No rescaldo das eleições autárquicas de 12 de outubro, o presidente da Câmara de Lisboa e vencedor dessa noite, Carlos Moedas, lançou um desafio à oposição: “Deem a estabilidade governativa que uma cidade como Lisboa exige.” A coligação encabeçada pelo autarca, entre PSD, CDS e IL, terminou a noite eleitoral com mais 27.423 votos do que aqueles que tinha obtido há quatro anos, mas estes números só lhe garantiram mais um vereador, num total de 17 que a Câmara tem, o que significa que os oito mandatos sociais-democratas terão de encontrar convergências com alguma das forças políticas representadas pelos nove vereadores da oposição. Por agora, os maiores desafios identificados estão nas áreas da habitação, mobilidade e higiene urbana, mas a oposição recusa morder o anzol com o isco da responsabilidade lançado por Carlos Moedas e relança o desafio ao autarca. “A tentativa de responsabilização da oposição é algo que não surpreende, no sentido em que Carlos Moedas apostou, ao longo de quatro anos - e saiu vencedor -, numa estratégia de vitimização permanente, mesmo não tendo grandes motivos para isso”, acusou, em declarações ao DN, o vereador socialista Pedro Anastácio, que também se queixou por não ter visto a comunicação social a escrutinar o presidente da Câmara de Lisboa sobre que barreiras enfrentou e que o impediram de governar como queria. “Ficou a sensação de que existiu bloqueios à sua governação, quando de facto não existiu”, insiste Pedro Anastácio.Mas, neste mandato, a promessa da cabeça de lista da coligação entre PS, Livre, BE e PAN, Alexandra Leitão, talvez não seja no mesmo sentido do passado. “Prometo lealdade a quem ganhou e uma oposição rigorosa, firme. A oposição tem legitimidade e devemos ser vigilantes”, lançou a vereadora socialista na noite eleitoral.Também o Chega diz sentir que o PS deu a mão ao PSD durante o último mandato. “O Executivo tinha sete elementos e tinha uma oposição claramente de esquerda, apesar dessa oposição ter sido extremamente benévola com o engenheiro Moedas, e aprovou-lhe quase tudo”, descreve ao DN o vereador eleito pelo Chega Bruno Mascarenhas.Porém, num exercício inversamente proporcional ao de Alexandra Leitão, Bruno Mascarenhas faz um balanço do novo quadro partidário da Câmara e refere possíveis pontes à direita. “É evidente que em determinado tipo de políticas mais securitárias a ponderação de forças se tenhas alterado, porque temos as forças do centro e centro esquerda, que são o PSD, o CDS, a IL, que estão mais próximas de nós [Chega], que somos a direita conservadora”, analisa Bruno Mascarenhas, enquanto deixa uma sugestão de convergência: “Neste momento, podemos dizer que há um bloco de dez vereadores que tem mais afinidades [oito sociais-democratas e dois do Chega].”No lado esquerdo da equação, o vereador do PCP, João Ferreira, explica ao DN que terá “uma postura sempre responsável e construtiva”, ainda que esta segurança traga uma condição: “Dependerá sempre do conteúdo das propostas em concreto.” Em consonância com os seus opositores políticos, o vereador comunista assegura que não fará como “fez o PS”, ao, “independentemente do conteúdo, independentemente das condições em concreto, decidir viabilizar a ação governativa na cidade.”A observação de João Ferreira vinca os desafios que Carlos Moedas terá de enfrentar, principalmente com uma Câmara que conta com oito vereadores sociais-democratas, seis socialistas, dois do Chega e um do PCP. E o primeiro desafio será mesmo a aprovação do orçamento municipal, que terá eco em todos os outros desafios.“Será natural que Carlos Moedas procure, em primeiro lugar, junto daqueles de quem está mais próximo, a viabilização para as suas medidas”, vaticina João Ferreira, enquanto avança a possibilidade do presidente da Câmara “não procurar absolutamente nada e simplesmente ir em frente, não tendo maioria absoluta, comportando-se como se tivesse”.