1º de Maio. Desunidos venceremos
Não há nada que mude esta tradição. Seja qual for a solução governativa, sejam quais forem as circunstâncias sociais, haja ou não inflação a aumentar de forma galopantes, CGTP e UGT continuam fieis ao seu velho princípio de sempre: celebrar separadas o Dia do Trabalhador, que se comemora hoje. O fim da geringonça fez muitos sindicatos voltar à rua. Dia 20, a Frente Comum da administração pública promete manifestar-se. Quatro dias antes haverá greve na CP.
Um governo maioritário só PS (2005-2009); governo minoritário do PS (2009-2011); governo maioritário de coligação PSD+CDS (2011-2015); governo minoritário do PS mas apoiado pela esquerda parlamentar (2015-2019); novo governo minoritário do PS (2019-2021); e agora novo governo maioritário só do PS. Já se revestiram de quase todas as geometrias possíveis as soluções de Governo nos últimos anos, para não falar desde sempre na democracia. Tudo já aconteceu. Mas, seja lá qual for a solução, há uma coisa que nunca muda: quando chega o 1º de Maio, as duas centrais sindicais, CGTP (afeta ao PCP) e UGT (afeta ao PS) celebram a data cada uma para seu lado. Este domingo, Dia do Trabalhador, a CGTP estará na rua, com manifestações e desfiles um pouco por todo o país; já a UGT preferiu organizar uma conferência em Lisboa sobre o "Sindicalismo e os Jovens" e os "Desafios do Mundo do Trabalho", a qual contará com a participação de José António Vieira da Silva, antigo ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social do PS, e de Álvaro Santos Pereira, antigo ministro da Economia e do Emprego do PSD.
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As divisões profundas que se materializam nesta data resultam não só das divisões originais - quando o PS e o PSD criaram uma central, a UGT, para se opor ao poder sindical monopolista da CGTP - como de visões estratégicas e táticas permanentemente divergentes.
A CGTP expressamente desvaloriza a importância da concertação social que se tenta fazer no CES (Conselho Económico e Social); a UGT expressamente valoriza. A CGTP raramente subscreve acordos de rendimentos que envolvam também a assinatura das associações patronais; a UGT raramente não assina.
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Finda a "geringonça", e agora com o PCP de novo com os dois pés na oposição, a CGTP promete endurecer a luta. Como de costume - que nem a pandemia evitou - a central vai celebrar na rua o Dia do Trabalhador. Em Lisboa, haverá o tradicional desfile durante a tarde de hoje desde o Martim Moniz até à Alameda D. Afonso Henriques, realizando-se aqui um comício, agora já sem máscaras obrigatórias nem distâncias mínimas de segurança entre as pessoas.
Isabel Camarinha, a líder da organização, associa o fim das limitações da pandemia a um intensificar dos protestos: "Agora, já sem as restrições do distanciamento e da máscara, que a pandemia nos impôs, é o momento de os trabalhadores de todos os setores trazerem para a rua os seus problemas e reivindicações para tentarem obter respostas, melhorando as suas condições de vida e promovendo o desenvolvimento do país". A guerra na Ucrânia - e o aumento da inflação que implicou, por efeito de arrastamento dos aumentos nos combustíveis - deu um novo motivo para endurecer a luta: "Temos assistido a um aumento dos preços que os salários dos trabalhadores não comportam, o que leva a um agravamento do empobrecimento de quem trabalha, se não houver um aumento generalizado dos salários e pensões e não forem aplicadas medidas extraordinárias." O facto de o Governo teimosamente resistir a aumentos salariais que acompanhem a inflação, nomeadamente na Função Pública, dá ainda mais pretextos.
Mobilizadas por sindicatos tanto da CGTP como da UGT como independentes, há um calendário de greves cada vez mais preenchido.
Os enfermeiros do Algarve estarão paralisados no próximo dia 5. Na EMEL (empresa do estacionamento em Lisboa) está marcada uma greve para dia 6. Na CP também, para 16, sendo a exigência de um aumento de 90 euros nos salários de todos os trabalhadores. Na Portway (handling nos aeroportos), o STAMA (Sindicato dos Trabalhadores dos Aeroportos Manutenção e Aviação) lançou vários pré-avisos de greve para este ano, incluindo um de 21 dias de paralisação até ao fim de 2022 - e o Governo reagiu decretando serviços mínimos. Há dias, os trabalhadores da Efacec também estiveram em greve, reclamando aumentos salariais, lamentando o SITE-Norte (Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Transformadoras, Energia e Atividades do Ambiente do Norte) a "falta de resposta" tanto da empresa como do Governo às reivindicações. Há dois dias, foi o Metro de Lisboa que parou. Para dia 20, a Frente Comum de Sindicatos da Administração Pública convocou uma manifestação nacional. "Face à postura assumida pelo Governo, que não apresentou nenhuma proposta salarial, mantendo os 0,9% que nos foram impostos em janeiro, nem respondeu ao nosso caderno reivindicativo, os sindicatos da Frente Comum decidiram avançar com esta forma de luta, uma semana antes da votação final global do Orçamento do Estado" , disse à Lusa o coordenador da organização, Sebastião Santana.
Reconciliação com o PS

