Agenda do Trabalho Digno aprovada só com votos favoráveis do PS

O debate teve início no final de novembro, culminando com a votação em plenário desta sexta-feira. As novas regras laborais têm início previsto para o início deste ano.

As alterações laborais da Agenda do Trabalho Digno foram aprovadas nesta sexta-feira em votação final global com os votos favoráveis apenas do PS, a abstenção do PSD, Chega, PAN e Livre e votos contra do BE, PCP e IL.

A votação decorreu em plenário, depois de os partidos terem avocado normas sobre as quais quiseram forçar a discussão e votação.

No final das votações, o deputado do PSD Nuno Carvalho acusou o Governo de "ignorar o diálogo na Concertação Social e no parlamento".

"Esta lei arrisca-se a ser sepultada, não se pode mudar de forma administrativa, não se enganam os portugueses nem os empresários", disse Nuno Carvalho.

Pelo PCP, Alfredo Maia criticou o resultado final do processo parlamentar sobre a Agenda do Trabalho Digno, considerando-a "uma oportunidade perdida" para restituir os direitos "dos mais fracos" na legislação laboral.

Ainda durante a discussão das normas avocadas, o deputado do BE José Soeiro referiu que na segunda-feira as confederações patronais "rumarão a Belém para apresentar ao Presidente da República a sua indignação" pelas medidas laborais.

"O que os move contra uma reforma que afinal deixa intocáveis os desequilíbrios fundamentais das relações de trabalho?", questionou Soeiro, acrescentando que a causa do "incómodo" tem a ver com normas avocadas pelo BE, como o pagamento das despesas em teletrabalho, a limitação do 'outsourcing' ou o reconhecimento do vínculo laboral dos trabalhadores das plataformas digitais.

Rui Rocha, da IL, considerou que, com as alterações, o que se pretende é tornar as normas laborais mais rígidas, em prejuízo das empresas e dos trabalhadores.

"Há nesta agenda alguns avanços em face de uma realidade tecnológica que está a piorar a vida dos trabalhadores", disse por sua vez Rui Tavares, do Livre.

Do Chega, André Ventura considerou que este processo "foi a maior cortina de fumo que o PS conseguiu lançar porque não conseguia recuperar o tempo de serviço" dos professores ou dos polícias e apelou para que o Presidente da República envie a legislação para o Tribunal Constitucional antes de a promulgar, considerando que o documento tem "graves defeitos de inconstitucionalidade".

Por parte dos socialistas, Fernando José sublinhou a "ampla e profunda discussão em sede de especialidade" e que o PS "não se fechou em si, discutindo, negociando e procurando consensos".

A proposta do Governo que altera a legislação laboral, no âmbito da Agenda do Trabalho Digno, entrou no parlamento em junho, sem o acordo da Concertação Social, tendo sido aprovada na generalidade a 8 de julho com votos favoráveis do PS, abstenção do PSD, Chega, BE, PAN e Livre e contra da IL e PCP.

O início da discussão na especialidade arrancou em 29 de novembro de 2022 e terminou no início de fevereiro deste ano, tendo a proposta do Governo sofrido alterações, com a inclusão de algumas iniciativas dos partidos, estando a entrada em vigor das novas regras laborais prevista para o início deste ano.

Entre as alterações previstas na Agenda estão o alargamento do teletrabalho a pais com filhos com deficiência, doença crónica ou com doença oncológica, independentemente da idade, bem como a fixação de um valor, no contrato, para despesas adicionais com este regime, ficando por definir um limite de isenção de imposto para estas despesas.

Prevê ainda a possibilidade de os pedidos de baixas por doença de até três dias serem feitos através do serviço digital do Serviço Nacional de Saúde (SNS24), com limite de duas por ano, e também que a licença parental obrigatória do pai passe dos atuais 20 dias úteis para 28 dias seguidos ou interpolados.

A nova legislação define ainda que o valor das compensações por despedimento coletivo e por extinção de posto de trabalho vai passar dos atuais 12 dias de retribuição base e diuturnidades por ano para 14 dias por ano, a partir da entrada em vigor da lei (sem retroatividade) e as indemnizações por cessação dos contratos a termo dos atuais 18 dias para 24 dias.

