Amnistias pela visita do Papa? Oposição faz reparos mas vê com bons olhos alívio do sistema

Ao longo da história, conceder amnistias em visitas papais a Portugal já aconteceu por três vezes. Apesar da decisão ter sido tomada pelo governo, nenhum dos partidos ouvidos pelo DN é verdadeiramente contra, deixando no entanto algumas sugestões para combater as carências do setor.
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A decisão surgiu na segunda-feira: devido à vinda do Papa, de 2 a 6 de agosto, a Portugal por ocasião da Jornada Mundial da Juventude (JMJ) o governo aprovou uma proposta de lei que estabelece o perdão de penas e a amnistia de infrações praticadas por pessoas entre os 16 e os 30 anos.

A medida não é inédita. Na verdade, noutras visitas papais aconteceu algo semelhante. Nas seis ocasiões anteriores (Paulo VI, em 1967; João Paulo II, em 1982, 1991 e 2000; Bento XVI em 2010; Francisco em 2017), houve três casos de amnistias: em 1967; em 1982 e em 1991. No caso da amnistia agora anunciada, haverá um perdão de um ano para penas até aos oito anos. É também estabelecida uma amnistia para "coordenações cujo limite máximo de coima não exceda os mil euros e "as infrações penais cuja pena não seja superior a um ano de prisão ou a 120 dias de pena de multa."

Para o líder parlamentar do Bloco de Esquerda (BE), a justificação dada para esta proposta de lei "não choca". Mas, diz Pedro Filipe Soares, os 50 anos do 25 de Abril (celebrados no próximo ano) poderiam servir, também, "como chapéu para a apresentação desta medida. Não há aqui uma inevitabilidade ou um único caminho para chegar ao mesmo fim", que, diz o líder da bancada bloquista, "é visto com bons olhos". "Pode levar a uma reinserção melhor na sociedade", mas, assume, "há sempre um conjunto de dúvidas e medos associados a estas medidas". Opinião semelhante tem o Livre. Ao DN, fonte do gabinete parlamentar refere que "não se opõe à medida". "Antes considera que faltam os mecanismos de reinserção, acompanhamento e reabilitação adequados", defende.

Pelo PS, o deputado Pedro Delgado Alves recorda os antecedentes desta medida. "Não é a primeira vez que há medidas de clemência associadas a momentos simbólicos. E é neste sentido que esta se enquadra", considera o socialista. Ouvido pelo DN, Pedro Delgado Alves faz ainda a distinção entre esta medida e a tomada na pandemia da covid-19, que permitiu a libertação de alguns reclusos. "A preocupação, aí, era outra. Era uma questão de segurança, aqui é bastante mais simbólica". Pedro Filipe Soares recorre ao mesmo exemplo para referir que estas medidas não significam, necessariamente, um aumento da criminalidade: "Nesse contexto, havia outro alcance. Mas podemos retirar boas ilações, a taxa de reincidência foi baixíssima e os diversos temores, alertas e alarmes que alguns pretenderam criar não se materializaram. É o que esperamos que aconteça agora."

Já Paula Santos, do PCP, frisa que o partido "não se opõe". Na verdade, a líder da bancada comunista vai até mais longe: "Consideramos que não deve suscitar nenhum sentimento de insegurança na sociedade e que deve ser objeto de um amplo consenso". Isto porque, conclui, a dimensão da JMJ, "vai além do caráter religioso".

No entanto, uma vez que a medida é uma proposta de lei aprovada em Conselho de Ministros, terá de passar, obrigatoriamente, pelo Parlamento. Uma vez aprovado (como se espera que aconteça, uma vez que o PS tem maioria absoluta), o diploma seguirá então para Belém, onde o Presidente da República dará o seu parecer, promulgando ou vetando o diploma. Uma vez promulgada, a lei entrará então em vigor. Além da proposta do governo, a medida já tinha sido defendida pelo advogado António Neto, numa petição, e também por Manuel Almeida Santos, presidente da instituição religiosa Obra Vicentina de Auxílio ao Recluso, em declarações à Renascença.

Até agora, pouco mais se sabe além daquilo que o governo divulgou no comunicado: o conteúdo da proposta ainda não é conhecido, nem chegou aos deputados. Por isso, contactado pelo DN, o PSD, pela voz de Paula Cardoso, não se alongou nos comentários: "Não conhecemos, ainda, o diploma em concreto. No entanto, sem nos querermos precipitar, achamos que esta é uma coisa normal. Não vemos nada de extraordinariamente diferente do que aconteceu noutras ocasiões semelhantes."

O DN contactou ainda o Chega e o PAN, que não responderam em tempo útil. A Iniciativa Liberal referiu não ter nada a dizer para já.

Apesar dos antecedentes de medidas semelhantes, Pedro Filipe Soares olha para a decisão de conceder amnistias como uma eventual forma de "aliviar o sistema", uma vez que há carências "quer ao nível dos guardas prisionais, como dos técnicos de reinserção social", lembrando, até, a promessa da ministra em contratar mais pessoal para ambas as carreiras.

O Livre, por sua vez, fala num problema "real e indisfarçável", e espera que o governo "se aperceba da necessidade urgente" de implementar um projeto de resolução apresentado pelo partido para valorizar as carreiras dos técnicos de reinserção social.

Perante as críticas, Pedro Delgado Alves, do PS, relembra que, ao contrário do que sucedeu na pandemia - em que houve "uma preocupação em saber que capacidade tinha o sistema [prisional] em responder à sobrelotação" - e que, desta feita, a intenção do governo é diferente: associar as amnistias a um evento, que tem um "momento de clemência".

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