O Governo começou o dia e assim continuou durante a tarde com o tema imigração na agenda. Pela manhã, o ministro da Presidência, António Leitão Amaro, apresentou a nova versão da Lei dos Estrangeiros, 47 dias depois do chumbo do Tribunal Constitucional (TC). À tarde, no plenário do Parlamento, o primeiro-ministro Luís Montenegro foi obrigado a colocar a imigração no centro do debate logo no início, em resposta às intervenções do líder do Chega, André Ventura. No primeiro discurso, intitulado “Impulso reformista e credibilidade económica e financeira”, o chefe do Executivo falou sobre a saúde. André Ventura, na primeira intervenção, frisou que a culpa do estado do setor da saúde em Portugal é porque “está a entrar imigrantes e, por isso, não há saúde para todos”. Este foi o primeiro de vários ataques aos imigrantes e ao Governo de Luís Montenegro, com a troca de declarações focada na imigração durante mais de 30 minutos.Os ataques do líder do Chega em como há um descontrolo na imigração contrastam totalmente com as palavras de António Leitão Amaro pela manhã que celebrou o “aperto” na entrada de imigrantes. Esta foi a condição que o Governo colocou como imperativa há mais de um ano, quando pôs fim ao mecanismo das manifestações de interesse e, agora, põe na lei que cidadãos da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) não poderão pedir um título de residência se entrarem no país sem visto. “Nós estamos a acabar com o tempo em que a ideia era vir para Portugal e logo se vê”, começou por dizer o ministro na conferência de imprensa..À tarde, em tom de ameaça, o líder do Chega declarou surpresa sobre o novo texto da Lei dos Estrangeiros. “Notei com algum espanto as notícias que o Governo tinha dado entrada com o novo projeto de estrangeiros. Não sei porquê, nem como, nem quem. Da parte do Chega, ninguém foi contactado sobre isso. Mas vou-lhe dizer uma coisa, senhor primeiro-ministro. A arrogância é má conselheira geralmente”, vincou André Ventura. “Nas últimas eleições já percebeu isso. E também pensava que tinha percebido que este não era um Parlamento de maioria e que não vale nada, com todo o respeito, pôr um ministro seu a falar, à segunda, à terça, à quinta, sobre a imigração. Quando chega o momento, são tão frouxos na imigração como o Partido Socialista”, complementou, numa clara referência ao novo projeto apresentado pela manhã na sede do Governo.As mudançasNo novo texto da lei, criado para não ser chumbado novamente pelos juízes do Palácio de Ratton e para ser promulgado por Marcelo Rebelo de Sousa, o Governo fez ajustes. Manteve o padrão de dois anos para a generalidade do reagrupamento familiar, com exceções para casais com filhos (que podem pedir sem prazo mínimo), e para casais sem filhos (prazo de um ano), além da ausência de prazos mínimos para profissionais altamente qualificados, vistos gold e para quem tenha cartão azul da União Europeia (casado com cidadãos europeus). Foi igualmente mantido o prazo de nove meses para a decisão do pedido de reagrupamento familiar, podendo ser prorrogado, além da limitação às ações judiciais, que passam a tramitar sem urgência. E, mesmo nos casos em que seja admitida a urgência, os juízes poderão levar em conta a situação de meios humanos e recursos da Agência para Integração, Migrações e Asilo (AIMA) na decisão. Atualmente, existem mais de 100.000 processos contra a AIMA no tribunal administrativo. As medidas de integração e comprovação expressa de contrato de arrendamento e meios de subsistência é clara na letra da lei, além da manutenção destes requisitos para que o reagrupamento possa ser renovado. “Nós limitamos fluxos migratórios. Mas, sim, nós também respeitamos profundamente a dignidade da pessoa humana e da família. Esta lei, com estas confirmações agora introduzidas, e já na sua versão original, é uma lei própria de um governo e de uma maioria que são moderados e reformistas”, definiu o ministro, a utilizar a palavra “reformista”, também usada pelo primeiro-ministro no debate.Aos jornalistas na apresentação do texto, António Leitão Amaro