Luís quer continuar a trabalhar, mas sabe que precisa da oposição
Multiplicar por dez a vantagem sobre o segundo classificado” foi a fórmula que Luís Montenegro encontrou, quando Portugal já estava na madrugada de segunda-feira, para defender que ocorreu “uma grande vitória” nas legislativas deste domingo, que permitiu à AD - Coligação PSD/CDS garantir 89 deputados, que poderão passar a 91 quando forem apurados os votos da emigração.
Mesmo continuando longe da maioria absoluta na Assembleia da República, o que levou a que o primeiro-ministro em vias de recondução tenha deixado muito claro que contará com os partidos da oposição para permitir que o “voto de confiança na AD, no Governo e no primeiro-ministro”, que considerou ter sido dado, “de forma inequívoca”, pelo eleitorado português.
“Todos devemos ser capazes de dialogar e colocar o interesse nacional acima de qualquer interesse”, disse o líder social-democrata, perante uma sala cheia de apoiantes, no hotel lisboeta em que decorreu a bem-sucedida noite eleitoral da coligação entre PSD e CDS. Apresentando o programa da AD como uma alternativa que foi sufragada pela segunda vez, Montenegro defendeu que “não há outra solução de Governo”, pois “do ponto de vista aritmético só sobraria uma coligação entre o PS e o Chega, o que disse não lhe parecer crível.
Na hora da vitória, já depois de Pedro Nuno Santos ter apresentado a demissão e André Ventura reclamado o estatuto de líder da oposição, Montenegro dirigiu-se aos apoiantes, rodeado de familiares e dos ministros que ainda não garantiu reconduzir, ao som do hino de campanha “Deixa o Luís Trabalhar”. Agradeceu o apoio e a solidariedade da família de sangue e da família política, falou das eleições “que foram antecipadas e não foram exigidas pelas pessoas” e disse que os portugueses “querem uma legislatura de quatro anos e exigem a todos que percebam, respeitem e honrem a palavra” decorrente da vontade popular que às oposições “cabe respeitar”.
“O povo quer este Governo e não quer outro. O povo quer este primeiro-ministro e não quer outros. O povo quer que este Governo e este primeiro-ministro respeitem e dialoguem com as oposições, mas também quer que as oposições respeitem e dialoguem com este Governo e com este primeiro-ministro”, disse Montenegro, prometendo continuar “a ser, como sempre fomos, o Governo para todos, todos, todos”. Uma meta que disse implicar “não falhar aos reformados e pensionistas”, “continuar a levar a cabo mais regulação da imigração, segurança, combate à criminalidade grave e à corrupção e reforço das Forças Armadas”. Mas também “valorizar o trabalho e rendimentos dos portugueses”, “reforçar o investimento para criar mais riqueza e gerar mais prosperidade” e também “valorizar os trabalhadores da Administração Pública”.
As palavras dirigidas aos principais partidos da oposição começaram mais de uma hora antes, quando o líder do CDS, Nuno Melo, disse que o aumento da vantagem da AD sobre o PS “é um sinal de que os portugueses esperam dos socialistas sentido de responsabilidade”.
Numa altura em que Pedro Nuno Santos ainda não tinha anunciado a decisão de se demitir, o também ministro da Defesa deixou implícito que a AD pretendia condições de governabilidade vindas do PS, numa conjuntura em que o Chega aumentou o seu grupo parlamentar para pelo menos 58 deputados (tantos quanto os socialistas). O parceiro de coligação disse ainda que neste domingo “fez-se justiça à AD, com grande vantagem para Portugal” e elogiou Luís Montenegro, que continuará a “fazer o que não havia razão nenhuma para ser interrompido”. Num horizonte de quatro anos, em vez de 11 meses, e com “sentido de missão e um grande espírito reformista”.
Para os apoiantes da AD, concentrados num hotel lisboeta, o clima era de alegria, com gritos de “vitória” a fazerem-se ouvir em crescendo ao longo da noite. Mas também foi dedicada particular atenção aos derrotados da noite, cujas palavras eram ouvidas nos ecrãs distribuídos pela sala. A começar por Mariana Mortágua, reduzida a deputada única, cujas declarações referentes à “boa campanha do Bloco de Esquerda” mereceram gargalhadas. Também Pedro Nuno Santos não foi poupado no discurso de derrota, com gritos, risos e apupos, enquanto André Ventura cometeu o “pecado” de atrasar o discurso de Luís Montenegro, teve aplausos de cada vez que falhas de emissão calavam o seu discurso e acabou silenciado pelos ruidosos hinos de campanha da AD.
Terminada a contagem oficial dos votos, embora faltem os da emigração, nos quais a coligação espera manter o eleito do círculo de Fora da Europa e conquistar ao PS um mandato no círculo da Europa, a AD garantiu 89 deputados, conquistando dez mandatos ao PS. Assim sucedeu em Lisboa, Porto, Viana do Castelo, Vila Real, Viseu, Coimbra, Castelo Branco, Santarém, Setúbal e nos Açores, retirando aos socialistas o estatuto de partido mais votado em Coimbra, Castelo Branco e Santarém. Mas mesmo que a próxima Assembleia da República venha a ter 91 deputados da AD (89 do PSD e dois do CDS), e mesmo que possa fazer entendimento com a Iniciativa Liberal, que limitou o crescimento eleitoral a mais um deputado do que em 2022 e 2024, terá consigo precisamente uma centena de deputados. Dezasseis a menos do que a maioria absoluta.
Para o parceiro de coligação dos sociais-democratas houve um amargo de boca ao longo da noite de domingo, visto que, além dos mandatos garantidas para Nuno Melo (segundo da AD no Porto) e Paulo Núncio (quarto em Lisboa), o CDS duplicaria o grupo parlamentar se a coligação obtivesse 16 mandatos nos dois principais círculos nacionais, em vez dos 14 que foram eleitos nas legislativas de 2024. Houve momentos em que o objetivo parecia mais alcançável, sobretudo no Porto, mas a AD só conseguiu subir de 14 para 15 deputados nesses círculos, ficando a 104 votos de eleger o 16.º pelo Porto.