Política
17 outubro 2021 às 22h30

Grandes (e pequenas) promessas para um mandato sob a sombra da esquerda

Os 17 vereadores da Câmara de Lisboa tomam hoje posse na Praça do Município. Carlos Moedas tem pela frente um mandato em que está obrigado a negociar praticamente todas as medidas. Pasta da cultura fica com o CDS.

Carlos Moedas toma posse esta segunda-feira como 78.º presidente da Câmara Municipal de Lisboa. Após década e meia afastado da liderança, o PSD volta a assumir o comando da maior câmara do país, um colosso autárquico que gere anualmente um orçamento superior a mil milhões de euros. Vencedor surpresa das eleições de 26 de setembro, contra todas as sondagens e expectativas, o social-democrata tem pela frente um mandato em que está obrigado a negociar praticamente todas as medidas, com uma maioria de esquerda no executivo e na Assembleia Municipal.

Com a tomada de posse marcada para hoje ao final da tarde, a primeira reunião do novo executivo decorrerá, por imposição legal, até cinco dias depois. Um dos primeiros pontos na agenda do executivo será a delegação de competências no presidente da câmara, ou seja, as matérias em que Moedas terá poder de decisão próprio (depois delegável nos vereadores), sem necessidade de aprovação pelo conjunto da vereação. Em muitos casos trata-se de questões meramente administrativas, mas Fernando Medina (que, por acordo com o BE, tinha maioria) tinha uma extensa delegação de poderes que poderá não se repetir com Moedas. Recorde-se que a coligação Novos Tempos elegeu sete vereadores, os mesmos que o PS, enquanto a CDU elegeu dois e o Bloco de Esquerda um.

Não é ainda conhecida a distribuição de pelouros, que não estará completamente fechada. Certo é que a vice-presidência ficará com Filipe Anacoreta Correia, do CDS, número dois nas listas da coligação. A independente Joana Almeida será a vereadora do urbanismo e é provável que Filipa Roseta fique com o pelouro da habitação. Ao que o DN apurou, a cultura e, provavelmente, a educação, ficarão com vereadores do CDS.

A elaboração do orçamento para o próximo ano será já uma das primeiras tarefas da nova vereação e um sinal das prioridades do novo presidente da Câmara. Nomeadamente quanto à continuidade ou não de políticas estruturantes do anterior executivo, caso da habitação, um setor que ganhou enorme peso nas políticas municipais nos últimos anos, muito por força da escassez de oferta e dos preços proibitivos das casas na capital. Moedas já disse que quer "acelerar" os programas de arrendamento acessível já em curso: no programa eleitoral promete "mais oferta para jovens" e "mais flexibilidade" na vertente orientada para as famílias. Mas está por esclarecer a forma como pretende cumprir esse objetivo: durante a vereação socialista, o Programa de Arrendamento Acessível avançou sobretudo na vertente estritamente pública, enquanto nas parcerias-público privadas nenhuma casa foi entregue.

Mais até do que a habitação, e a julgar pelo que se viu na campanha eleitoral, a mobilidade é um setor que promete polémica. Moedas promete dar 20 minutos de estacionamento gratuito e 50% de desconto nas tarifas de estacionamento a todos os residentes em Lisboa, uma medida que tem sido apontada como um incentivo ao uso do carro. No que se refere aos transportes públicos, o autarca social-democrata quer transformar a Linha Circular numa linha "em laço" para "manter as ligações diretas (sem transbordo) de Odivelas, norte de Lisboa e Telheiras ao centro da cidade", além de prever a extensão da linha vermelha até Alcântara, com "posterior prolongamento pela meia-encosta a Miraflores e Algés, onde se fará o interface com a Linha de Cascais". Uma declaração de intenções, mais que uma promessa, dado que a gestão do metropolitano cabe ao Governo. "Mais e melhores parques dissuasores na periferia da cidade" é outra das promessas de Moedas.

E há as ciclovias, que prometem fazer correr muita tinta. O novo presidente da autarquia já disse que vai pedir um estudo ao LNEC (Laboratório Nacional de Engenharia Civil) sobre as ciclovias de Lisboa, mas a da Almirante Reis já tem fim anunciado. Não será pacífico: este fim de semana 43 associações e entidades subscreveram uma carta aberta, divulgada no Público, pedindo uma "reflexão" sobre a mobilidade na Almirante Reis, e que esta seja alvo de um "processo participativo" que permita aos lisboetas pronunciarem-se. Uma maior participação cívica que é também uma das promessas eleitorais de Carlos Moedas.

As grandes linhas do programa eleitoral de Moedas são sobejamente conhecidas, mas o conjunto de propostas do novo líder da autarquia é extenso e com medidas setoriais mais particularizadas, mas que prometem ter impacto no dia-a-dia dos lisboetas.

Por exemplo, as esplanadas vieram para ficar - e, provavelmente, aumentar - nas ruas de Lisboa. Moedas quer tornar definitiva a regulamentação provisória que veio facilitar a instalação de esplanadas no espaço público, durante a pandemia. Promete também apoiar "financeiramente a instalação de novas esplanadas e a melhoria das existentes" e isentar os quiosques e esplanadas do pagamento de taxas durante o período de dois anos, prolongando assim a isenção que está em vigor até ao final deste ano.

