"À vontade" para falar sobre os resultados do BE, a líder ainda vê o partido com "lutas para ganhar"
Utilizadora de transportes públicos, a coordenadora do BE ainda contacta com a população, que a reconhece, pede selfies e a elogia. Em fim de ciclo, não faz balanços de si própria, aponta baterias aos partidos de direita e considera que "há muitas lutas para ganhar".
Pouco passa das nove da manhã. O ponto de encontro é a estação de metro do Rato, em Lisboa. Catarina Martins chega acompanhada pelo assessor. O passo é apressado, dali a poucos minutos já tem de estar na Assembleia da República. Enquanto subimos as escadas rolantes em direção à rua, Catarina Martins conta: "Costumo fazer sempre o percurso de metro, quando consigo. O dia de hoje é um bocadinho diferente por ser sexta-feira e há plenário de manhã." E o tema é bastante importante, uma das bandeiras do Bloco de Esquerda nos últimos anos: a despenalização da morte medicamente assistida.
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Rua de São Bento abaixo, Catarina Martins não é abordada, mas os olhares não são indiferentes - há quem olhe de soslaio, outros olham e comentam entre si. É um dos últimos dias de Catarina Martins enquanto coordenadora bloquista (a Convenção está marcada para os dias 26 e 27 de maio). Que balanço faz? "Não sou muito boa a fazer balanços de mim própria [ri-se]. Seria estranho". Mas o Bloco perdeu muitos deputados em janeiro do ano passado (o grupo parlamentar passou de 19 para cinco)... "Estou bastante à vontade com isso, tive dos melhores e dos piores [resultados]. Acho que as coisas devem discutir-se abertamente. E acho que o Bloco tem tido - e não só nestes últimos dez anos em que estive na coordenação - um papel importante em discutir a alternativa política, em fazer as coisas de forma diferente, e isso é muito importante", analisa. O futuro do partido, considera, será positivo. "Ainda temos muitas lutas para ganhar", diz a atual coordenadora e apoiante de Mariana Mortágua para a sucessão.

Às sextas-feiras, costuma reunir-se com Beatriz Gomes Dias, vereadora do BE em Lisboa
© Carlos Pimentel / Global Imagens
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E a agenda? "Hoje será um dia mais político, amanhã [sábado] temos um contacto de rua com a população de um bairro na Amadora e domingo estaremos na Madeira a contactar com a população, com os meus camaradas, a distribuir panfletos e a falar sobre as nossas ideias."
A meio caminho, a líder do Bloco de Esquerda faz um briefing do dia: plenário de manhã, depois um almoço privado com duas pessoas - uma das quais José Manuel Pureza, ex-deputado bloquista. À tarde, há uma reunião com Beatriz Gomes Dias, a vereadora bloquista na Câmara de Lisboa. Terminará tarde, já depois das 23.00, com uma conferência na sede do partido, onde estará Manon Aubry, eurodeputada da França Insubmissa.
Chegados à Assembleia, Catarina Martins leva-nos ao seu gabinete. Em cima da mesa, os jornais do dia. A coordenadora senta-se ao computador por uns minutos. Entra na sala o líder parlamentar, Pedro Filipe Soares. Ajustam-se pormenores para o debate que dali a alguns minutos arrancará.
A expectativa é a de que a Assembleia da República volte a confirmar o diploma, que o Presidente da República vetara, obrigando assim Marcelo Rebelo de Sousa a promulgar - como acabou por acontecer. "É um dia importante, a morte medicamente assistida vai ser, finalmente, lei em Portugal. É um passo de tolerância grande. Foi um longo caminho. É fazer avançar a sociedade no sentido da tolerância e do respeito", diz, visivelmente satisfeita.

