"Não rejeitar o programa do Governo [...] não pode significar um cheque sem cobertura", disse Luís Montenegro na tomada de posse.
"Não rejeitar o programa do Governo [...] não pode significar um cheque sem cobertura", disse Luís Montenegro na tomada de posse.DR

A “teia” de Montenegro para enredar um líder do PS que “não cede” nem receia “chantagens”

Compromissos de Pedro Nuno Santos já assumidos publicamente com AD abrem portas a um acordo para OE2025. Ventura recusa viabilizar “qualquer instrumento” do Governo. Socialistas defendem negociações em “nome do regime” antes que “o caldo fique todo entornado”.
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A resposta aos desafios de Montenegro chegou 22 horas depois. “Oposição” ou força de “bloqueio”? O PS, disse um Pedro Nuno Santos sério e às vezes incomodado pelas perguntas sobre a sua ausência na tomada de posse do Governo, “não cede nem tem receios de chantagens”.

E às acusações de “vitimização” e de “arrogância” dirigidas ao primeiro-ministro e a um Governo “mais focado na oposição do que propriamente em Portugal”, um PSD “da lamentação, do queixume, de não o deixarem trabalhar [palavras muitas usadas por Cavaco], de não deixarem fazer aquilo que pretendem”, o líder socialista juntou uma premonição: diz ter ouvido “uma narrativa a utilizar [pelos sociais-democratas] numa eventual campanha eleitoral”.

O presságio de Pedro Nuno Santos é visto, por socialistas ouvidos pelo DN, como a constatação de que a “teia” lançada por Montenegro “enredou, de facto”, o líder socialista e também André Ventura.

Que teia? “Já nos comprometemos publicamente com o Orçamento Retificativo (OR) e com a aprovação do Programa do Governo, o que até faz sentido, mas foi cedo demais. Houve precipitação e deixou espaço a Montenegro para dizer que não faz sentido o PS aprovar o programa da AD e depois no Orçamento do Estado chumbar as medidas desse mesmo programa”, sustenta fonte parlamentar.

Este argumento de que o líder do PS se “precipitou” é também vertido nas garantias dadas sobre o OR porque “se isso for feito quase em cima do OE2025, transitando esses aumentos [dos professores e polícias, por exemplo] poucas semanas depois para o Orçamento do Estado 2025, e se, ainda por cima, o plano anticorrupção for espelhado no OE, que argumentos teremos para inviabilizar um Orçamento com medidas por nós aceites e aprovadas?”.

Talvez por isso, sustenta outra fonte, a “disponibilidade total para o diálogo” esta quarta-feira manifestada por Pedro Nuno Santos e a garantia de que “votaremos a favor daquilo que concordamos e contra aquilo que não concordamos” explique que o “praticamente impossível” [a aprovação do OE2025] tenha passado para um “muito difícil” que “não fecha todas as portas à possível necessidade de deixar passar o primeiro OE da AD”.

O dilema é assim explicado: “Imagine que se acredita num voto a favor do Chega [no OE2025], que nós votamos contra, mas que eles [o Chega] viram o bico ao prego e votam contra. Que impacto vai isto ter nas pessoas? Cai um Governo porque PS e Chega, juntos, o derrubaram?”

A encruzilhada, porém, não justifica, diz a mesma fonte, um “queixume” de Pedro Nuno Santos, que “precisa de mostrar firmeza”, mas que acabou a dizer que se “levam a sério o “Não é não” de Montenegro também devem levar a sério o que ele diz. Era escusado”.

Diálogo: a chave para sair da “deriva”

Mas há quem acredite que esse “virar o bico ao prego” possa não acontecer. Outro socialista ouvido pelo DN aponta: “O programa da AD vai esvaziar o Chega, com a descida de impostos e tudo o mais. Não vai ser uma coisa de esquerda. O Chega nunca vai poder votar contra o OE2025. Com isso, deixa-se a oposição para nós [PS]. E não é pelo bem do partido. É pelo bem do regime. Se se deixa isso para o Chega, está o caldo entornado”, atira.

Mas é preciso haver diálogo, para se sair da “deriva” que resultou na degradação de “pontes de diálogo e da possibilidade de compromisso em Portugal”, que pode ter um risco: o de “nos tornarmos um país, como diziam os romanos, que nem se governa, nem se deixa governar.”

A frase é de António Galamba, ex-deputado socialista e um crítico público dos últimos anos do partido. Ouvido pelo DN, o ex-deputado refere que a prevenção a esse risco só pode ser feito de uma maneira: “Com disponibilidade para diálogo e capacidade de compromisso.” Mas vê essa possibilidade no atual quadro político?

