25 de abril. E, de novo, os cravos floriram na Avenida da Liberdade
Não fossem as máscaras nos rostos dos milhares de participantes no desfile da Avenida da Liberdade e quase se julgaria estar num 25 de abril como outro qualquer. Um ano depois da marcha solitária de Carlos Ferreira, bandeira nacional ao ombro, Avenida fora, foi com renovada alegria que muitos voltaram à celebração pública da revolução. Assim foi para a historiadora Irene Pimentel, para quem "este regresso trouxe uma enorme felicidade, o que não implica que descuremos os cuidados impostos pelo estado de pandemia em que ainda vivemos."
Há um ano, em pleno primeiro confinamento, a data teve um travo amargo. Para a jornalista Catarina Fonseca, "celebrar o dia da Liberdade fechada em casa foi muito triste, parecia o fim do mundo." Este ano voltou à Avenida com um novo espírito: "Creio que, mais do que nunca, percebemos o valor da liberdade. Nunca nos passara pela cabeça que, um dia, nos víssemos impedidos de a comemorar..."
À parte o que vai no coração de cada um, o desfile avança como sempre: Chaimites a abrir, as organizações e partidos que integram a comissão promotora das comemorações logo a seguir, cravos, muitos cravos, famílias com crianças e cães, Grândola, "Acordai!", de Fernando Lopes Graça, apelos sonoros para que se mantenha a máscara e o distanciamento, físico e não social. Afinal, as palavras não são terreno neutro.
Mas há novas reivindicações e novas causas que aparecem para se associar ao dia da liberdade. Para além da habitual participação de organizações femininas com décadas de existência como o MDM - Movimento Democrático das Mulheres são cada vez mais as jovens que espontaneamente se manifestam pela igualdade de género e pela urgência do combate à violência doméstica: com cartazes, pintados em casa, sobre cartão.
Mais ao lado, a Techari Associação Nacional e Internacional Cigana reclama uma cidadania plena para a etnia que representa e a associação ambiental Em Chamas apela à participação numa ação de desobediência civil no Aeroporto de Lisboa, agendada para 22 de maio. O que os move, diz Mariana Gomes, dirigente desta associação, "é sensibilizar a população para a urgência de se apostar na ferrovia em detrimento da construção de um novo aeroporto e de mais estruturas de apoio a um setor que é responsável pela emissão de uma parte muito significativa de gases de efeito estufa. Precisamos de um novo sistema de transportes públicos e acessíveis que aposte na ferrovia e crie milhares de novos empregos." Porquê a participação no desfile do 25 de abril? Mariana, que já nasceu muitos anos depois da revolução, não tem dúvidas: "O que nos liga às pessoas que vêm aqui é : o inconformismo com o estado das coisas e, como tal, a disponibilidade para a mudança. Como bem sabemos agora, não há liberdade sem saúde e a aposta continuada no transporte aéreo está realmente a comprometer o nosso futuro a médio prazo."
Irene Pimentel também pensa que esta é uma comemoração diferente das anteriores, e não apenas por causa da pandemia: "Num momento em que a extrema-direita já tomou as ruas, importa que os democratas demonstrem de forma muito significativa que a rua é nossa. Por outro lado, comemorar Abril é comemorar a consciência da importância do Serviço Nacional de Saúde e do Estado social, de que muita gente só se apercebeu da forma mais dramática este ano. Ora, estas conquistas estão entre as consequências mais importantes do 25 de Abril e nunca será demais dizê-lo. Mesmo a bandeira do combate à corrupção que a extrema-direita anda a acenar, só será possível aprofundar e melhorar em Democracia."
Irene olha à sua volta e admite sentir-se feliz com a quantidade apreciável de jovens que participam no desfile: "A revolução não podia deixar de ser muito importante para a minha geração mas é muito bom ver os mais novos a partilhar os mesmos valores de liberdade e democracia."
Cientes da importância de passar o testemunho, alguns destes jovens trazem já os filhos pequenos e explicam, às vezes como podem, o que se está a passar. Um deles, aponta para a frente do desfile e explica, com a melhor vontade mas escassa pontaria: "Vês, filho, é o tractor do 25 de Abril." Era o chaimite.