À procura de novos eleitores e em busca de aliados, a estrada que espera o novo líder do PS

O consultor de comunicação Luís Paixão Martins junta-se à politóloga Paula do Espírito Santos e à economista Susana Peralta numa análise sobre o que o novo secretário-geral socialista, Pedro Nuno Santos, terá de enfrentar: um PS sem António Costa mas inevitavelmente não muito longe dele.
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"O primeiro grande problema do novo líder do Partido Socialista é atrair eleitores", assinala ao DN o consultor de Comunicação Luís Paixão Martins, questionado sobre o que se seguirá às eleições diretas socialistas, que deram a vitória a Pedro Nuno Santos. Ainda que pareça demasiado evidente, por ser transversal a todos os partidos, este desafio não é o que parece. "Não sei se alguma vez, no passado recente, houve tanta indiferença perante a política como está a acontecer agora", insiste o consultor que trabalhou com o ainda primeiro-ministro na última campanha eleitoral.


O dia 16 de dezembro, com o desfecho das eleições diretas do PS, marcou o fim de António Costa à frente do partido. No mesmo momento, começou o percurso do novo secretário-geral rumo às legislativas. O desfecho será um de dois - eleito primeiro-ministro, com ou sem maioria absoluta, ou líder do maior partido da oposição. Dentro destas possibilidades são muitas as variações, entre alianças, entendimentos e acordos com os partidos, à esquerda e à direita.

"Os indicadores que existem mostram que está a haver um grande afastamento dos cidadãos em relação à vida política. Os portugueses não estavam à espera desta crise, nem a desejavam, e os indicadores que nós temos são evidentes", justifica Luís Paixão Martins, que há pouco mais de dois meses lançou o livro, Como Mentem as Sondagens. "Basta, por exemplo, ver que os programas de televisão mais focados na política têm as audiências mais baixas do ano. Estes estudos são das sondagens que têm sido feitas presencialmente, independentemente de indicarem que os indecisos andam à volta dos 15%. Depois, há os chamados indecisos encobertos, porque as equipas de trabalho de campo contactam 3 mil lares e obtêm 800 respostas. Portanto, há ainda todos os inquiridos que nem sequer querem participar na sondagem", explica o especialista em Comunicação, completando que "as taxas de resposta [a estes inquéritos] estão muito baixas, na ordem dos 25%". "Espero que, a uma semana das eleições, haja uma inversão", aponta.


Como corolário desta primeira análise, Paixão Martins sublinha que "há um grande desfasamento dos cidadãos relativamente à vida política e, portanto, o primeiro problema do líder socialista é contactar a base eleitoral do partido. Porque ela não está lá". Tudo isto acontece, apesar de o PS ter uma "base eleitoral robusta, a maior da nossa vida democrática", segundo Paixão Martins, que lembra os 2 301 887 eleitores, de acordo com as contagens do Ministério da Administração Interna, que nas últimas legislativas escolheram o PS. Dentro deste número, está ainda "um milhão de eleitores fãs", os mais fiéis, que não mudam o sentido de voto em qualquer circunstância. Para o consultor de Comunicação, esta base eleitoral explica o facto de o PS "continuar a ser o partido com mais intenções de voto", apesar de haver muitos inquiridos que não querem responder.


Sobre o segundo grande desafio do líder socialista, de acordo com o consultor, surge a herança de Costa. "O Partido Socialista hoje em dia está muito marcado pela personalidade de António Costa", afirma, ainda que aponte esta característica como algo que pode ser, em simultâneo, benéfico e prejudicial para os potenciais eleitores do partido.


Por um lado, aponta,"tem a vantagem histórica da robustez face ao PSD", porque nos últimos anos, enquanto o PS manteve António Costa como timoneiro, os sociais-democratas tiveram Pedro Passos Coelho, Rui Rio e agora Luís Montenegro como presidentes. Por outro lado, o PSD, na campanha, pode sempre argumentar com a ideia da mudança que pode trazer ao país.


Sob a forma de contradição, Luís Paixão Martins recomenda ainda um equilibrismo que o novo secretário-geral do PS terá de fazer. Simultaneamente, terá de "aproveitar a marca deixada por António Costa e eliminar atributos de António Costa, para criar atributos do novo líder". "Estamos a 3 meses das eleições. Acho que nos próximos 3 meses não há mais nenhum outro trabalho a fazer pelo líder do PS senão este", remata, complementando com a ideia de que os eleitores precisam de "um programa eleitoral mobilizador e de um líder carismático para voltarem a fazer as pazes com a política e se mobilizarem para votar no dia 10 de março".

