Política
22 março 2023 às 22h38

Governo promete usar almofada orçamental para subir salários e descer IVA

À espera de um bom resultado na execução orçamental de 2022, Costa foi ao Parlamento prometer novos apoios. Com Marcelo como aliado, oposição atira-se ao plano do Governo para a habitação.

Aumentos na função pública, apoios às famílias mais carenciadas, baixa do IVA dos bens alimentares. Foi com este trio de promessas, ainda de contornos indefinidos, que António Costa voltou esta quarta-feira aos debates no Parlamento. A poucos dias de serem conhecidos os números da execução orçamental de 2022, o primeiro-ministro remeteu para esse momento (já esta sexta-feira) a definição em concreto das medidas, nomeadamente quanto aos novos apoios às famílias. Já no que se refere ao preço dos bens alimentares, o primeiro-ministro disse que o Executivo está em negociações com produtores e distribuidores no sentido de reduzir e estabilizar os preços dos alimentos, admitindo para isso baixar o IVA - uma medida que António Costa tinha recusado até agora - mas apenas com a garantia de que a descida do imposto se repercutirá nos preços. Sobre o aumento dos funcionários públicos (ver texto na página ao lado), os sindicatos serão chamados à mesa de negociações na próxima semana, mas Costa não esclarece para já o nível de aumento salarial que vai propor ou se os aumentos terão retroativos a janeiro.

Foi a resposta do primeiro-ministro às acusações da oposição de que se prepara para fazer um "brilharete orçamental" com o défice, deixando os portugueses a braços com o aumento do custo de vida, e quando o Estado é diretamente beneficiado pelo aumento da inflação. "Os portugueses estão a empobrecer" enquanto o Estado "está a engordar com receita fiscal", afirmou Joaquim Miranda Sarmento, líder parlamentar do PSD, lembrando que a "inflação de bens alimentares foi de 21%, quase o triplo do que foi a inflação geral" - um problema que o Governo "desvalorizou". O deputado social-democrata deixou um desafio a Costa: "Primeiro, faça como o governo francês, que chegou a um acordo com a distribuição para a regulação de preços neste setor, depois dê apoios financeiros aos trabalhadores mais vulneráveis. Por fim, reduza o IRS nos quarto, quinto e sexto escalões para que a classe média viva menos asfixiada."

Costa recusou a baixa do IRS, alegando o efeito diferido no tempo, e também foi recusando as acusações à esquerda de que o Governo quer mostrar um brilharete no défice a Bruxelas. "A grande notícia na sexta-feira não vai ser o número do défice, vão ser os apoios que vamos ter liberdade para decidir", argumentou o primeiro-ministro. E se a líder do BE, Catarina Martins, sustentou que o país já não aguenta "mais anúncios de migalhas", Costa contrapôs - "Quando podemos apoiar as famílias mais carenciadas e intervir nos preços é porque fizemos uma boa gestão orçamental", considerou, defendendo que isto representa "liberdade para a ação política". Costa repetiu ainda que o compromisso do Governo é que "toda a receita extraordinária que decorreu da inflação" seja "redistribuída aos portugueses".

Omnipresente no debate foi o tema da habitação, com praticamente todas as bancadas da oposição a carregarem nas críticas - embora de sentido contrário. O que até permitiu a Costa afirmar-se "perplexo" com as críticas do PCP, dado que à direita o programa "Mais Habitação" é apontado como "comunista". Andou lá perto. Rui Rocha, líder da Iniciativa Liberal , chamou-lhe "neogonçalvismo selvagem", depois de ter considerado que "milhões de portugueses já chegaram à conclusão de que assim não dá" - "Até o Presidente da República já concluiu que assim não dá". Antes, André Ventura, pelo Chega, já tinha questionado se a ministra da Habitação se mantém depois das críticas de Belém ao programa - "Eu escondia-me numa toca". Miranda Sarmento também já tinha lembrado os reparos de Marcelo Rebelo de Sousa ao plano.

No que se refere à habitação o debate decorreu, aliás, sob a sombra do Presidente da República, que nos últimos dias carregou no tom crítico às medidas anunciadas pelo Governo - "leis cartaz", expressão usada por Marcelo, foi esta quarta-feira repetida inúmeras vezes. E se as críticas foram, em primeiro lugar, para o arrendamento coercivo de casas devolutas, o primeiro-ministro insistiu que a possibilidade de arrendamento forçado já está prevista na lei desde 2014, através de um diploma assinado "não por três marxistas ignorantes, mas por três pessoas sábias e não marxistas: Assunção Esteves, à data presidente da Assembleia da República, Aníbal Cavaco Silva, sábio dos sábios, e pelo não menos sábio Pedro Passos Coelho, que também não é marxista". Uma clara resposta ao antigo presidente da República Cavaco Silva, que no último fim de semana teceu duras críticas ao programa de habitação do Governo, falando então em marxistas ignorantes. E António Costa haveria de aproveitar ainda outra questão para deixar outro recado, desta vez com Marcelo Rebelo de Sousa como destinatário: "A razão pela qual prefiro funções executivas a outras funções políticas é que nas outras funções fala-se, fala-se, fala-se mas no Executivo ou se faz ou não se faz. E a medida do que se faz está nos resultados".

Ainda no capítulo da habitação, e em resposta ao BE , António Costa admitiu que os 26 mil fogos a entregar em 2024 a famílias que vivem em situação de carência habitacional não estarão prontos a tempo. Mas garante que o objetivo se mantém - "Se não for às zero horas do dia 25 de Abril de 2024, que seja uns meses depois, mas é uma meta de que não desistimos."

Já sobre as perdas do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social face ao colapso do Credit Suisse, o primeiro-ministro não especificou valores, mas lembrou que o Fundo "tem regras muito estritas e não pode aplicar mais que 20% em ações", acrescentando que "em 2023 teve uma valorização na carteira de ações de 120 milhões de euros". "Este [do Credit Suisse] não deu lucro, pelo contrário. Mas a rendibilidade "obtida desde 2018 totaliza 81 milhões de euros no mercado suíço", disse o primeiro-ministro.

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