Política
03 julho 2022 às 21h33

"Os povos continuam, os almoços podem mudar"

Presidente garantiu manter-se no "programa original" da visita, negou "incidente diplomático" e reafirmou que "o Brasil não está formalmente em campanha". Com o antigo presidente falou "de geopolítica". E ainda falou de Luís Montenegro.

Os povos continuam, os almoços podem mudar". Esta foi um das várias frases a que o Presidente da República recorreu para não comentar diretamente o adiamento por parte do seu homólogo brasileiro, Jair Bolsonaro, do almoço que estava agendado para esta segunda-feira, em Brasília.

A não realização do encontro, já adiantada no sábado, foi confirmada por Marcelo Rebelo de Sousa, após uma reunião na manhã de ontem, de cerca de hora e meia, na residência oficial do cônsul português em São Paulo com Lula da Silva, a razão afinal para o cancelamento pois Bolsonaro não gostou de saber que o presidente português iria encontrar-se com o seu mais que provável adversário nas eleições presidenciais de 2 de outubro.

"Tinha havido um convite escrito, eu respondi por escrito, ao não haver confirmação escrita, vou ficar no programa originário, não há problema nenhum, vou passar mais tempo com os escritores portugueses, o que é bom. No fundo, não é um plano B, é um regresso ao plano A", disse o presidente depois de um encontro com Lula.

"O programa original estava pensado para ser um programa comemorativo dos 100 anos da viagem da travessia do Atlântico e da Bienal, o que não houve foi um aditamento", continuou Marcelo. "Falei com o presidente Lula e irei falar com o presidente [Michel] Temer e com o presidente Fernando Henrique [Cardoso] da mesma forma que falei há um ano, formalmente não há candidatos nem campanha eleitoral até 6 de agosto".

Questionado sobre um eventual conflito diplomático entre os países e o suposto ineditismo da situação, o presidente da República negou. "Não há conflito diplomático porque é um não problema, não estamos em campanha eleitoral, e já houve outras visitas minhas, com o primeiro-ministro, onde não houve encontros com o chefe de estado, incluindo ao Brasil, no tempo de Michel Temer".

"Aliás, a deslocação dentro do Brasil está a ser possível graças à Força Aérea brasileira e ao Estado brasileiro, a começar no Presidente, que está a apoiar a deslocação do presidente de Portugal dentro do território brasileiro", reforçou.

O regresso de Marcelo ao Brasil para as comemorações da independência do país sul-americano no dia 7 de setembro mantém-se, entretanto, em cima da mesa. "Voltarei em setembro, por ocasião dos 200 anos da independência do Brasil mas aí a situação já é diferente porque estaremos em campanha eleitoral".

No sábado, dia 2, o presidente já dissera que ninguém morreria se não houvesse encontro. "A vida é feita de coisas simples, vou ao Rio [de Janeiro] celebrar o centenário da travessia aérea do Atlântico Sul [por Gago Coutinho e Sacadura Cabral], vou à 26.ª Bienal Internacional do Livro em que o país convidado é Portugal. Esta era a minha agenda. Mas não houve hipótese de o presidente do Brasil ir à Bienal", começou por dizer Marcelo, para acrescentar: "Quem convida para almoçar é que sabe em que termos. Se o senhor presidente entende que não pode, não é oportuno, entendo. Ele saberá se quer ou não manter o convite. Em Portugal temos a frase de não nos fazermos convidados em bodas e batizados".

"Os povos é que tem de manter uma relação duradoura, perduram para além de ciclos bons e maus. Não vamos perder um segundo com um almoço quando há a importância da amizade dos povos. Os povos continuam, os almoços podem mudar", afirmara.

Sobre o encontro com Lula - a causa para o cancelamento da reunião entre presidentes no Palácio do Planalto -, os temas Bolsonaro e eleições não estiveram em cima da mesa, garantiu Marcelo.

"Conversamos sobre temas geopolíticos importantes, da pandemia, da guerra, da Europa e muito também da repercussão económica, financeira e social desses problemas na América Latina, logicamente eu falei mais da visão europeia e portuguesa, perguntei-lhe o que ele achava da duração da guerra, foi uma conversa importante, abrangente e, por isso, longa". Celso Amorim, ministro das Relações Exteriores do Brasil nos governos de Lula, esteve também no encontro.

A propósito da visão dos dois países sobre o conflito na Ucrânia, o presidente da República reafirmou a posição portuguesa. "Portugal está solidário com as posições da UE e da NATO, tem dado apoio não só humanitário mas também militar, não é essa a posição do Brasil, que vê o conflito como um conflito meramente europeu mas é bom que se perceba que hoje já não existe essa distinção".

Sim, tenho acompanhado", disse Marcelo Rebelo de Sousa quando confrontado com a realização do Congresso do PSD, neste fim de semana. Numa breve incursão na política portuguesa, depois de se ver envolvido involuntariamente na disputa eleitoral brasileira, saudou "um dado novo" na relação do maior partido da oposição com Belém.

"Depois de eleito, agora em plenitude de funções, é de praxe, uma praxe salutar, receber o líder do PSD, vou ainda receber o líder do CDS, que me pediu audiência mesmo antes de vir para o Brasil, portanto, vai ser uma semana curta", começou por afirmar. "E quando vem um líder novo tem sempre novas ideias programáticas, estratégicas, e isso é interessante ouvir".

"Como tenho tido oportunidade de ir acompanhando daqui o congresso do PSD, cumprimento de novo, o presidente eleito, e registo um dado novo na relação com o presidente, que é no passado recente haver cooperação institucional e agora haver colaboração especial", adiantou Marcelo Rebelo de Sousa.

Questionado sobre o que queria dizer com a expressão, o Presidente da República apressou-se a dizer que "foi ele [Montenegro] que a utilizou". "E na política, em certos momentos específicos, não é indiferente a utilização das palavras", frisou.

"Fico satisfeito por haver maior aproximação ao presidente, não por ser o PSD, mas com qualquer partido, porque qualquer colaboração mais fecunda é melhor do que apenas cooperação institucional", continuou.

Para o presidente da República, "o país precisa de colaboração do presidente com o partido do governo, com os partidos que apoiavam o governo anteriormente e com os partidos de oposição, sobretudo neste período difícil em que vivemos pós-pandemia e durante uma guerra".

Mesmo sem querer comentar o convite de Montenegro aos adversários para integrar a cúpula do partido, Marcelo deu a entender que a decisão pode fortalecer o partido. "O atual líder convidar para a direção os candidatos que disputaram a eleição com ele é uma questão partidária e eu sou muito cuidadoso nas palavras quando se trata de questões partidárias".

"No entanto, há uma coisa que sempre defendi que é uma oposição forte, quanto mais forte for a oposição, mais forte é o governo, e quanto mais forte é o governo, mais forte é a oposição, e o país precisa disso neste momento porque há dossiês - o aeroporto, a descentralização, por exemplo - em que é necessária a colaboração de todos, uma convergência positiva nesses assuntos".

dnot@dn.pt