Esteve um ano como deputado, como foi o mandato? Foi o meu primeiro contacto com a política. Como sabe, não estou filiado em nenhum partido político e continuo a não estar. Acho que sou dos raros deputados da Assembleia da República (AR), senão o único, que não está filiado. Nem quer estar? Não faz muito sentido. Tenho conseguido trabalhar com o PSD e com o seu grupo parlamentar sem ser filiado, porque me identifico com o que têm defendido, nomeadamente para a Saúde e para a Habitação. E o programa que o PSD fez para as últimas eleições - o de agora não deverá ser muito diferente -, foi, de facto, a pensar nas pessoas, sobretudo as mais frágeis. Identifico-me com isso. Já me identificava enquanto bastonário da Ordem dos Médicos, por exemplo, relativamente a medidas para proteção dos mais vulneráveis, como doentes oncológicos que precisavam de medicação e não conseguiam ter acesso a ela. Mas como foi a sua experiência na AR? Gostei, embora saia um pouco desiludido. A AR funciona de forma muito burocrática. Não sei se as pessoas têm ideia disso. Por exemplo, uma série de projetos de lei e de resolução que demoraram um, dois, três, quatro meses a fazer e a serem aprovados em plenário, caíram com a dissolução. Voltou tudo à estaca zero. Havia quatro projetos de lei, um deles sobre Procriação Medicamente Assistida, para conseguirmos, de alguma forma, aumentar a taxa de natalidade em Portugal. O projeto foi aprovado por unanimidade no plenário e mesmo assim encontra-se agora na estaca zero. A AR é um pouco a imagem do país no excesso de burocracia, entre passos e procedimentos, que, obviamente, tornam tudo mais lento. Enquanto bastonário fez críticas muito duras aos governos PS, permitindo a ideia de que estava a pensar ‘entrar’ na política. Em que momento decidiu avançar? Apenas quando Luís Montenegro me lançou o desafio de me candidatar às eleições legislativas. O desafio de ser cabeça-de-lista pelo distrito do Porto. Foi um grande desafio. O distrito do Porto tem um peso muito grande nas eleições, como, aliás, se verificou: tivéssemos tido o mesmo número de deputados do PS - tivemos mais um- e ficaria o PS a governar. Foi, portanto, um desafio grande que aceitei. Porquê? Achei que os oito anos de governo socialista não estavam a ser eficazes para a resolução dos problemas das pessoas. E o governo do PSD (AD), está? Sem querer fazer política, conseguimos fazer coisas na habitação, na saúde, na educação. Havia um braço de ferro entre professores e o Governo socialista, que nunca mais era desbloqueado, e que este Governo desbloqueou rapidamente. Os problemas da educação não estão todos resolvidos, mas, pelo menos, a relação com os professores foi alcançada. Aconteceu o mesmo com os bombeiros, com os técnicos do INEM. Foi defensor do Plano de Emergência e Transformação da Saúde (PETS). Como explica hoje a um português que a Saúde está melhor, se há serviços de urgência a fechar todos os fins-de-semana, quando se passam inúmeras horas até ao atendimento e quando no final de 2024 havia mais de sete mil doentes oncológicos à espera de tratamento fora do tempo adequado? Está melhor porque tem hoje um financiamento melhor do que quando o recebemos, porque foram concretizados acordos com sindicatos dos enfermeiros, médicos e farmacêuticos, o que trouxe paz social ao setor. Depois, dentro do que é o PETS, independentemente de poder ser criticável, 80% das medidas urgentes e prioritárias estão concluídas. . Benefícios concretos aos cidadãos? As pessoas mais frágeis, com complemento solidário para idosos, passaram a ter todos os medicamentos gratuitamente. Estamos a falar de uma medida para mais de 140 mil pessoas, muitas das quais tinham de decidir se comiam uma sopa ou se compravam medicação. Digo mesmo que esta foi a medida mais humanista que o governo tomou. Significou também uma redução nos tempos médios de espera nos serviços de urgência em cerca de 21%. Mas, mais importante, os doentes a quem é atribuída a prioridade laranja (urgentes) reduziram em 36%. Os doentes com pulseira amarela reduziram em 23%. E isto foi fundamental para o funcionamento das urgências. Além do mais, se formos olhar para o projeto Ligue Antes, Salve Vidas, implementada pelo governo anterior, com projeto piloto na Póvoa de Varzim, vemos que teve um sucesso absoluto. Mais de meio milhão de doentes que iriam às urgências foram orientados para consultas nos centros de saúde. Significa que o PETS está a ter algum impacto. Gostaria de ter o lugar que teve Fernando Araújo, ex-diretor-executivo do SNS, com os poderes que então ele tinha? Nunca pensei nisso, também não fui convidado. Fui deputado e gostei muito, mas deixe-me dizer-lhe que não ando aqui à procura de lugar. .