Quanto às plataformas digitais, a proposta prevê a presunção de laboralidade entre o trabalhador e a plataforma, que à partida será feita diretamente com as empresas, como a Uber, a Bolt ou a Glovo, e não com intermediários, mas deixa a decisão final sobre a vinculação aos tribunais.

PS acusa PCP e BE de falharem com os trabalhadores

O PS destacou esta sexta-feira o "amplo consenso" político alcançado na aprovação da Agenda para o Trabalho Digno e acusou o PCP e Bloco de Esquerda de terem falhado com os trabalhadores ao votarem contra esta reforma laboral.

Esta posição foi transmitida em conferência de imprensa pelo líder parlamentar socialista, Eurico Brilhante Dias, depois de o parlamento ter aprovado em votação final global as alterações laborais da Agenda do Trabalho Digno - diploma que teve o apoio do PS, abstenção do PSD, Chega, PAN e Livre e que foi reprovado pelo Bloco, PCP e Iniciativa Liberal.

Tendo ao seu lado os deputados do PS Fernando José, Tiago Barbosa Ribeiro e Sérgio Monte (da UGT), Eurico Brilhante Dias salientou que apenas votaram contra esta reforma na área laboral, "que reforça os direitos dos trabalhadores", uma reduzida minoria dos 230 deputados.

"A esquerda à esquerda do PS, infelizmente, voltou a falhar aos trabalhadores, como em outras ocasiões. Esta é uma agenda de progresso dos direitos laborais. Sublinhamos que, ao fim de meses de trabalho, no conjunto das alterações apresentadas, o PS só votou de forma isolada pouco mais de uma dezena de vezes", assinalou.

De acordo com os dados apresentados por Eurico Brilhante Dias, "mais de seis dezenas de alterações foram votadas por unanimidade".

"Quer o Bloco de Esquerda, quer o PSD, votaram ao lado do PS mais de uma centena de vezes. Estamos perante um processo construído, trabalhado, muitas vezes com animada participação, mas que teve em diferentes componentes maiorias que foram muito para além da maioria do PS", reforçou.

Em relação ao posicionamento do PCP e do Bloco de Esquerda, Eurico Brilhante Dias considerou incompreensível o voto contra desses partidos, sobretudo face aos progressos que entende terem sido registados ao nível da contratação coletiva.

Neste ponto, o presidente do Grupo Parlamentar do PS afirmou que "foi dado um passo em frente para dinamizar contratação coletiva e para limitar a sua caducidade, através da introdução de elementos de natureza arbitral".

"Protege-se a negociação coletiva e não se deixa caducar a contratação coletiva sem que haja previamente um processo arbitral. Estranhamos que, num momento destes, em que se dá este passo para abrir o processo negocial, protegendo naturalmente as organizações de trabalhadores, a esquerda à esquerda do PS tenha falhado este momento histórico de apoio aos representantes dos trabalhadores", declarou.

Ainda sobre as bancadas do Bloco de Esquerda e do PCP, Eurico Brilhante Dias referiu que, quem acompanhou os trabalhos de especialidade da Agenda para o Trabalho Digno, verificará que "foi completamente injustificado" o chumbo por parte destes partidos.

"Lamento que os trabalhadores portugueses não tenham contado também com um apoio significativo à esquerda numa agenda que melhora as condições dos trabalhadores. A verdade é que o povo de esquerda em geral sabe que, quando tem de ter a certeza que a agenda progressista avança, só pode confiar no PS", sustentou.

Na conferência de imprensa, o presidente do Grupo Parlamentar do PS recusou comentar a abstenção do Chega na votação final da "Agenda do Trabalho Digno", argumentando que a bancada socialista "não conta usualmente com os votos da extrema-direita".

Já em relação ao PSD, Eurico Brilhante Dias referiu que o voto mais condizente com o que se passou ao longo dos trabalhos de especialidade seria o favorável e não a abstenção.

