Os políticos ganham muito? Há quem aponte vantagens de salários mais altos

Os autarcas pediram para reverter o corte de 5% nos ordenados dos políticos. O governo disse "não". Mas Viriato Soromenho-Marques lembra exemplo do trabalho de Paulo Macedo no Fisco para defender que melhores salários estimulam a "competência".

Os políticos "ganham muito". Ou são uns "privilegiados e cheios de benesses". Frases que se enraizaram na sociedade e que têm demovido os partidos de governo de tocar nos salários dos políticos. E até de reverter o corte de 5% que impende sobre eles há 12 anos, ainda sob a tutela do governo socialista de José Sócrates e num momento em que Portugal já estava em aperto financeiro, que desembocou na chega da troika.

O professor universitário Viriato Soromenho-Marques não tem dúvidas de que esse corte de 5% já deveria ter acabado, precisamente na altura em que saímos do procedimento de ajustamento, tal como aconteceu para a restante população. "Há uma grande demagogia em relação à questão do salário dos políticos", afirma.

O académico subscreve a ideia de que há o sentimento profundo na sociedade portuguesa de que os políticos são uns privilegiados, mesmo que se prove por A mais B que os seus salários não são altos. "Esse sentimento enraizou-se na sociedade portuguesa porque a opinião pública já internalizou que há uma espécie de bónus da política." Bónus que entendem fora dos salários.

Mas Viriato Soromenho-Marques mantém que "a atitude correta seria repor os salários dos titulares de cargos políticos e enquadrá-los segundo as funções". É neste sentido que defende que, no quadro de planeamento das políticas públicas, "faria sentido pensar na remuneração dos políticos que tivesse em consideração a complexidade das suas funções e tarefas". O que seria aplicado a cargos executivos - ministros, secretários de e Estado e presidentes de câmara, por exemplo - e não aos deputados, que "estão em pé de igualdade de funções".

E chama a atenção para os "custos terríveis da incompetência nas funções públicas" e para os custos do envolvimento na política. "O estímulo à competência pode fazer-se com um processo de remuneração superior, que também deveria ser transversal aos funcionários de topo da Administração Pública. De outra forma, os mais competentes fogem para o setor privado", diz. Além de que é uma forma de prevenir a corrupção.

A contratação de Paulo Macedo, antigo ministro e atual presidente da CGD, para diretor-geral dos Impostos em 1993, convidado pela então ministra das Finanças Manuela Ferreira Leite, é dada como um "bom exemplo" de como pagar bem pode ser mais produtivo para o Estado. "Foi ganhar 25 mil euros por mês, o ordenado que trazia do privado, mas deu milhões ao Estado, já que pôs muita gente que não pagava impostos a fazê-lo."

Viriato Soromenho-Marques admite, no entanto, que com o aparecimento de partidos como o Chega, que "se baseia na radicalização de uma tendência de demagogia transversal", que também existe em partidos como o PCP e o BE, é mais difícil adotar medidas de melhoramento dos salários dos políticos.

Autarcas pedem fim do corte

A revindicação de pôr termo ao corte de 5% nos ordenados dos titulares de cargos políticos partiu da Associação Nacional de Municípios, no parecer que elaborou sobre o Orçamento do Estado para 2023, como noticiou o DN esta semana.

De "forma incompreensível e injusta", a proposta de lei do Orçamento do Estado "continua sem reverter o corte de 5% nos vencimentos dos titulares de cargos políticos, introduzido no âmbito do Programa de Assistência Económica e Financeira a Portugal, no tempo da troika, e mantido ainda hoje nas remunerações dos eleitos locais", escreve a ANMP, presidida pela socialista Luísa Salgueiro, no documento enviado aos deputados.

Um dia bastou para que a ministra da Coesão viesse deitar por terra a reivindicação dos autarcas. Ana Abrunhosa frisou que o OE 2023 distribui mais 400 milhões de euros pelos municípios do que o anterior, mas não chega para o fim do corte nos vencimentos dos autarcas. "Entendemos, no caso do corte dos salários dos políticos, que seria de manter. Num tempo em que as famílias estão todas a passar restrições, achámos que não era tempo de eliminar esse corte. Achamos que é tempo de apoiar as famílias mais carenciadas. Não quer dizer que a reivindicação, noutro tempo e noutra conjuntura, não seja legítima", considerou Ana Abrunhosa em entrevista à Lusa.

A reversão destes cortes já tinha sido prometida pelo primeiro-ministro no verão de 2019, em entrevista ao Expresso. "Tenho confiança de que ao longo da próxima legislatura esse último corte irá desaparecer. Acho que é importante para devolver normalidade ao quadro remuneratório também dos políticos", dizia António Costa. O que na altura colhia a simpatia do então líder do PSD, Rui Rio.

Desta feita, o Chega e o Bloco de Esquerda colocaram-se ao lado do governo na rejeição do fim dos cortes de 5% e só o PCP se manifestou a favor.

Que salários têm os políticos?

A remuneração dos titulares de cargos políticos é calculada tendo por base o salário do Presidente da República, o mais alto magistrado da Nação. O inquilino de Belém, no caso Marcelo Rebelo de Sousa, tem uma remuneração-base mensal de mais de 7600 euros, o que, com o corte de 5% a que está sujeito, fica em cerca de 7400 euros.

A segunda figura do Estado, o presidente da Assembleia da República, que agora é Augusto Santos Silva, ganha 80% do vencimento do Presidente, ou seja, perto de 5800 euros brutos, já com o corte respetivo.

Segue-se o primeiro-ministro, agora António Costa, com 75% do ordenado do Chefe de Estado, isto é, 5400 euros. Os ministros levam para casa cerca de 4700 euros brutos e o presidente da Câmara de Lisboa, o autarca mais bem pago de todos, tem um vencimento bruto de 3900 euros. Os deputados estão ainda num patamar abaixo, com 3600 euros brutos. Segundo o INE, o salário médio em Portugal é de 1361 euros.

Os vencimentos dos políticos estão sujeitos, como todos os outros, aos descontos para o IRS e Segurança Social.

paulasa@dn.pt

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