“Não foi surpresa para mim não ser cabeça de lista pelo Porto. O primeiro-ministro considerou que perante o chumbo da moção de confiança tinha de sufragar o Governo. Por isso, resolveu colocar, maioritariamente, ministros como cabeça de lista.”. Voltando ao quadro eleitoral. A estratégia de Montenegro foi fazer avançar os ministros para cabeça de lista, mas sendo a Saúde uma área tão importante e tendo o PS escolhido Fernando Araújo para cabeça de lista pelo Porto, também um independente, não faria sentido que o primeiro-ministro o tivesse mantido como cabeça de lista pelo Porto? Não sou eu que decido. Mas tem uma opinião. Não foi surpresa para mim não ser cabeça de lista pelo Porto. Falaram comigo. O que aconteceu é que o primeiro-ministro considerou que perante o chumbo da moção de confiança que apresentou tinha de sufragar o Governo. Por isso, resolveu colocar, maioritariamente,ministros como cabeça de lista. No caso concreto do Porto, Paulo Rangel, número dois do Governo pelas funções que desempenha. Nestas circunstâncias, obviamente, eu só podia passar para quarto lugar. O que será um bom resultado para Paulo Rangel? Penso que pode chegar aos 15 ou 16 deputados. Abaixo disso será mau resultado? É um resultado que fica aquém. Vai continuar a ser o porta-voz do PSD para a Saúde? Para já sim. Se for preciso fazer um debate com o Fernando Araújo estarei lá e terei o maior prazer. Conheço-o há muitos anos, fomos colegas de faculdade, somos amigos. Foi diretor do Hospital de São João, acompanhei a carreira dele como secretário de Estado e, mais recentemente, como diretor executivo do SNS. De resto, aquilo a que os socialistas chamam de grandes reformas do PS, como a transformação de todas as unidades em Unidades Locais de Saúde (ULS), foi ele que as fez. A ministra precipitou-se a substituí-lo? A ministra não o substituiu. Ele demitiu-se. Mas podia não ter aceitado a demissão. É verdade, mas aceitou. As relações entre eles não eram as melhores... Provavelmente não. Fernando Araújo estava muito ligado ao anterior ministro. A primeira coisa que Manuel Pizarro fez quando assumiu a pasta foi ir buscar o Fernando. Portanto, na prática, ele tem uma ligação muito forte à direção executiva do SNS, e estava preparado para a assumir. Mas a ministra seguiu o caminho que tinha a seguir. Ele demitiu-se, ela arranjou uma alternativa. Que não funcionou. Foi a que foi. António Gandra d’Almeida não se demitiu por incompetência, mas devido a uma polémica em que foi envolvido. . Indo ao Porto, a cidade onde nasceu, verdadeiramente era com Manuel Pizarro que gostava de se bater para a Câmara. Foi uma desilusão grande não ter sido escolhido como candidato? Sim, foi. Mostrei a minha disponibilidade para ser candidato à Câmara do Porto. Não aconteceu. Porque é que lhe agradava tanto? Porque a experiência autárquica tem de acontecer num local em que exista paixão. Não faz sentido uma pessoa ser presidente de uma Câmara Municipal de uma terra à qual não tem ligação. Eu tenho uma grande ligação ao Porto, nasci aqui, apesar de ter passado a infância em Espinho, voltei para estudar, comecei a trabalhar aqui. Viana foi outra hipótese? Sim. Tive um convite direto, mas não aceitei. Gondomar e Valongo poderiam ser hipóteses? Foi convidado. É um assunto que ainda está a ser equacionado. O que fui dizendo às pessoas que me convidaram é que é muito complicado ficar na câmara de uma cidade que não conheço bem. O PSD anunciará o candidato a Gaia só depois de 18 de maio. Não tendo vivido em Gaia, aceitaria? Antes é preciso que exista um convite. Se me convidarem, tenho de pensar, porque é um desafio imenso. Gaia é uma câmara do Partido Socialista e, à partida, um desafio que pode estar perdido, mas esses são os melhores. O que acha que o primeiro-ministro quer de si para os próximos quatro anos, no caso do PSD vencer as legislativas? Creio que quer que continue a contribuir para aquilo que é o programa do Governo, nomeadamente na área da Saúde, na qualidade de deputado. Ministro da Saúde? Não vejo essa hipótese. Estaria disponível para o cargo? Vamos esperar. Acho que a ministra tem feito um bom trabalho, com algumas dificuldades, é verdade, mas as expectativas eram muito altas, dado o estado em que o SNS se encontrava. Não esqueço que quando António Costa iniciou o seu primeiro mandato veio dizer que era objetivo do seu Governo atribuir médico de família a todos os portugueses. Na altura, cheguei a comentar numa entrevista que isso só aconteceria com muita dificuldade. Montenegro prometeu o mesmo e não cumpriu. Estou