Longe vão os tempos em que a UGT celebrava o Dia do Trabalhador na rua (foto de 2013). Este domingo, a data será celebrada com uma conferência com o ex-ministro Vieira da Silva.
© Gerardo Santos / Global Imagens
O endurecimento do discurso na CGTP contrasta com as promessas de reconciliação feitas pelo novo líder da UGT, Mário Mourão, eleito há uma semana. Falando à Lusa, o sindicalista defendeu um melhor relacionamento entre a tendência sindical socialista da central e o PS, considerando que "é tempo de se entenderem" e que é o líder certo para isso. Para já, a prioridade da central parece centrar-se em aumentos para os funcionários do Estado acima dos 0,9% prometidos pelo Governo antes de rebentar a guerra na Ucrânia.
"O Governo deve assumir, desde logo, a sua responsabilidade, enquanto maior empregador, de uma política de valorização salarial de todos os seus trabalhadores", disse Mourão, há uma semana, no discurso com que encerrou o congresso da UGT que o elegeu líder. Para o sindicalista, "o retomar da discussão da valorização dos salários e rendimentos continua a ser uma prioridade" que se torna "ainda mais oportuna e premente, tendo presente os recursos disponíveis para serem aplicados nas mudanças estruturais" da economia.
QUEM SÃO OS DOIS LÍDERES SINDICAIS
ISABEL CAMARINHA: A sindicalista que nunca trabalhou numa empresa

© Rita Chantre / Global Imagens
A escolha de Isabel Camarinha, em 2020, para suceder a Arménio Carlos na liderança da CGTP-In comportou várias novidades: pela primeira vez a central teria uma mulher à frente; pela primeira não seria alguém proveniente do operariado; e pela primeira vez a escolha recaiu sobre alguém que não integra o Comité Central do PCP.
Camarinha reúne ainda outra característica inovadora: nunca trabalhou em nenhuma empresa. A sua carreira profissional desenvolveu-a dentro de sindicatos: primeiro como funcionária sindical; depois como sindicalista. Aos 59 anos alcançou a liderança da CGTP e nessa altura presidia ao sindicato dos Trabalhadores do Comércio, Escritórios e Serviços de Portugal.
Sindicalista há mais de 30 anos, Isabel Maria Roberto Lopes Perdigão Camarinha integrou as listas de candidatos da CDU a várias eleições, sempre em lugares não elegíveis. Foi 13.ª nas últimas eleições para o Parlamento Europeu e nas últimas legislativas ocupou o oitavo lugar na lista da CDU por Lisboa. A sua ascenção a secretária-geral da CGTP foi acompanhada de uma forte renovação na cúpula da organização. Arménio Carlos deixou a liderança por estar perto da idade da reforma (e regressou à Carris, onde é electricista). Mas pela mesma razão - idade - outros dirigentes passaram à reforma: casos de Ana Avoila (sindicatos da Administração Pública), Carlos Trindade (da tendência socialista) e Deolinda Machado (católicos).
MÁRIO MOURÃO: Novo líder em continuidade absoluta

© PAULO CUNHA/LUSA
Socialista, sindicalista, bancário com origem no BES. Mário Mourão, 64 anos, o novo líder da UGT, eleito no domingo passado, segue ponto por ponto do perfil do seu antecessor, Carlos Silva. Talvez a única diferença substantiva, nos dados curriculares, esteja no facto de Silva ser de Lisboa e Mourão do Porto. E na verdade o novo secretário-geral da central tem um perfil partidário um pouco mais vincado do que o do seu antecessor: Mourão foi de facto deputado eleito pelo PS, na legislatura 2009-2011; Silva foi apenas candidato a deputado, nunca tendo sido eleito. De resto, tanto um como outro foram dirigentes distritais e nacionais do partido.
Atualmente, Mourão também preside à Tendência Sindical Socialista, o que parece ser uma condição prévia indispensável para liderar a UGT. Iniciou a atividade bancária em 1976, ingressando nos quadros do Banco Espírito Santo, e em 1988 começou a dedicar-se ao sindicalismo. Até ao congresso que o elegeu líder da UGT era seu vice-presidente e membro do Secretariado Nacional. Mourão chegou a ser coordenador de uma das estruturas distritais mais poderosas no PS, a federação do Porto.
É, além do mais, um especialista em questões de Defesa. Na legislatura em que foi deputado, integrou a comissão parlamentar de Defesa. É membro da Associação de Auditores de Defesa Nacional e tem artigos publicados na Revista de Defesa Nacional.
joao.p.henriques@dn.pt
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