Esta quarta-feira foi a última sessão do julgamento em torno da Operação Marquês em que José Sócrates prestou declarações, pelo menos durante alguns dias. O antigo primeiro-ministro, indiciado por fraude fiscal qualificada, branqueamento de capitais e corrupção passiva, voltará a tribunal, mas ontem, depois de uma intervenção em que se queixou de estar a decorrer “um juízo ao lado com o mesmo processo sobre os mesmos factos”, numa referência ao processo paralelo da Operação Marquês, disse estar a ser “julgado duas vezes” e pediu que o Tribunal Central Criminal de Lisboa, onde corre o processo principal, “reflita sobre isto e sobre esta violência”. Por isso, enquanto falava do cansaço que sentia por estar ali três dias por semana, pediu à juíza Susana Seca que o dispensasse.“Mereço consideração e mereço atenção”, disse à juíza, rematando com a ideia de que não pode “continuar assim”.“Vou fazer a sessão de hoje [ontem]”, garantiu, mas com uma decisão subjacente: “Deliberei que não faço mais declarações a partir de 2005 para lá.”Com o argumento de que quer preparar a sua defesa, o arguido disse que iria terminar ontem com as suas “considerações relativamente ao período” em que foi primeiro-ministro.Depois de elencar “divergências” de fundo com o tribunal, que inclui uma referência a Ricardo Salgado, por “este julgamento estar a decorrer sem que um dos arguidos principais esteja em juízo”, no sentido em que não tem “condições de estar a defender-se”, José Sócrates acusou o tribunal de transformar “este processo num processo extraordinário”, “contra opinião” da sua defesa, por estar dividido em dois processos: pronúncia e não pronúncia.No final da sessão, o advogado de Ricardo Salgado, Francisco Proença de Carvalho, declarou que, “atendendo à situação clínica” do antigo banqueiro, “torna-se inviável” o exercício do contraditório para a defesa.Para as próximas sessões em que for ouvido, de acordo com uma deliberação posterior do tribunal, Sócrates disse querer fazer várias coisas, como falar do período compreendido entre 2011 e 2014 e das casas da mãe.Prometeu também, depois, falar do apartamento de Paris e, acrescentou com ironia, dos “empréstimos” do amigo e “essa tal fortuna escondida”, que integra a acusação.Nesta reta intermédia, Sócrates disse querer falar sobre aquilo que diz ser “o caminho do dinheiro”, e recorreu a paráfrases como “mostrem-me o dinheiro, descobrirei um crime” para descrever aquilo que considera ser o papel do Ministério Público (MP) no processo.Antes da pausa para almoço, o procurador Rómulo Mateus tentou que fosse lida uma cláusula, relativa a prestação de serviços, de um contrato entre a empresa Lena e a XLM, com o objetivo, referiu, de “demonstrar que foram faladas duas transferências, mas há 12 transferências que vão cair direitinhas na BES 06 [conta da sociedade offshore Pinehill Finance, de Carlos Santos Silva, amigo de Sócrates], que vão cair direitinhos na esfera do arguido”.O advogado de Sócrates, Pedro Delille, argumentou que não podia aceitar, em representação do seu constituinte, “que seja lida parte do documento”. Sé é para ser lido, que seja o documento todo, explicou, “senão não serve para nada”, “não poderá servir para a convicção do tribunal”. Até esse momento, é “violação e proibição de prova”, de acordo com o artigo 355.º do Código do Processo Penal, justificou.O procurador lembrou que tinha referido que o contrato era alheio ao arguido, mas que iria reconstruir o caminho que terá levado a que o dinheiro caísse na esfera de Sócrates.Porém, a pergunta que fez mossa a Sócrates, que se exaltou, teve a ver com uma transferência de Carlos Santos Silva, da conta BES 06, para Sandra Santos [amiga de Sócrates], em julho de 2010.“A pergunta é se o senhor arguido quer explicar por que Carlos Santos Silva fez a transferência para Sandra Santos”, especificou Rómulo Mateus.Com a acusação de que esta “pergunta é indigna do Ministério Público”, Sócrates retorquiu: “O que é que eu tenho a ver com isso?” “Autoriza uma pergunta destas?”, insistiu, falando com a juíza Susana Seca.“Bastaria um não”, disse a magistrada, alertando o arguido para o desgaste que aquela reação trazia ao próprio.“A outra parte é que as considerações que faz não alteram a perspetiva do tribunal, que é sempre objetiva. Dito isto, o senhor tem sempre a possibilidade de não responder à pergunta, mas não é necessário alterar-se”, aconselhou a juíza.Depois de Sócrates, Pedro Delille entrou na argumentação, afirmando que a imputação que “o dinheiro foi parar aos bolsos do senhor engenheiro José Sócrates não é possível de fazer” e não pode ser aceite por nenhuma jurisprudência.Por este motivo, o advogado pediu, através de um requerimento, que o MP se abstivesse se fazer este tipo de perguntas.“Não é possível deixar o Ministério Público fazer a pergunta”, continuou o advogado rematando com a ideia de que “viola a presunção de inocência”.Susana Seca, depois da pausa para o almoço, leu a decisão do tribunal de indeferir o requerimento de Pedro Delille, mas deixou um aviso também aos procuradores: “Sendo certo que se definiu que as declarações e os esclarecimentos se façam por blocos temáticos, apela-se ao Ministério Público que os respeite, e chama-se a atenção para contextualizar os documentos sobre os quais pretende confrontar o arguido.”Perante a insistência do MP, mais tarde, o arguido referiu várias vezes que não tem conhecimentos dos negócios dos amigos, em referência a Carlos Santos Silva, Armando Vara, e o primo, José Paulo Pinto Sousa, e rematou com a ideia de que os seus amigos “não se sentem obrigados” a entregar-lhe “reportes trimestrais ou mensais dos seus negócios”.Sobre a relação com Carlos Santos Silva, Sócrates descreve-a como “fraterna”, desde os tempos do liceu.“Há um ponto em que ele me compensa muito”, sublinhou enquanto explicava que ele próprio é “um homem prolixo” e Carlos Santos Silva é calado.E insistiu longamente no seu desconhecimento que diz ter relativamente aos negócios dos amigos..Sócrates regressa esta semana a tribunal. O que esperar após as férias judiciais?.Sócrates acusa MP de “pornografia” por querer ouvir escutas sobre Angola e não só