Álvaro Beleza: "Se se pagasse melhor aos políticos, não seria preciso dar outras benesses"

Presidente da Associação para o Desenvolvimento Económico e Social (SEDES) diz ser preciso atrair quadros mais qualificados para a política, entre os quais empresários. Isso só se consegue, diz, se as remunerações forem compatíveis com os cargos.
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Os políticos em Portugal ganham bem - é uma ideia que se enraizou na sociedade portuguesa?
Em Portugal os salários são todos muito baixos e isso tema ver com a economia frágil. Temos uma economia e um rendimento per capita dos mais baixos da União Europeia e é por isso que a SEDES tem no livro que editou uma visão estratégica para em 20 anos duplicarmos o PIB. Para aumentarmos os salários de todos temos de ter mais economia e um PIB maior. É evidente que os políticos também sofrem e toda a Administração do Estado - Estado central, regional e local - porque os salários são baixos. Isto agravou-se nos anos 90 com uma ideia populista de que era preciso baixar os ordenados dos políticos. Isso dava votos e era popular. Nós defendemos a democracia liberal e as suas instituições. E os políticos desempenham a mais nobre das profissões porque são aqueles que nos representam a todos e nos governam, na câmara municipal, no governo regional, no governo da República. E por isso merecem ser dignamente pagos. A SEDES defende que o pagamento aos políticos seja feito de acordo com os nossos parceiros europeus, isto é, Portugal tem 75% da média do rendimento per capita europeu e os políticos portugueses, os deputados, presidente de câmara, os ministros e membros do governo, deviam estar deviam estar nesse comparativo com os colegas europeus segundo o rendimento de cada país. Admito que a Alemanha, que tem um PIB per capita três vezes superior ao nosso, é natural que os políticos ganhem mais. Os ordenados dos políticos devem ser de acordo com a economia que cada país tem. Em Portugal, os nossos políticos estão abaixo dos seus parceiros e congéneres, mesmo tendo em conta o PIB per capita português.

O que é um fator para não atrair quadros mais qualificados para a política?
Isso é óbvio. A SEDES, que não anda aqui para agradar, não é um partido e não vai a votos, defende o que é melhor para o país. E é evidente que se não existirem boas remunerações na política não se atraem os melhores para a política. Esse é um problema que não é só de Portugal, é um problema das democracias liberais. A nível europeu há uma diminuição da qualidade média da política porque há 20 ou 30 anos os melhores advogados, académicos, empresários iam para a política. Empresários - nós precisamos muito de gente com experiência no terreno, de fazer coisas, de construir, de produzir, de criar riqueza, de criar valor. Precisamos dessas pessoas na vida política e é difícil atraí-los também por esta razão, porque no final do dia temos de alimentar os nossos filhos.

E têm uma qualidade de vida fora da política que não podem replicar...
Além dos ordenados, a política tem outro problema. Quem vai para a política fica numa exposição pública que antes não tinha, são pessoas que correm o risco de exposição pública. E hoje está-se a cair num exagero das incompatibilidades, ou seja, temos de permitir que mais gente tenha lugares políticos e não o contrário. E depois temos de ter transparência. Todos temos um partido ou um clube de futebol e um árbitro pode arbitrar o seu clube, mas eu preferia saber qual era o dele, porque apesar de poder arbitrar o seu clube pode ser um grande árbitro e imparcial. O problema em Portugal é que há muita cultura da opacidade. Há aquela velha história dos independentes - independentes têm de ser todos. Prefiro a cultura anglo-saxónica da transparência dos lobbys, tudo ser às claras e público por saber se eu sou acionista de uma empresa ou outra coisa. Até para determinados cargos políticos se devia saber o estado de saúde, se vai para um lugar de responsabilidade em que representa os cidadãos. Criar depois legislação para impedir que as pessoas possam ir para os lugares, acho que é um exagero. O juízo tem de ser do cidadão, dos que votam. Até porque a ética é individual, a minha não é a sua, mas claro que tem de haver um mínimo comum.

O corte de 5% nos ordenados dos políticos, que data da altura da troika, e que não foi reposto, deve manter-se?
Acho que já devia ter sido revertido a partir do momento em que saímos do procedimento da troika.

E não é revertido por calculismo político, para não 'afrontar' a sociedade?
Não é porque os políticos provavelmente têm medo de o fazer, com medo da crítica. Isso é demagogia. Existe desde sempre, desde que há política, já os gregos diziam. Isso é medo de tomar uma decisão que é minimamente justa. Percebe-se que na altura do aperto do cinto tenham dado o exemplo do corte nos seus ordenados. Mas a partir do momento em que se sai do procedimento, entramos num período normal. Portugal está, felizmente, com as contas públicas equilibradas e com crescimento económico, embora devesse ser maior do que é. Por isso, temos de voltar ao normal. Houve aumentos no salário mínimo e bem, não há aumento do salário médio e mal e deve haver o aumento do salário dos cargos políticos. Estou muito à vontade porque nunca tive nenhum cargo político, nem tenciono ter, apesar de fazer política desde os meus 15 anos. Temos de olhar para os políticos sem inveja, como aqueles que estão a trabalhar para nós. E a maioria esmagadora dos políticos é gente séria e trabalhadora, claro que depois há pessoas que prevaricam. Mas qual é a profissão sem alguém que prevarique? Nenhuma.

Com o enraizamento de um partido populista em Portugal, o Chega, é ainda mais difícil retroceder nas medidas penalizadoras dos políticos, incluindo cortes nos salários, porque capitaliza o descontentamento contra os políticos?
Os populistas existem sempre nos extremos. A extrema-esquerda e a extrema-direita são populistas. Os extremos são sempre mais irracionais e mais emotivos. O centro é mais racional e mais rigoroso e, por isso, é que não é sexy. O Chega é populista e demagógico e vai tentar cavalgar isso, mas não é só esse partido. Da parte do PCP e do BE também há muita resistência a essas medidas. Agora quem governa, o PS hoje tem maioria absoluta, e o PSD, que é outro partido de governo - ou seja, quem está no centro-esquerda e no centro-direita - tem a obrigação de ter a coragem de dizer a verdade e o que é razoável. Têm medo do quê? É uma questão óbvia que precisamos de melhorar a atração para a vida pública. E para que os mais jovens também se interessem e vão para a política. Agora é evidente que a pagar mal para certos lugares as pessoas prefiram continuar a dar aulas ou a ser empresários. Em Portugal temos uma mania, que já vem do tempo da monarquia, que é pagar em géneros, como o suserano pagava aos vassalos, o proprietário pagava aos caseiros. Paga-se em milho, colheitas. Agora paga-se em automóveis, telefone. Também seria de mudar. Talvez se se pagasse melhor aos que têm cargos políticos, não seria preciso dar automóveis e outras benesses, ficaríamos próximos dos países do norte da Europa em que os autarcas e governantes andam de transportes públicos. O que não quer dizer que não tenham automóvel oficial e até avião ao seu dispor para quando é necessário. Aqui fazem-se uns truques para não se pagar mais. As coisas deviam ser mais claras, mais dinheiro na conta bancária e seria mais honesto e mais transparente.

paulasa@dn.pt

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