"O PSD, apesar de ter muitas vezes ter introduzido algum ruído na discussão, a verdade é que, a partir de qualquer análise do processo de votação, em particular em matéria de alterações, conclui que a bancada social-democrata votou mais de uma centena de vezes - diria, tranquilamente - ao lado do PS. Acho que depois de ter votado tantas vezes connosco, talvez pudesse ter votado a favor", acrescentou.

BE considera que persistem bloqueios em "matérias fundamentais" na legislação laboral

O BE justificou esta sexta-feira o voto contra a Agenda para o Trabalho Digno por considerar que não foram "ultrapassados bloqueios" em "matérias fundamentais", lamentando que o PS tenha preferido "juntar-se à direita" do que à esquerda.

Pouco depois de ter votado contra as alterações laborais da Agenda do Trabalho Digno - aprovada na votação final global com os votos favoráveis do PS -, o líder parlamentar do BE salientou que o seu partido não desvaloriza "alguns avanços" que conseguiu impor durante a discussão na especialidade e que são "positivos na vida dos trabalhadores".

"Temas como o trabalho temporário, 'outsourcing', contratos a prazo, plataformas digitais ou teletrabalho, foram temas que foram abordados e nos quais, apesar das inúmeras contradições e até ditos e desditos do PS ao longo do caminho, nós conseguimos ter avanços que queríamos assinalar", disse Pedro Filipe Soares, em declarações aos jornalistas na Assembleia da República.

Apesar disso, o líder parlamentar do BE defendeu que esses avanços "não ultrapassam alguns dos bloqueios que estão inerentes" na Agenda para o Trabalho Digno, e que "o PS não quis rever em todo este processo de especialidade".

Pedro Filipe Soares considerou que não houve avanços em temas como "as 35 horas também no privado, o trabalho por turnos, a revalorização do trabalho extraordinário, indemnizações por despedimento, o fim da caducidade dos trabalhos coletivos" ou a "reposição do princípio de tratamento mais favorável ao trabalhador".

"São tudo matérias que criam, por não estarem devidamente resolvidas na legislação laboral, desequilíbrios contra os trabalhadores em função da entidade patronal e, nessas matérias, nesses bloqueios, o PS não quis mexer, e foi isso que justificou o nosso contra", explicou.

Questionado sobre o facto de o líder parlamentar do PS, Eurico Brilhante Dias, ter considerado que o BE esteve do lado errado da história ao não ter aprovado a Agenda para o Trabalho Digno, Pedro Filipe Soares que, "se alguém está em choque com as suas posições históricas", são os socialistas.

"Nas matérias que referi, em todas elas, PS e PSD votaram juntos para impedir avanços nos direitos dos trabalhadores. Matérias fundamentais, que até o próprio PS no passado já defendeu, por exemplo, o número de dias de férias, o valor da indemnização compensatória por despedimento, até, em alguns momentos, a reposição do princípio de tratamento mais favorável", acusou.

Pedro Filipe Soares lamentou ainda que, tendo o PS a possibilidade, "com uma maioria absoluta", de rever "profundamente a lei do trabalho", não quis "avançar em matérias fundamentais, algumas delas colocadas pelo PSD, CDS, pela direita, pela 'troika'" e contra as quais os socialistas se tinham oposto".

"Por isso, se alguém falhou num momento histórico, fundamental, é este voto do PS, ao colocar-se ao lado do PSD para impor que estes direitos não eram reconhecidos e para que estes ataques aos direitos dos trabalhadores não fossem revertidos", salientou.

O líder parlamentar do BE salientou que o seu partido tem a "consciência tranquila".

"Desde o início do processo que nos temos batido por todas as alterações que achámos necessárias para uma revisão da lei do trabalho. Vencemos algumas batalhas, perdemos manifestamente outras, fazemos um balanço negativo, exatamente porque os bloqueios que continuam na lei do trabalho materializar-se-ão de forma muito negativa na vida de quem trabalha", salientou.

Apesar disso, Pedro Filipe Soares garantiu que o BE vai continuar a "insistir para que o equilíbrio no mundo do trabalho seja alcançado contra esta desumanidade e desequilíbrio que atualmente é vigente".

"A crítica mais profunda que se pode fazer ao PS é que, quando chega o momento de juntar-se à esquerda, preferiu juntar-se à direita", concluiu.

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