Poder
14 fevereiro 2019 às 23h04

Catarina Silva, uma portuguesa que vai combater na República Centro-Africana

A primeiro-cabo de Cavalaria é a segunda das duas mulheres que integram, pela primeira, vez uma unidade de combate do Exército ao serviço da ONU.

Manuel Carlos Freire

O sonho de Catarina Silva em seguir a carreira militar levou-a a candidatar-se ao Exército, assim que terminou o ensino secundário e quando era ainda menor. Mas, das duas vezes que já concorreu aos quadros permanentes, o azar atrasou-lhe a concretização dessa vontade.

Esse azar apresentou-se primeiro sob a forma de uma anemia, quando em 2017 concorreu à Academia Militar (AM) e à Escola de Sargentos do Exército (ESE). Este ano, ao candidatar-se de novo à AM, surgiu através de um pé partido. "Até entrar, voltarei a tentar", assegura aquela que é a primeira mulher na categoria de praças a integrar uma unidade de combate na República Centro-Africana (RCA).

Apontadora numa viatura blindada Pandur com metralhadora pesada (calibre 12.7 mm) operável por controlo remoto (RWS, sigla em inglês), a primeiro-cabo Catarina Silva faz parte da guarnição chefiada pela primeiro-sargento Maria Campino - a segunda das duas mulheres da arma de Cavalaria que fazem parte do 5.º contingente de capacetes azuis a destacar este mês para a RCA.

Catarina Silva, que falou com o DN após a entrega do estandarte nacional ao comandante da força, tenente-coronel Rui Moura, enfrentou a sua primeira contrariedade logo no início (2015): foi obrigada a adiar o momento de vestir a farda pela primeira vez.

Natural de Guimarães "com muito orgulho", acentua, a então adolescente que convenceu o irmão a candidatar-se também ao Exército explica que não podiam entrar os dois na mesma altura - pelo que a sua incorporação ocorreu um mês depois e quando já tinha celebrado os 18 anos.

"Sempre fui mais maria-rapaz. Gostava de filmes de guerra, de carros, de armas", conta, com uma naturalidade que não esconde o desconforto de estar a falar com a imprensa pelo facto de ser mulher.

Feita a recruta no Regimento de Infantaria 10, em São Jacinto (Aveiro), Catarina Silva escolheu o Regimento de Cavalaria de Braga - por estar próximo de casa - para servir nas fileiras e tornou-se apontadora nas viaturas de oito rodas Pandur.

"É para ser eficaz"

"Superei as expectativas, sinto-me integrada no grupo e não gosto do destaque por ser mulher nem por ser uma das primeiras a servir numa unidade de manobra" na RCA, assume a orgulhosa primeiro-cabo, com uma espingarda de assalto G3 nas mãos.

A viatura das duas Silvas integra o chamado módulo das Pandur, que atua com quatro unidades no apoio à força de combate constituída por comandos nos próximos seis meses: duas de transporte de pessoal e duas RWS (que também levam soldados).

O tenente Hugo Oliveira, chefe de uma das viaturas e comandante do módulo das Pandur, diz que controla as várias viaturas em operação - mais uma ambulância e outra de reboque caso sejam necessárias - através do sistema de comunicações interno.

Numa operação, adianta, "o mais adequado é as quatro Pandur operarem em conjunto", embora duas possam participar numa manobra de assalto enquanto outras duas fornecem apoio à força de infantaria - que na RCA atua como força de reação rápida do comandante operacional da ONU.

Questionado sobre se o atirador colocado na torre das Pandur tem um assento próprio, que lhe permita viajar centenas de quilómetros - quatro no caso das operações em Bambari - naquela posição, o tenente de Vila Nova de Famalicão responde que não.

A primeiro-cabo Silva acrescenta de imediato: "Não é para ser desconfortável mas para ser eficaz" que as Pandur não têm um assento para o militar que vai agarrado à metralhadora da torre - a exemplo dos Humvee e das novas viaturas blindadas ligeira URO.

Certo é que o apontador das RWS vai sentado, como é o caso de Catarina Silva, pois o sistema de tiro dessa versão das Pandur - com uma metralhadora pesada M2HB - é operado remotamente a partir do seu interior e a 360 graus.

Sempre firme, a militar que opera através de um monitor e controla a arma com o chamado punho de apontador também não hesita em explicar porque é que, tendo o 12º ano, não concorreu logo à AM: "Não queria ir com a noção de uma civil, mas já ter experiência militar."

"Compensa mais ter um ano como militar" antes de entrar para os quadros permanentes, insiste, aludindo implicitamente a uma regra vinculativa para os soldados que querem tirar o curso de primeiros-cabos.

À despedida e de forma inesperada, mas talvez natural em quem só quer ser tratada como soldado, exclama: "Tenho 21 anos!"