O secretário-geral do PS "vai ter de se disponibilizar para encontrar soluções de negociação político-partidária e também governativa", antevê ao DN Paula do Espírito Santo, professora de Ciência Política do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas [ISCSP) da Universidade de Lisboa.
"Claro que esta estratégia acaba por trazer uma leitura de maior flexibilidade e base negocial, mesmo até descaracterizando um pouco a própria identidade do PS, mas que acaba por criar a amplitude necessária para uma situação de governabilidade", assinala a politóloga, sobre um horizonte em que pode ser preciso encontrar entendimentos entre o PS e os partidos que neste momento formam a oposição.


A ideia de uma nova geringonça - palavra que, desde 2015, se transformou em sinónimo de coligação ou entendimento multipartidário - é apontada como possível pela investigadora do ISCSP no atual cenário político-partidário. "Temos aqui, no fundo, três grandes forças políticas ou três grandes partidos: o PS, o PSD e o Chega. A verdade é essa", sustenta Paula do Espírito Santo. "Em matéria de, depois, conseguirem os necessários acordos para a continuação de uma legislatura, creio que estes partidos vão ter de se entender. Entender-se também com os partidos mais pequenos, mas estes três vão ser centrais. No caso de o PSD não entender essa viabilidade com o Chega - porque é provável que não o faça e, até agora, nada leva a pensar de forma diferente -, também não lhe restam muitas soluções, em caso de vitória, para viabilizar um Governo", analisa.
E é nesta arena que o líder do PS, numa tentativa de se projetar para uma vitória nas legislativas, terá de se movimentar. Até porque, como lembra Paula do Espírito Santos, "os dados mais seguros não apontam um resultado que permita que o Partido Socialista ganhe de uma forma esmagadora, tal como aconteceu anteriormente".


A demissão do primeiro-ministro ficou a dever-se, de acordo com a sua própria justificação, ao facto de lhe ter sido instaurado um processo em torno de negócios do lítio e do hidrogénio, que conduziu a uma indiciação do Ministério Público e a uma investigação do Supremo Tribunal de Justiça. Este processo viria a ficar conhecido com Operação Influencer, o culminar de uma sucessão de vários casos que marcaram o Governo, levando à saída de ministros e secretários de Estado, em pouco mais de um ano e meio de legislatura.


"O Governo caiu por causa de histórias mal contadas, por o primeiro-ministro estar rodeado de pessoas que dificilmente eram as aconselháveis, no momento em que o país estava com uma agenda ambiciosa de exploração de recursos naturais e também com a questão dos fundos europeus", lembra ao DN a economista Susana Peralta. "A principal tarefa do líder do PS é fazer um trabalho de reflexão acerca destes problemas das portas giratórias, do tráfico de influências e do favoritismo", traz para o debate a professora de Economia na Nova SBE.


O PS, sendo um partido "à esquerda do espetro político, "tem uma responsabilidade acrescida" no domínio "do problema dos serviços públicos", acrescenta a professora universitária, destacando "o estado da Educação, da Saúde e das infraestruturas em Portugal", que é um legado que sai necessariamente da última legislatura e depois de um contexto de oito anos de governação de António Costa. "Portanto, há uma série de desafios do século XXI, que têm a ver com a transição energética e com a economia do conhecimento, na qual Portugal está claramente impreparado. Temos uma ferrovia incipiente. Temos áreas metropolitanas com a infraestrutura de transportes tão limitada que isso acaba por pôr muitas pessoas a andar de carro, que é péssimo para a transição energética, e temos problemas, neste momento, de acumulação de capital humano, que são evidentes com a disrupção nas escolas", explica a economista.


"Acho que isso devia ser da matriz ideológica de um partido de centro-esquerda, ou de esquerda, como queiramos classificá-lo: ter uma agenda para esses grandes desafios", propõe Susana Peralta como tarefa essencial para o líder do PS, como chefe do próximo Governo ou líder da oposição.

vitor.cordeiro@dn.pt

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