“Depois, se as coisas chumbarem, responsabiliza a oposição”, argumenta o vereador do PCP, mas com uma garantia de equilíbrio: “Nós [PCP] não passamos cheques em branco, a ninguém, seja a quem for, mas também não temos uma política de terra queimada, que é o bloqueio pelo bloqueio.”O DN contactou o gabinete de Carlos Moedas para saber como decorreria a resposta a vários desafios, tendo em conta a geometria variável da governação municipal, mas só obteve a sugestão de seguir o que o autarca defendera em declarações anteriores.Crise na habitaçãoCarlos Moedas, durante a campanha eleitoral, prometeu a construção de 2400 casas no Vale de Santo António e de, pelo menos, 1300 em várias partes do Vale de Chelas. Para além deste objetivo, o autarca, através do Programa De Volta ao Bairro, assegurou que iria reabilitar 710 casas municipais em bairros históricos para reter jovens na cidade.Para além das metas estabelecidas por Alexandra Leitão para esta área - reunir esforços para construir 4500 fogos municipais, tentar atingir 11.500 recuperações em bairros municipais, reforçar o programa de rendas acessíveis, reabilitar devolutos municipais, recorrendo a um fundo pago por um IMI agravado -, Pedro Anastácio defende que “é necessário acionar todos os instrumentos que estejam ao alcance para resolver o problema”. O vereador socialista sublinha que “vivemos uma verdadeira situação de emergência”, o que torna fundamental “hierarquizar a construção pública”. Esta ideia vem acompanhada por uma lista de recomendações, que passa por “colocar no mercado mais casas a preços acessíveis”, apostar na construção pública, mobilizar “programas em parceria com os privados, atuar nos devolutos, ter medidas de emergência e regular fenómenos como o turismo e o Alojamento Local”. No entanto, “o ónus [da resolução das medidas] está do lado de Carlos Moedas e dos vereadores com pelouro”, considera o vereador do PS, até porque, acrescenta, é a eles que compete estabelecer a “resposta a estes desafios”.Pedro Anastácio lembra que “Carlos Moedas saiu reforçado destas eleições, pelo que cada novo voto traz mais responsabilidade. Eu diria mesmo até que acabou qualquer tipo de desculpa para Carlos Moedas”, remata o vereador, mas com uma crítica a medidas do presidente da Câmara: “Carlos Moedas apresentou um programa caríssimo, que não contemplava propriamente casas a preços acessíveis.”Perante o problema, Bruno Mascarenhas diz que o Chega, para além de considerar “absolutamente crítico” a redução dos prazos de licenciamento, defende um “investimento privado sobre terrenos camarários que seriam cedidos em direito de superfície.”De acordo com a explicação do vereador eleito pelo Chega, “ao fim de um número específico de anos, esses terrenos voltarão para a posse da Câmara. Portanto, estaríamos a resolver um problema de emergência utilizando fundos privados de investidores que estão disponíveis para colocar dinheiro em Lisboa, e, com isso, conseguiríamos ter preços mais competitivos, que se enquadrassem naquilo que nós entendemos ser os parâmetros dos salários dos lisboetas, porque faríamos em construção em grande escala”.Isto permitiria, segundo Bruno Mascarenhas, “colocar alguns milhares de casas a valores na ordem dos 700 euros de renda mensal”.Para além desta aposta, Bruno Mascarenhas destaca uma alteração dos “critérios de atribuição da habitação municipal”, que passa por colocar “em primeiro lugar pessoas que têm deficiência. Depois, as famílias monoparentais. Depois, vêm os idosos e, finalmente, então o critério do rendimento.”“Julgo que haverá abertura por parte do Executivo para acomodar as nossas ideias”, conclui Bruno Mascarenhas.Já João Ferreira, antes de falar em construção, lembra que “há projetos prontos a avançar há quatro anos”, como “o programa de arrendamento a custos acessíveis do Alto do Restelo, que está em condições de produzir perto de 500 casa”. Para o vereador comunista, esta é “uma solução urbanística de grande qualidade que cria, além da habitação, serviços de proximidade, equipamentos como escolas, creches e transportes públicos”.