Alexandra Leitão. A consciência crítica da maioria socialista

Diz que "claramente" integra a ala esquerda do PS e assume-se "pedronunista". Mas será uma carta fora do baralho quando um dia se discutir a sucessão de Costa? "De há uns meses para cá falam-me nisso."

E já vão três. Cada vez que a deputada do PS Alexandra Leitão assinala comportamentos politicamente difíceis de sustentar em governantes do seu partido, esses governantes deixam de o ser. Já aconteceu com três secretários de Estado: Miguel Alves (adjunto do primeiro-ministro), João Neves (Economia) e Rita Marques (Turismo).

No essencial, o que disse relevou apenas de mero bom senso político. Só que, dentro do PS, ninguém o fazia - daí a raridade da sua voz. Revelando independência de espírito, Alexandra Leitão tem sido o grilo falante do PS, uma espécie de consciência crítica que, dando a cara, assinala os comportamentos derrapantes.

No caso de Miguel Alves, limitou-se a constatar que, ficando no Governo, apesar de estar sob suspeita de envolvimento em crimes financeiros enquanto autarca, criaria "vulnerabilidades". Quando várias pessoas no PS sussurravam, off the record , o embaraço que a situação estava a provocar, a deputada verbalizou-o, sem papas na língua - e Miguel Alves lá acabou por se demitir.

Essa foi uma das situações. A outra não teve contornos judiciais, foi apenas e exclusivamente política. Aí Alexandra Leitão não se limitou a verbalizar em voz alta o que muita gente no PS pensava. Antes expôs uma situação no Governo para a qual muitos não estavam alerta: a rutura entre o ministro da Economia e dois dos seus secretários de Estado. "Dois dos três secretários de Estado do ministério da Economia terem vindo a público dizer o oposto do que disse o ministro [sobre uma descida "transversal" do IRC], isto a mim faz-me muita confusão." Esta semana, ambos deixaram o Governo.

O principal palco da deputada tem sido "O princípio da incerteza", o programa da CNN, onde, com a moderação do jornalista Carlos Andrade, José Pacheco Pereira e António Lobo Xavier discutem semanalmente a atualidade política. Entrou quando Ana Catarina Mendes saiu, para assumir as funções de ministra-adjunta e dos Assuntos Parlamentares. Embora não se lembrando de quem exatamente a sugeriu, Carlos Andrade assegura que foi um nome que "surgiu logo à cabeça". Foi portanto "uma primeiríssima escolha": "Falando em nome de todos, estamos muito satisfeitos com a Alexandra Leitão."

"Assertividade". Esta tem sido, no essencial, uma das marcas nas intervenções públicas da deputada. E isso mesmo apesar de admitir que "para as mulheres em especial, pode ser um problema". A outra marca tem sido, porventura, uma certa ingenuidade. É o que resulta quando confessa que "não estava a contar" com toda a visibilidade que ganhou com as suas declarações sobre Miguel Alves.

Os portugueses começaram a conhecê-la quando, sendo secretária de Estado Adjunta e da Educação, de 2015 a 2019, protagonizou a guerra do Governo contra as escolas privadas por causa dos contratos de associação. Depois, no segundo Governo de Costa, subiu a ministra da Modernização do Estado e da Administração Pública (2019-2022), cargo onde não escondeu a insatisfação que sentiu por causa, por exemplo, de aumentos salariais dos funcionários do Estado abaixo do que defendia. "A Administração Pública deixou as Finanças mas as Finanças não deixaram a Administração Pública", desabafou.

Este choque terá sido, porventura, o que levou António Costa a não a reconduzir para o atual Governo. Alexandra não gostou e verbalizou-o claramente. Depois o chefe do PS convidou-a para liderar o grupo parlamentar e Alexandra Leitão fez o que para muitos seria impensável: recusou. E fê-lo pela razão mais simples do mundo: nunca tinha sido deputada na vida.

Agora sente-se "muito bem" na comissão de Assuntos Constitucionais e a presidir à comissão de Transparência e Estatuto dos Deputados. Prepara-se para integrar os trabalhos da revisão constitucional e, entretanto, voltou à sua profissão de sempre: ensinar na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Nada e criada há 49 anos num dos melhores bairros de Lisboa, Alvalade, escolheu Direito com a mira numa possível carreira diplomática. Rapidamente percebeu que o que queria era ficar no Direito e dar aulas.

Dentro do PS, onde se inscreveu com 18 anos, assume-se "claramente da ala esquerda" e apoiante de Pedro Nuno Santos se este quiser, um dia, ser líder do partido. Mas será ela própria, agora, com o novo protagonismo assumido, uma carta fora nesse baralho da sucessão de Costa? "Não penso nisso." Não? "Não. Mas de há uns meses para cá falam-me nisso, de vez em quando."

joao.p.henriques@dn.pt

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