Opinião. Ser imigrante é um crime perfeito
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Opinião. Ser imigrante é um crime perfeito

"No final, o que os imigrantes querem é simples: viver num país onde não sejam considerados culpados “até que provem o contrário”. Onde a parede não seja o destino inevitável de quem carrega um passaporte estrangeiro"
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Texto: Diogo Batalha

Atualmente, a primeira coisa que um imigrante aprende ao chegar em Portugal é que ele é culpado. Não importa de quê. A moradia está cara? Culpa do imigrante. A espera no sistema de saúde? Culpa do imigrante. As ruas são inseguras? Culpa do imigrante. Esse discurso, repetido por políticos de todos os níveis – o Primeiro-ministro, o Presidente da Câmara de Lisboa e até o Presidente da Junta de Santa Maria Maior –, não é novo. Ele segue uma receita antiga, aperfeiçoada ao longo dos séculos para desumanizar grupos vulneráveis.

A "receita" para a desumanização de imigrantes em 2025 é simples:

  1. Mude as leis da Manifestação de Interesse da noite para o dia.

  2. Trave processos burocráticos até que o tempo faça o trabalho sujo.

  3. Limite o acesso à saúde, à educação e outros direitos básicos.

  4. Organize operações policiais cinematográficas para manter a narrativa.

  5. Diga que vai deportar todos os que estiverem “irregulares”

  6. Sirva a gosto à sua base eleitoral e espere os aplausos.

Essa receita não apenas funciona; ela prospera. Na Rua do Benformoso, por exemplo, uma operação policial em Dezembro revelou como essas narrativas se transformam em prática. Pessoas com o "sotaque errado" ou a "cor errada" foram arbitrariamente revistadas. Em Aracaju, chamamos este tipo de abordagem de “Baculejo” - uma “técnica” utilizada pela nossa Polícia Militar, com práticas herdadas da ditadura brasileira. A ação do Benformoso não se tratou de prevenção ao crime, mas de uma performance cuidadosamente encenada para reforçar nas redes sociais a ideia de que o imigrante é, por definição, suspeito.

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A exclusão do imigrante, no entanto, não para nas ruas. Ela também está embutida na burocracia. A AIMA é um exemplo gritante disso. Os atrasos na regularização de milhares de pessoas não são uma falha técnica ou um acaso. São parte de uma estratégia deliberada de controle e precarização. No Brasil, a indignação já atravessou o Atlântico. Manifestações estão marcadas para 22 de Janeiro em frente aos consulados portugueses de São Paulo, Salvador e Belo Horizonte. Quando um problema local reverbera em escala global, é porque algo está profundamente errado.

Esta narrativa de exclusão não é apenas uma consequência de preconceitos individuais. Ela é uma estratégia deliberada, desenhada para perpetuar desigualdades. Ao manter uma camada da população em situação precária, reduz-se o custo do trabalho, dificultam-se movimentos de resistência e garantem-se os lucros de uma elite que prospera à custa da exploração. De quebra, diminui a possibilidade de mobilidade social de toda uma comunidade vulnerável.

Por trás de cada atraso na regularização, cada operação policial midiática e cada discurso xenófobo, existe um sistema que se beneficia. Quem lucra com isso? Investidores imobiliários que querem bairros vazios para especular? Empresas de segurança que vendem a promessa de proteção em vídeo contra um inimigo inventado? Empregadores que exploram trabalhadores vulneráveis, pagando salários indignos porque sabem que eles não têm outra opção?

Apesar de tudo, há resistência. Movimentos sociais, associações e profissionais de saúde têm se levantado contra essa desumanização. Recentemente, 800 médicos declararam que não seguirão as restrições impostas aos imigrantes no acesso à saúde. A manifestação Não Nos Encostem à Parede, no último dia 11 de Janeiro, reuniu milhares de pessoas nas ruas, provando que há um outro Portugal – um que valoriza a solidariedade e a justiça.

Como alguém que trabalha em comunicação, reconheço quando estão tentando vender um produto que não existe. A narrativa de que imigrantes representam uma ameaça não reflete a realidade de um dos países mais seguros do mundo. O que precisamos perguntar é: por que essa mentira vende tão bem? A resposta está na "receita": ela desvia nossa atenção dos verdadeiros problemas estruturais, oferecendo um culpado conveniente. O criminoso perfeito.

No final, o que os imigrantes querem é simples: viver num país onde não sejam considerados culpados “até que provem o contrário”. Onde a parede não seja o destino inevitável de quem carrega um passaporte estrangeiro. Portugal é pequeno em território, mas não precisa se apequenar em humanidade. A grandeza de uma nação não se mede pelas suas fronteiras, mas pela sua capacidade de acolher o diferente.

*Diogo Batalha é redator há quase duas décadas (e desde 2015 vive em Portugal). É aracajuano desde que nasceu e detesta que não saibam onde Aracaju fica no mapa. Pai de uma pequena portuguesa, tenta achar palavras para explicar até mesmo o que ainda não consegue compreender.

O DN Brasil é uma seção do Diário de Notícias dedicado à comunidade brasileira que vive ou pretende viver em Portugal. Os textos são escritos em português do Brasil.

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