“É só tirá-lo da gaveta, onde não faltará o nosso apoio”, garante.Repensar a mobilidade e o futuro da CarrisEnquanto considera que Lisboa se tornou uma “cidade caótica”, com as pessoas a perderem demasiado tempo no trânsito, Pedro Anastácio começa por criticar o facto de não haver em número suficiente Polícia Municipal a regular cruzamentos. Se isso acontecesse, argumenta o vereador, “teríamos maior fluidez no trânsito”. Mas o problema não fica por aqui. O vereador do PS diz que a Carris, “durante os mandatos de Carlos Moedas, caiu em quase todos os indicadores”, um problema ao qual se “soma o desafio de sabermos se se manterá municipal ou se Carlos Moedas terá uma expectativa com o parceiro da IL, de apontar para a sua privatização”. Para sustentar esta possibilidade, que não foi avançada, Pedro Anastácio recorda que o ministro das Infraestruturas, Miguel Pinto Luz, lamentou que uma das reversões do Executivo anterior não tivesse sido a da Carris.Sobre este tema, Bruno Mascarenhas diz que uma eventual privatização “depende dos pressupostos”, mas garante que não é esse o objetivo do Chega. “A prioridade é pôr a empresa em ordem e pô-la a funcionar com os meios que temos”, defende o vereador eleito pelo Chega, explicando que as prioridades do partido são outras, como uma regulação dos TVDE, porque, explica, “parte significativa dos motoristas não são portugueses, não são pessoas que têm uma atividade limpa e tem que haver uma enorme fiscalização”.Em relação à Carris, também João Ferreira diz que a empresa “não está a cumprir devidamente com o seu papel”, mas a solução “passa pela necessidade de um maior volume de investimento”. A este respeito, o vereador comunista lembra que uma das propostas da CDU era que não houvesse devolução do IRS, e que parte dessa receita fosse canalizada para a Carris.No entanto, a preocupação de João Ferreira sobre a mobilidade centra-se mais na rede do Metro. Para o vereador, “estamos num ponto em que se terá de tomar uma decisão definitiva sobre a rede”, porque “é crucial para o futuro da mobilidade na cidade”. “Carlos Moedas começou por ser contra a linha circular. Depois, passou para uma posição de não querer falar no assunto. E finalmente chegou a uma posição de aparentemente aceitar que ela se faça”, lembra João Ferreira, enquanto defende que esta solução “seria um erro colossal para a cidade”.“Pelo contrário, se se puser a linha a funcionar em laço, como Carlos Moedas e o PSD defenderam, é uma decisão de grande importância para a cidade e na qual é possível haver convergências”, conclui.Higiene urbana, um tema que não recolhe consensoO lixo nas ruas de Lisboa serviu de arma de arremesso em vários episódios da governação da cidade ao longo do mandato anterior. No novo, este continua a não ser um tema consensual.Segundo Pedro Anastácio, “Carlos Moedas tem um aliado preferencial e um parceiro privilegiado, que será sempre o PCP, com as posições que defendeu ao longo da campanha e com a centralização” de competências na Câmara, em vez de dividir as competências, tal como está agora instituído.Neste momento, a Câmara é responsável pela recolha de lixo, enquanto as 24 juntas de freguesia são responsáveis pela limpeza das vias.“Diria que como adversários terá as juntas de freguesia”, diz o vereador do PS sobre o Executivo municipal, acrescentando que estas autarquias vão apontar o dedo ao estado da higiene urbana, por ser um problema administrativo. “O que é uma profunda ficção e que não tem a nossa [PS] concordância”, garante Pedro Anastácio.Também Bruno Mascarenhas diz concordar com o modelo descentralizado, mas acrescenta à equação a necessidade de fazer um investimento na frota dos veículos que fazem a recolha de lixo, e também nos recursos humanos, “na questão salarial”, porque, defende, “quadros pouco motivados também não ajudam”.Com uma posição intermédia, João Ferreira começa por defender, como já o fizera antes, à “origem do problema”. “Se a lei [que descentralizou competências da Câmara para as juntas] foi um erro, como Carlos Moedas diz, se criou uma série de confusões, então altere-se a lei”, explica o vereador comunista, vincando, porém, que o presidente da Câmara não dá sinais de querer esta alteração.Portanto, João Ferreira defende que é necessário haver “mais meios, materiais e humanos, ou seja, cantoneiros, condutores e camiões de recolha”, para que seja “redesenhado o mapa dos circuitos de recolha de uma forma a torná-los mais eficientes”, conclui..Autárquicas 2025. Marcelo alerta que a aplicação dos fundos europeus é "razão adicional" para ir votar.Habitação em Lisboa: João Ferreira critica propostas do PS.Bruno Mascarenhas: “O Chega pode ter posição decisiva na governação de Lisboa, a liderar ou a passar medidas”