parecia já prever críticas por parte do líder do partido Chega, que ajudou a aprovar a primeira versão da lei, entretanto chumbada pelo TC. “Vários dos que aprovaram a primeira versão da lei poderão dizer que preferiam uma lei diferente. Também nós. Mas esta é a lei que é possível aprovar e é muito melhor ter esta lei (...) do que lei nenhuma e não termos o controle de imigração que o país precisa”, alertou o ministro da Presidência.As declarações de André Ventura deixaram claro que, de facto, o seu partido considera as medidas “frouxas” e que o Governo “voltou atrás por causa do Presidente em fim de mandato”, mas que o Chega “não vai voltar atrás” nesta matéria. Luís Montenegro argumentou que André Ventura fala em “desinformação” e que “roça o ridículo”. Nas intervenções, o deputado repetiu afirmações que já foram comprovadas por várias autoridades como falsas, nomeadamente que filhos de estrangeiros tenham prioridade em vagas nas escolas ou que imigrantes possuem prioridade no Sistema Nacional de Saúde (SNS). Sobre outro assunto, Ventura acusou o Governo de criar a Unidade de Estrangeiros e Fronteiras (UNEF) “sem sede, sem viaturas, sem meios”. No entanto, como uma reportagem do DN já mostrou, a UNEF tem sede num prédio em Lisboa, que está a passar por reformas, bem como 1200 profissionais e equipamentos. O investimento total é de 90 milhões de euros..Ministro garante que AIMA vai funcionar melhor em 2026.E André Ventura foi praticamente o único a falar de imigração no debate. Rui Tavares citou brevemente o tema, ao defender que o Governo olhe para os imigrantes, destacando as contribuições para a Segurança Social e que “um país dividido não prospera nem avança”.O assunto imigração voltou quando Hugo Soares, líder parlamentar do PSD, ridicularizou André Ventura sobre o “não voltamos atrás” na matéria de imigração. Ao citar vários momentos em que o líder do Chega “voltou atrás”, como quando disse que não se candidataria a Presidente ou quando defendeu em 2019 o fim do Ministério da Saúde. “O senhor deputado faz-me lembrar um caranguejo (...) já ninguém acredita em si”, disparou contra André Ventura.O futuro da imigração O futuro da imigraçãoCom o cenário em aberto sobre qual partido apoiará o Governo na nova versão da lei, é certo que o Executivo de Luís Montenegro confia na aprovação da lei. “Portugal precisa mesmo de uma nova lei de estrangeiros. É importante e é urgente. É importante por Portugal, é importante pelos portugueses, mas é importante também para que os cidadãos estrangeiros e imigrantes estejam recebidos com dignidade”, apelou mais cedo António Leitão Amaro.Quando questionado sobre audições e acordos políticos, o ministro citou que reuniu-se com todos os partidos com assento parlamentar. “Nós, quando tivemos essas reuniões, já lhes relatámos o espírito destas mudanças. Todas. Tudo o que aqui está. A linha, o tipo de exceções, as cláusulas do Estado, a exigência das medidas de integração, a prorrogação do prazo. Falámos aos partidos com os quais eu reuni. Todos. Ou vão-se pronunciar ou não se vão pronunciar”, explicou. “Mas sabemos, todos terão ideias ligeiramente diferentes sobre se esta é a lei ideal. Nós próprios, como disse, preferimos a primeira versão. Mas respeitamos. Agora, a escolha é esta. Nenhuma lei, ou esta lei que é a melhor possível. Nós achamos que é necessária a lei que é a melhor possível. Agora é o tempo do parlamento”, declarou.O DN sabe que o objetivo do Governo é tentar aprovar as mudanças o mais rápido possível, com a primeira votação já marcada para o dia 30, a próxima terça-feira, às 10:00. Há pressa também nas mudanças na Lei da Nacionalidade, que estão em fase de audições. Mas as mudanças não param por aqui. O Executivo tentará diminuir os prazos para deportação de imigrantes, uma decisão baseada numa recomendação de um grupo de trabalho formado por especialistas no assunto. amanda.lima@dn.pt.Reagrupamento familiar: Governo diminui de dois para um ano prazo em alguns casos.Governo fecha as portas ainda mais à imigração. “Economia terá que se adaptar”, diz ministro