"Quem quer que sejas e onde quer que estejas, a depressão nunca te abandona"
"Quem quer que sejas e onde quer que estejas, a depressão nunca te abandona. Todos os teus "eus" estão lá dentro. Um novo "eu" pode entrar, mas nenhum dos outros pode sair. A questão é: quem é que está a conduzir em determinado momento?" A declaração, poderosa, é de Bruce Springsteen. The Boss, como é conhecido, prepara-se para lançar uma autobiografia no próximo dia 27, na qual revela os seus "eus" e a batalha que trava contra uma depressão crónica.
Born to Run não é apenas o título de um dos seus maiores sucessos. É também o desta obra sobre aqueles seus vários "eus". A família, a infância, os seus ídolos e os primeiros anos de uma carreira que está prestes a celebrar cinco décadas são detalhados em mais de 500 páginas, que serão publicadas quatro dias depois da edição de um disco complementar com material inédito - cinco temas, três deles gravados entre 1966 e 1972, quando integrava os Castiles e os Steel Mill.
Em jeito de aperitivo, Springsteen deu uma entrevista à edição de outubro da revista norte-americana Vanity Fair, para a qual se deixou fotografar pela célebre Annie Leibovitz. Explica que ao longo dos últimos 30 anos teve acompanhamento de um psicoterapeuta por sofrer de depressão crónica e que um dos seus maiores receios é que a doença se agrave com a idade. Porque não quer que aqueles que lhe são mais próximos vivam o que ele próprio viveu com o pai, que sofria da mesma patologia. "Posso ficar assim tão doente e tornar-me mais parecido com ele?", questiona-se, afirmando ainda que a mulher, a cantora Patti Scialfa - com quem é casado desde 1991 e que assistiu aos seus piores momentos - testemunhou como Springsteen se transformou, em determinadas alturas, num "comboio de carga a descarrilar".
A fase mais difícil foi em 2012, durante o período de gravação do álbum Wrecking Ball, e é por isso que este disco incluiu o tema This Depression (Esta Depressão). "Eu estava acabado entre os 60 e os 62 anos. Fiquei bem durante um ano e voltei a ter o problemas a partir dos 63 até aos 64 anos", escreveu.
As alturas em que a doença mais se manifestava era "depois dos concertos, quando tudo muda". "Tocar coloca-me num estado tremendo de euforia. Há sempre aquele momento perigoso, em que nos sentimos invencíveis. Quando a cortina cai, chega o impacto da realidade. É quando percebo que há um tempo finito para continuar a fazer o que faço", explica.
Sete anos a escrever
Bruce nasceu a 23 de setembro de 1949 em Long Branch. É filho de Adele Ann, uma secretária de ascendência italiana, e de Douglas, um motorista de autocarros de origem holandesa e irlandesa. Deste, diz no livro, num ouviu um "gosto de ti". "Dava para ouvir a voz dele a tentar formar a frase, mas as palavras nunca conseguiram sair." Doug morreu em 1998.
O pai de Springsteen "era uma figura ao estilo [Charles] Bukowski", refere o próprio, mas não era o único com um histórico de transtornos. Contam-se, entre outros, familiares com agorafobia (medo intenso de estar em público) e tricotilomania (síndrome que leva a pessoa a arrancar os próprios cabelos).
"Eu venho de uma cidade onde quase tudo é tingido com uma pitada de fraude. Eu também", lê-se no prefácio de Born to Run. "Este livro é a continuação dessa [minha] história e uma busca pelas minhas origens", prossegue. "Uma das questões que os fãs me colocam frequentemente é "como é que consegues?". Nestas páginas vou tentar dar umas luzes sobre como e, mais importante do que isso, sobre porque é que consigo", escreve o cantor, guitarrista e autor, agraciado com vinte Grammys, quatro American Music Awards e um Óscar.
Num vídeo divulgado na sua página de Twitter, The Boss conta que começou a escrever a sua vida em 2009. "Não sabia se iria sair dali um livro ou qualquer outra coisa. Talvez algo para as crianças... Comecei por aquilo que me parecia o início e fui escrevendo devagarinho", recorda, dizendo de seguida que "passadas umas duas ou três semanas tinha um pedaço de algo". "Durante os sete anos seguintes escrevi intermitentemente. Não tive pressa. Desde o manuscrito original, tudo foi reescrito duas ou três vezes. Foi um processo muito similar ao da escrita das minhas canções."
Independentemente de relatar factos pessoais, Bruce Springsteen confessa que os momentos mais complicados de relatar foram os que se referem à atualidade, "porque incluem pessoas que fazem parte" do seu dia-a-dia.
No final do seu prefácio, fala da pressão que sempre sentiu por parte dos fãs, "sempre à espera de um truque de magia", e apresenta-se como "prova viva" de que nem tudo é o que parece. "Esse é o meu truque de magia. E como qualquer bom truque, começa com preparação. Por isso..."