomada de posse para o segundo mandato foi dita pelo próprio antes do discurso inaugural, quando, como há cinco anos, na manhã fresca e solarenga de Lisboa, caminhava pela rua no percurso entra a casa de família na Lapa e o Parlamento.
"Os segundos mandatos são sempre mais difíceis do que os primeiros", disse Marcelo Rebelo de Sousa, ao mesmo tempo que se confessava "menos nervoso" do que 9 de março de 2016, quando tomou posse do primeiro mandato. Pelo meio elencou as suas três principais prioridades para os próximos cinco anos: vencer a pandemia, vencer a crise económica e evitar crises políticas.
Citaçãocitacao"Sou o mesmo de há cinco anos, sou o mesmo de ontem, nos mesmos exatos termos eleito e reeleito para ser Presidente de todos vós."
O discurso inaugural não teve qualquer novidade face ao que Marcelo tem de há muito vindo a dizer. Os três desafios de que tinha falado antes na rua aos jornalistas passaram a cinco perante os deputados e os convidados na Sala das Sessões: melhor democracia, combate à covid-19, recuperação económica, coesão social e protagonismo internacional do país.
Como "primeira prioridade", elegeu a defesa de uma "melhor democracia", em que "a tolerância, o respeito por todos os portugueses, para além do género, do credo, da cor da pele, das convicções pessoais, políticas e sociais não sejam sacrificados ao mito do português puro, da casta iluminada, dos antigos e novos privilegiados"
"Queremos uma democracia que seja ética republicana na limitação dos mandatos, convergência no regime e alternativa clara na governação, estabilidade sem pântano, justiça com segurança, renovação que evite rutura, antecipação que impeça decadência, proximidade que impossibilite deslumbramento, arrogância, abuso do poder", completou.
Como "segunda prioridade e a mais imediata", apontou o combate à propagação da covid-19 em Portugal, "em espírito da mais ampla unidade possível", para que haja menos mortos e casos de infeção e mais vacinação, testagem e rastreio. O chefe de Estado considerou que é preciso "desconfinar com sensatez e sucesso" e "evitar nova exaustação das estruturas de saúde e dos seus heróis".
"A terceira missão prioritária do Presidente da República cobre não apenas 2021, mas também os anos que se seguem. Durante esse tempo inevitavelmente mais longo, teremos de reconstruir a vida das pessoas, que é tudo ou quase tudo: emprego, rendimentos, empresas, mas também saúde mental, laços sociais, vivências e sonhos. É mais, muito mais do que recuperar, ou seja, regressar a 2019 ou a fevereiro de 2020".
Segundo disse, há que "manter e aperfeiçoar as medidas para a sobrevivência imediata do tecido social, do tecido económico e sua mais rápida reconstrução" e "usar os fundos europeus com clareza estratégica, boa gestão, transparência e eficácia, na resiliência social, na qualificação, na transição energética, no digital".
Citaçãocitacao"Sou o mesmo de há cinco anos, sou o mesmo de ontem, nos mesmos exatos termos eleito e reeleito para ser Presidente de todos vós."
Porém - avisou - "só haverá verdadeira reconstrução se a pobreza se reduzir, os focos de carência alimentar extrema desaparecerem, as desigualdades se esbaterem, a exclusão diminuir, a clivagem entre gerações e entre territórios for superada", sustentou, apontando a coesão social como a sua "quarta missão prioritária".
O Presidente da República assumiu como "quinta missão" aprofundar o protagonismo de Portugal no plano internacional como "plataforma entre culturas, oceanos e continentes, simbolizada pela eleição e pela desejável reeleição e António Guterres e pela abertura a todos os azimutes da presidência portuguesa no Conselho da União Europeia".
O Presidente agora reconduzido para um segundo mandato de cinco anos rejeitou "messianismos presidenciais" e lembrou "o óbvio": "Sou o mesmo de há cinco anos, sou o mesmo de ontem, nos mesmos exatos termos eleito e reeleito para ser Presidente de todos vós, com independência, espírito de compromisso e estabilidade, proximidade, afeto, preferência pelos excluídos, honestidade, convergência no essencial, alternativa entre duas áreas fortes, sustentáveis e credíveis, rejeição de messianismos presidenciais, no exercício de poder ou na antecipada nostalgia do termo desse exercício, no respeito pela diferença e pelo pluralismo, na construção da justiça social, no orgulho de ser Portugal, de ser português."
E isto - prosseguiu - "foi assim e assim será, com qualquer maioria parlamentar, com qualquer Governo, antes e depois das eleições autárquicas, antes e depois das eleições parlamentares, antes e depois das eleições europeias, antes e depois dos 50 anos do 25 de Abril em 2024".
Realçou, por outro lado, que "pela primeira vez em democracia um Presidente da República toma posse em estado de emergência" e que durante a pandemia de covid-19 o parlamento "nunca deixou de funcionar ao serviço dos portugueses", e agradeceu aos deputados "o exemplo de dedicação à democracia, nunca aceitando calá-la, nunca aceitando suspendê-la, nunca aceitando fazê-la refém".