Catarina Martins e Manon Aubry, eurodeputada francesa, trocaram impressões antes do início da conferência em Lisboa.
© Carlos Pimentel / Global Imagens
10H00
O plenário começa. Isabel Moreira, deputada do Partido Socialista e um dos rostos que mais se bateu pela aprovação do tema, intervém em primeiro lugar. Catarina Martins é a terceira a intervir, já depois de João Cotrim Figueiredo, deputado da Iniciativa Liberal. Na intervenção, defende que a lei devia ser aprovada "tal como está", lembra João Semedo - ex-coordenador bloquista que foi um dos fundadores do movimento "Direito a morrer com dignidade", em 2015, que defendia a despenalização da morte medicamente assistida.
O debate termina com o desfecho que já era esperado: a confirmação do diploma pelo Parlamento, obrigando à promulgação.
14H20
Terminado o almoço privado, seguiremos para o edifício dos vereadores da Câmara de Lisboa, localizado na zona da Baixa.
Encontramo-nos junto ao gabinete onde estivemos de manhã. Pede desculpa pelo ligeiro atraso na chegada, cinco minutos depois da hora combinada. Catarina Martins entra no gabinete para apanhar a sua mala. Decidimos como será feita a ida até à Baixa. Como de manhã, usamos os transportes públicos, desta vez o elétrico ("É sexta-feira. Pode ser que hoje venha com pouca gente. Normalmente vem sempre tão cheio..."). As preces são atendidas: o elétrico traz algumas pessoas, mas não vem demasiado cheio. Pergunto se costuma fazer o percurso muitas vezes. "Quando vou ter com a Beatriz Gomes Dias, sim. Normalmente, à sexta-feira, apanho o elétrico até à Baixa, quando nos reunimos", explica. E a reunião? "São reuniões de preparação e de orientação sobre a presença do Bloco na câmara. Acertamos agulhas sobre o que fazer, discutir, acompanhar." Na viagem entre São Bento e a Baixa, Catarina Martins é reconhecida.

Quando é reconhecida, já se tornou um hábito para Catarina Martins receber pedidos para selfies.
© Carlos Pimentel / Global Imagens
Durante o trajeto, segue em pé e vai falando com umas jovens sentadas num dos bancos do elétrico. Trocam impressões, bem-dispostas. Minutos depois, ainda dentro do elétrico, a líder do Bloco de Esquerda é abordada por duas mulheres que viajam juntas. Pedem-lhe uma fotografia. Catarina Martins acede, diz que já está habituada. É reconhecida muitas vezes? "Prefiro dizer que contacto com as pessoas", corrige, mas confirma que é bom fazê-lo, porque "sente a rua".
Saímos quando o elétrico chega ao Largo Luís de Camões, fazemos o resto do percurso a pé, descendo pelo Chiado. Em frente a uma loja, um popular reconhece Catarina Martins e interrompe-lhe a marcha. Agarra-lhe na mão e agradece-lhe pelo combate e pelas lutas que trava. A líder do BE agradece. A resposta é emotiva - "não me agradeças. Continua assim, luta. Obrigado, minha querida Catarina" - e a pequena interação (de segundos, um minuto, talvez) termina com um beijo na mão da líder do Bloco.
A palavra: direita é o maior inimigo do Bloco. O termo surge em vários contextos ao longo do dia, como a no debate sobre a legalização da eutanásia ou na conferência sobre o futuro do papel da esquerda.
Chegamos então, depois, ao edifício dos vereadores da oposição, que fica na Rua do Ouro. Somos recebidos por Beatriz Gomes Dias, que segue depois para uma sala com Catarina Martins. A porta fecha-se, a reunião começa. Há agora uma pausa, para compromissos privados, até à noite. O ponto de encontro é a sede do Bloco de Esquerda.
20H30
Rua da Palma, Lisboa. O dia já vai longo - há quase 12 horas que estamos na rua -, mas o último ponto da agenda de Catarina Martins só está marcado para daqui a meia hora, às 21.00. O vento faz-se sentir. Depois do calor do dia, a noite é mais fria.
Entramos na sede do Bloco de Esquerda e a sala já está preparada: há cadeiras dispostas numa plateia, viradas para uma mesa ao fundo da sala. Por trás, está um painel azul que promove o esquerda.net, o órgão de comunicação partidária do BE. Aos poucos, a sala enche.

Os transportes públicos são o meio mais utilizado pela coordenadora do BE para se mover em Lisboa.
© Carlos Pimentel / Global Imagens
Dali a instantes, Catarina Martins entrará na sala acompanhada por Manon Aubry (eurodeputada francesa eleita pela França Insubmissa), Nathalie Oliveira (deputada luso-francesa eleita pelo PS no círculo da emigração), e por José Gusmão, um dos eurodeputados bloquistas [a outra deputada do BE no Parlamento Europeu é Marisa Matias]. O foco da sessão é a esquerda e o papel que pode ter no futuro próximo perante ameaças como o populismo ou a extrema-direita.
A sessão começa. Depois dos depoimentos, há uma ronda de perguntas. Termina com aplausos. Pergunto, depois, como foi o dia: "Cansativo, mas terminou com um debate interessantíssimo. A Manon [Aubry] vai ser um grande rosto da esquerda europeia no futuro, tenho a certeza."
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