Pascal Lamy adverte: "A integração europeia será essencial no futuro"

O ex-comissário europeu defende que a Europa, enquanto bloco económico, tem mais a ganhar se se mantiver unida económica, social e politicamente
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A união dos europeus será construída por crises e pela forma como lidarem com elas". A frase de Jacques Delors, um dos "pais fundadores" da União Europeia (UE), citada por Pascal Lamy, sustenta também a opinião do ex-comissário europeu e ex-diretor Geral da Organização Mundial do Comércio, que esteve esta semana em Portugal. Desafiado para participar na 3.ª edição das "Novas Conferências do Casino", uma iniciativa do Círculo Eça de Queiroz, do Grémio Literário e do Centro Nacional de Cultura, que teve como tema "O futuro da Europa e o papel de Portugal", Pascal Lamy partilhou o palco com o economista Vítor Bento. Num formato de conversa a dois, os oradores partilharam a sua visão sobre o tema, concordante em alguns pontos, mais diversa noutros, perante uma plateia que encheu o auditório da Culturgest, em Lisboa.

Envolvido na criação europeia nos últimos 40 anos, o ex-chefe de gabinete de Jacques Delors acredita que a UE está a enfrentar atualmente a sua maior crise em termos de integração económica e política.

"A invasão russa abriu uma ferida na UE que, apesar disso, apoiou desde logo o lado da Ucrânia", diz, recordando que esta é a primeira vez em mais de 70 anos que a Europa está de um dos lados de uma guerra, mesmo que de forma indireta.

Mais forte ou mais fraca?
"O edifício europeu será mais forte ou mais fraco como resultado desta invasão", reforça. Ainda assim, o ex-comissário acredita que "a integração europeia será essencial no futuro" e que a UE terá, em 10 a 15 anos, cerca de 35 Estados-membros.

Seja qual for o resultado da guerra na Ucrânia, o impacto na Europa será enorme, quer do ponto de vista económico, quer geopolítico, quer ainda da forma como se vê a si própria e como é vista pelo resto do mundo. Apesar de não ser possível estimar a duração do conflito, Pascal Lamy não tem dúvidas de que podem avaliar-se, desde já, as forças e as fraquezas do "velho continente".

Na perspetiva de reforço, o ex-comissário aponta a capacidade de gerir crises "bem patente nas últimas duas décadas". A maior parte destas crises foram internas, e por isso mais simples de gerir, mas nos últimos anos têm-se multiplicado os problemas externos como as migrações, a pandemia e agora a guerra.

Ao contrário do que poderia esperar-se, afirma, "a guerra revelou união e determinação entre os Estados-membros e vivemos um bom momento de integração política". Por outro lado, defende, esta situação criou uma maior necessidade de integração e de proteção das populações a ameaças externas. Por último, entre os fatores que considera poderem tornar a UE mais forte no futuro, Pascal Lamy destaca a aceleração da transição energética, impulsionada pela crise do gás, fruto da guerra. "Vemos os Estados-membros ainda mais comprometidos com o green deal", salienta.

Já do lado das potenciais fraquezas, o político francês olha com alguma apreensão para os elementos de crise económica, política e social levantados pela invasão russa e que, se não forem bem endereçados, poderão enfraquecer a União.

Refere-se à escalada dos preços da energia ou da alimentação que fomenta as desigualdades, mas também da tensão política, crescente em alguns países, nomeadamente os que resistem a aplicar as sanções à Rússia. Por outro lado, a reconstrução da Ucrânia levantará, a prazo, questões financeiras, energéticas e de defesa, com as quais será desafiante para a UE lidar.

O ambiente geopolítico decorrente da guerra será outro grande desafio para a Europa e "pode colocá-la numa posição de fragilidade", alerta Pascal Lamy. Por um lado, a relação com a China que pode ser afetada pela crescente animosidade com os Estados Unidos - o maior aliado da Europa -, e, por outro, as relações norte/sul.

"O hemisfério sul não gosta da Europa por variadas razões, e é uma região onde China e Rússia penetraram muito nas últimas décadas", explica, concluindo que "o que importa para o futuro é se a UE consegue ou não ter e ganhar poder".

"O mercado único é um mito"
Concordando com grande parte das opiniões de Pascal Lamy, Vítor Bento manifesta-se preocupado com a perda de terreno da Europa no mundo. Hoje, o bloco económico europeu ocupa o terceiro lugar a nível global, tendo perdido a segunda posição para a China. Em simultâneo, o economista aponta o afastamento face aos Estados Unidos, nomeadamente no que diz respeito a indicadores como a inovação ou o capital humano. "O facto de a Europa não liderar no desenvolvimento tecnológico em nenhuma das novas tecnologias é preocupante", alerta, salientando que está a ficar para trás devido à sua organização económica.

"O mercado único é um mito, dificultado por contradições internas em cada país." O que existe, diz, são vários mercados unidos por regulação, políticas e cultura. O problema é que "tentamos ser "os bons da fita", mas estamos a limitar o desenvolvimento".

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