a dizer-lhe que as expectativas colocadas eram muito elevadas e o objetivo era atribuir um médico de família a todos os utentes e alcançar o cumprimento integral dos tempos máximos de resposta garantidos. Sempre achei que eram dois objetivos muito difíceis. Primeiro, porque temos uma população muito envelhecida, a precisar cada vez mais de cuidados. Depois, porque a população aumentou devido à forte imigração. Os dados agora divulgados vêm-me dar razão. Afinal, não temos 400 mil imigrantes, temos 1,6 milhões, o que tem um grande impacto na Saúde. Dar um médico de família a todas as pessoas é muito difícil. Não só porque há médicos que deixam o SNS, mas porque nem todos os que lá estão exercem as funções de médico, têm outras funções, nomeadamente em áreas de direção. Mas está disponível para ser ministro ou não? Acho que a ministra, neste momento, e pelo trabalho que fez, deveria continuar. Julgo que é o que vai acontecer, mas quem pode responder a isso é Luís Montenegro. No PSD, há assim tantas figuras ministeriáveis para a Saúde, que juntem conhecimento da área e experiência política? As pessoas que podem ter a pasta da Saúde não têm necessariamente de ser médicos. Paulo Macedo, quando ministro da Saúde, esteve muito bem. Liderou o ministério numa altura crítica para Portugal, estivemos falidos e recuperávamos com a presença da Troika, mas, mesmo assim, conseguiu fazer mudanças na política dos medicamentos - éramos o país da Europa com os genéricos mais caros e passámos a ser o que tem estes medicamentos mais baratos. Instalou um sistema de combate à corrupção relacionada com a medicação e conseguiu negociar com os sindicatos das classes profissionais. O que quero dizer é que não é preciso uma pessoa com experiência política nem com um grande conhecimento da área no dia- a- dia. O que é preciso, então? Um ministro da Saúde tem de ser um gestor brilhante. Mas, antes de mais, tem de ser uma pessoa reconhecida pela sociedade e, sobretudo, por quem faz acontecer na Saúde todos os dias. É importante que profissionais e doentes reconheçam que está a fazer um bom trabalho, que se está a esforçar e que está a conseguir dar resposta a algumas das suas necessidades. A confiança dos profissionais e uma boa capacidade de negociação são fundamentais, porque quase tudo depende de uma boa negociação. Não se consegue levar avante uma reforma estrutural se não se tiver a confiança das pessoas. .“Acho que a ministra [Ana Paula Martins] tem feito um bom trabalho, com algumas dificuldades, é verdade, mas as expectativas eram muito altas, dado o estado em que o SNS se encontrava.”.Foi um erro esta ministra entrar em conflito com a Federação Nacional dos Médicos (Fnam) e negociar só com o Sindicato Independente dos Médicos (SIM)? Não sei se foi a ministra que entrou em colisão com o sindicato ou se foi o sindicato com a ministra. A ministra estava a negociar com os médicos na sequência da negociação que já tinha sido feita com o anterior ministro. Manuel Pizarro negociou aumentos de ordenados e o regime de Dedicação Plena com o SIM e só com este sindicato chegou a acordo.Era este o acordo que o SIM queria? Se calhar, não. Os sindicatos querem sempre mais. Não tarda voltam à carga. Quanto à Ordem, tem sido boazinha com este Governo? Não me meto no trabalho que a Ordem está a fazer. Esse será avaliado pelas pessoas. Equaciona um regresso? Não, com toda a certeza. Ana Paula Martins fica para a história como a ministra que não fazia ideia de que ia haver uma greve no INEM em simultâneo com uma da Administração Pública? Esse assunto ainda está a ser esclarecido, mas repare que quem define serviços mínimos durante uma greve são as instituições. O INEM tem autonomia e funções delegadas para isso. Portanto, obviamente que o INEM deveria ter negociado com os sindicatos dos técnicos o que deveriam ser os serviços mínimos. A marca desta ministra é ter aprovado um plano para a Saúde. Podemos criticar o plano, mas pela primeira vez, e desde que me recordo, há um Plano de Transformação para a Saúde. Para terminar, é candidato às legislativas mais uma vez, mas o que gostava mesmo de fazer? Neste momento, estou convicto que vamos ganhar as eleições e estou focado no que vou fazer como um dos candidatos a deputados. Mas há algo de que sinto sempre uma grande saudade. Do meu hospital, o São João, e da Faculdade de Medicina do Porto, onde me formei. É a minha ‘casa’, onde estaria mais confortável, mais do que na Assembleia da República. Como presidente do Conselho de Administração? Seja para o lugar que tenho neste momento, assistente graduado de urologia, seja para outro lugar. Veremos.