Ainda na área do comércio está prometida a construção de novos mercados municipais em Belém e Campolide, bem como o "relançamento" dos mercados do Rato, São Domingos de Benfica, Olivais, Bairro Padre Cruz e Bairro das Galinheiras. Moedas quer ainda definir "um plano para a criação de centros comerciais a céu aberto".

No capítulo ambiental e de combate às alterações climáticas, Moedas enuncia sobretudo princípios gerais. Com algumas exceções: fica prometido que todos os candeeiros na cidade serão equipados com lâmpadas LED. E que haverá um sistema de incentivos para a "instalação de painéis fotovoltaicos para autoconsumo e produção de eletricidade nos prédios não classificados". O programa aponta também para a valorização da hotelaria e restauração que cumpra critérios de sustentabilidade, através da atribuição de um prémio de "Estabelecimento Verde".

Num plano mais geral, Moedas defende para esta área "compromissos comuns, que terão de ser muito mais que medidas pontuais ou anúncios vagos da Câmara". Nesse sentido, quer criar a "Plataforma Lisboa Sustentável", um fórum de mobilização da capital para as questões da sustentabilidade.

O programa eleitoral da coligação Novos Tempos é omisso numa das questões que muito provavelmente se levantará neste mandato, se não por iniciativa do próprio Moedas, pela mão da esquerda: a poluição causada pelos navios de cruzeiro que atracam no terminal de Santa Apolónia. Um problema que tem sido um cavalo-de-batalha dos ambientalistas: de acordo com a Federação Europeia de Transportes e Ambiente, em 2017 o porto marítimo de Lisboa foi o mais concorrido a nível europeu, visitado por 115 cruzeiros que permaneceram atracados durante quase oito mil horas, o que transformou Lisboa na sexta cidade portuária da Europa com mais emissões poluentes. O problema é que os navios de cruzeiro, verdadeiras cidades sobre água, com enormes necessidades de energia, mesmo parados mantém em funcionamento geradores próprios que consomem combustíveis poluentes.

Quanto à limpeza e higiene urbana na cidade, que tantas críticas mereceu durante a campanha eleitoral, o autarca promete "implementar gradualmente o sistema PAYT -"Pay As You Throw" no sistema de recolha porta-a-porta de resíduos urbanos, de modo a potenciar a separação seletiva".

A habitação foi um dos pontos mais focados do programa eleitoral do novo líder da autarquia lisboeta e um dos que mereceu mais críticas aos partidos da esquerda. Mas uma proposta que não mereceu tanta notoriedade foi a de entregar a "propriedade das casas" nos bairros municipais a "todos os residentes com rendas em dia e mais de 15 anos de residência, escolhidos sob critérios sociais e económicos predefinidos". Em que condições não é especificado.

Moedas quer mudar o projeto da nova Feira Popular para prever "um novo Parque Urbano, com equipamentos de lazer e desporto, incluindo uma nova piscina exterior natural em Carnide, de grande dimensão". No mesmo capítulo, o autarca quer promover a ligação da cidade ao Tejo, transformado "numa hidrovia metropolitana de largo espetro", com "uma rede de transportes fluviais, coletivos e individuais, incluindo táxis fluviais, ao longo de toda a frente ribeirinha, desde Algés até ao Parque das Nações".

Um orçamento que passa os mil milhões

O orçamento da Câmara Municipal de Lisboa para o presente ano é de 1150 milhões de euros. É, de muito longe, o maior orçamento autárquico do país (a título de comparação, o segundo maior, do Porto, é de 328,5 milhões de euros). Ainda assim, o montante de 2021 representa uma quebra de 11% relativamente ao ano anterior, quando o orçamento atingiu os 1290 milhões de euros.

Câmara com quase 10 mil funcionários

Segundo dados do município, a Câmara de Lisboa tem 9428 funcionários, um número que não engloba as cinco empresas municipais: a EMEL (gestão do estacionamento), a Carris, a Gebalis (que gere a habitação social), a Lisboa Ocidental SRU (responsável pelas obras públicas na cidade) e a EGEAC (dinamização cultural e gestão dos espaços culturais).

População residente em queda

De acordo com os números já avançados do Censos 2021, Lisboa tem atualmente 544.851 habitantes, uma perda de 1,4% relativamente ao Censos de 2011 e que tem sido atribuída, em parte, à dificuldade de encontrar habitação a preços comportáveis na capital. Em sentido contrário, a Área Metropolitana de Lisboa tem vindo a ganhar residentes, que passaram de 2.821.876 há 10 anos para 2.871.133 em 2021.

Mais 378 mil pessoas por dia

Diariamente entram em Lisboa mais de 425 mil pessoas para trabalhar ou estudar. Segundo os últimos dados disponíveis, saem diariamente cerca de 47 mil pessoas, um saldo de 378 mil pessoas.

Câmara é a maior proprietária da cidade

O município é o maior proprietário imobiliário da cidade. De acordo com números da Gebalis, Lisboa tem 66 bairros de habitação pública municipal, num total de "cerca de 23 mil fogos, localizados nas 24 freguesias da cidade e com uma população residente estimada em cerca de 64 mil pessoas". "São mais de 3200 prédios, 1200 elevadores, mais de mil espaços não habitacionais (instituições, microempresas e comércio local) e mais de 91 mil metros quadrados de estacionamentos", de acordo com os dados da empresa.

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