“O discurso que é feito e as atitudes que são tomadas não ajudam muito, quer de um lado [PS], quer de outro [Governo].” Exemplo disso é o discurso de tomada de posse de Luís Montenegro, que António Galamba critica, dizendo ter sido feito como se o primeiro-ministro tivesse maioria parlamentar, “o que não corresponde manifestamente à realidade”.

Ou, como classifica uma outra fonte socialista, foi um discurso que “colocou a carroça à frente dos bois”. “Parece-me, nesta fase, que mais importante do que o primeiro-ministro estar a assacar responsabilidades, deve pôr-se é ao caminho. O diálogo faz-se em casos concretos”, diz. Só assim terá possibilidade de continuar na Legislatura, “seja ela de quatro anos ou não”.

E acrescenta: “Se começam já a tentar avançar com um calendário, quase, de pré-aprovações vão falhar”. A estratégia de colocar “o PS entre a espada e a parede não faz sentido algum”, critica, relembrando que “vai haver matérias em que os consensos são necessários e, sempre que existam matérias de convergência, deve haver esse esforço das duas maiores forças democráticas”.

A opinião de António Galamba converge: “Nada impede, de facto, que em todas essas matérias - que são muitas - possa existir aqui alguma convergência durante algum tempo. Isso passa por vários temas que estão em cima da mesa, da Saúde, da Educação, da coesão territorial, por exemplo.”

“Pântano” também criado por Marcelo

O ministro da Presidência, António Leitão Amaro, na sua primeira intervenção no briefing após o Conselho de Ministros, confirmou as palavras de Luís Montenegro e anunciou que, “de uma forma célere”, que o Executivo aprovará “um pacote de medidas que seja ambicioso, eficaz e consensual para combater a corrupção”. Para tal, a ministra da Justiça, Rita Júdice, foi mandatada para ouvir as posições dos partidos com assento parlamentar sobre a matéria, confirmou Leitão Amaro.

“O objetivo é, no prazo de dois meses”, logo a seguir à investidura parlamentar, “ter uma síntese de propostas, medidas e iniciativas que seja possível acordar e consensualizar, depois de devidamente testada a sua consistência, credibilidade e exequibilidade”, disse, acrescentando que “ninguém tem o monopólio das melhores soluções”.

Até agora, apesar do combate à corrupção, com esta designação, estar inscrito nos programas eleitorais de todos os partidos, o Chega tem aproveitado esta causa como maior argumento das suas ações. Logo a seguir à tomada de posse dos ministros, André Ventura criticou a Aliança Democrática por ter escolhido o PS como seu “interlocutor” para criar consensos.

No entanto, nessa altura, o líder do Chega garantiu que o partido estaria “sempre disponível para negociar todas as matérias que sejam boas e positivas para o país”, ainda que essa posição não se estenda ao Orçamento do Estado para 2025.

O líder do PS, Pedro Nuno Santos, afirmou que “a AD, o PSD e o Governo não se podem colocar na posição em que já se tinham colocado aquando da eleição do presidente da Assembleia da República, fixados à espera de que o PS venha resolver ou dar a maioria que o povo português entendeu não dar à AD”.

Perante esta declaração, André Ventura voltou a frisar que a AD escolheu o PS como “interlocutor”, ainda que esta seja uma relação não-correspondida, uma vez que, disse, Pedro Nuno Santos optou por não “dialogar” com a AD.

Este foi o mote para André Ventura sublinhar que o Chega está “absolutamente desobrigado em viabilizar qualquer instrumento do Governo da AD”. “O Chega disse que estava disponível para um acordo sustentável de Governo a quatro anos. Legitimamente, o Governo de Luís Montenegro disse: ‘Não queremos’”, afirmou.

“Portanto, nós temos um pântano absoluto à nossa frente, em que o Presidente da República é um dos responsáveis”, acusou, justificando que Marcelo “não promoveu políticas de entendimentos, que eram fundamentais”.

Ainda assim, Ventura apelou a Montenegro que avance  com um Orçamento Retificativo, por entender que há consensos em várias matérias, como “o combate à corrupção, a recuperação do tempo de serviço dos docentes”, a “valorização das carreiras na Administração Pública” e a “questão dos polícias”, com o alargamento do Suplemento de Missão às forças de segurança.

Por fim, ficou uma garantia do líder do Chega: O partido “não se comprometerá com o Orçamento do Estado, porque essa é a grande macropolítica do Governo, que insistiu em não ter nenhum acordo com o Chega. Portanto, nós arriscamo-nos a ter o Governo mais curto da história.”

Com Rui Miguel Godinho e Vítor Moita Cordeiro

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