"Que seja essa a primeira lição do dia de hoje: vivemos em democracia, queremos continuar a viver em democracia, e em democracia combater as mais graves pandemias. Preferimos a liberdade à opressão, o diálogo ao monólogo, o pluralismo à censura, e demonstrámo-lo realizando duas eleições em pandemia, de uma das quais [nos Açores] resultou a subida da oposição ao Governo."
Marcelo dedicou o início do seu discurso aos "reformados ou pensionistas pobres" aos "desempregados ou em lay off", aos "trabalhadores e empresários precários" e às crianças, jovens, famílias, professores e não docentes "atropelados em dois anos letivos", bem como aos profissionais de saúde e os que perderam entes queridos nestes tempos de pandemia.
.Segundo o PR, há que "manter e aperfeiçoar as medidas para a sobrevivência imediata do tecido social, do tecido económico e sua mais rápida reconstrução" e "usar os fundos europeus com clareza estratégica, boa gestão, transparência e eficácia, na resiliência social, na qualificação, na transição energética, no digital".
Assim que o Presidente terminou de discursar, o primeiro-ministro saiu para os Passos Perdidos e falou aos jornalistas, comentando o discurso presidencial.
Segundo disse, Marcelo foi reconfortante em termos confiança e de esperança e revelou "uma agenda muito clara" de "cooperação institucional" e de "solidariedade estratégica" com o Governo.
"Creio que depois de o ouvirmos - e ao fim de um ano tão duro como aquele que temos vindo coletivamente a enfrentar de combate à pandemia de covid-19, de resistência à crise económica e social -, saímos com outro ânimo. Saímos reconfortados com o sentido de confiança e de esperança de que é possível vencer esta crise, virar esta página e reconstruir o país", declarou o líder do executivo.
Como é de tradição, antes do PR discursou o anfitrião da cerimónia. Eduardo Ferro Rodrigues, presidente da Assembleia da República - um dos assumidos eleitores socialistas de Marcelo nas eleições presidenciais - recordou as duas grandes catástrofes do primeiro mandato de Marcelo - os incêndios de 2017 e agora pandemia - para dizer que "a estas catástrofes foi, porém, possível evitar somar uma crise política, a qual teria sérias consequências, não só a nível interno, mas também ao nível da imagem externa de Portugal".
Citaçãocitacao"Surgindo por vezes sob a capa de nacional-populismo ou de movimentos inorgânicos, o radicalismo e o extremismo são, inquestionavelmente, perigos para a Democracia, com as dicotomias antissistema, repletas de respostas falaciosas e impraticáveis, sem adesão à realidade e com difícil relação com a verdade e os factos."
E para isso- - enfatizou - foi "crucial" o papel do PR: "O papel moderador que V.Exa desempenhou em ambas as situações - sob grande pressão, sublinhe-se - foi crucial para garantir estabilidade política e assegurar o regular funcionamento das instituições."
Ferro Rodrigues quis também aproveitar a ocasião também para concordar com Marcelo por este ter dito, na noite da sua reeleição, que o resultado "foi a demonstração de repúdio do extremismo por parte dos portugueses".
"Estou certo de que assim é, sendo este um assunto que a todos deve preocupar e que exige ação e resposta determinadas", afirma.
"Surgindo por vezes sob a capa de nacional-populismo ou de movimentos inorgânicos, o radicalismo e o extremismo são, inquestionavelmente, perigos para a Democracia, com as dicotomias antissistema, repletas de respostas falaciosas e impraticáveis, sem adesão à realidade e com difícil relação com a verdade e os factos", acrescenta.
Citaçãocitacao"Não podemos deixar que aquilo que chega a parecer uma tendência suicidária de algumas democracias nos afete. Todos estamos convocados para esta batalha, porque dela depende a nossa sobrevivência enquanto Povo e enquanto Estado soberano"
E este "é um fenómeno que explora, oportunista que é, os receios da população e as dificuldades que os governos democráticos têm manifestado na resposta às suas inquietações - e que perturbações como a pandemia tendem a acentuar".
Sendo também "um fenómeno que se aproveita do atual afastamento de parte da população em relação às instituições, partidos políticos, associações ou sindicatos tradicionais, que sentem muitas vezes já não os representar".
"Não podemos, por isso, afrouxar os cuidados perante sinais deste perigo", apela.
Ou seja, "devemos redobrar os esforços na procura de soluções para os problemas e os anseios da população no sentido de o anular" e "como políticos, e como cidadãos que somos, não podemos deixar que aquilo que chega a parecer uma tendência suicidária de algumas democracias nos afete".
"Todos estamos convocados para esta batalha, porque dela depende a nossa sobrevivência enquanto Povo e enquanto Estado soberano", dramatizou.
A cerimónia ficou marca por um incidente à margem: o ex-Presidente Cavaco Silva foi ao Parlamento mas depois não cumprimentou Marcelo, deixando o palácio logo que terminado o discurso presidencial.
"Teve de regressar a casa", justificou o seu gabinete. A mesma fonte oficial do seu gabinete indicou que Cavaco Silva transmitiu que "teve imensa honra em estar na cerimónia" mas "teve de regressar a casa logo que terminou".
"O professor Cavaco Silva teve de regressar a casa e não pôde ir aos cumprimentos", afirmou, não adiantando qual a razão, mas assegurando que "não há grande história".