Portugal privilegia o parto normal.
Portugal privilegia o parto normal.GERARDO SANTOS

Opinião. Por que parir em Portugal é tão diferente do Brasil?

"O modelo de assistência português tem evoluído, aos poucos, e ouso dizer que as imigrantes, mulheres e doulas, têm dado um enorme contributo para esta mudança de paradigma".
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Texto: Stéfanie Stefaisk*

Há quem diga que é melhor, há quem diga que é pior. E há controvérsias.

Primeiramente, precisamos desconstruir uma questão muito importante sobre o parto: o corpo das brasileiras, das nigerianas, das canadenses e portuguesas funciona exatamente da mesma maneira. Funciona no sentido fisiológico da coisa. Parir é exatamente igual para todas, em qualquer parto do mundo. Então não, as brasileiras e africanas não são mais “parideiras” porque tem “ancas mais largas”, como muitas vezes somos obrigadas a ouvir nos blocos de parto em Portugal. Isso é uma falácia sem evidência científica nenhuma, embasada no mais puro suco do preconceito e da misoginia. Mulheres de todas as partes do mundo têm plena capacidade de parir, aqui ou em qualquer outro lugar. Foi parindo, de geração em geração, com ancas largas ou estreitas, com estaturas altas ou baixas, que perpetuamos a espécie e estamos aqui, hoje.

E então por que no Brasil a assistência ao parto é tão diferente da portuguesa? Simples, por culpa da cultura, como já diria o antropólogo Michel Alcoforado.

No Brasil, nós vivemos uma epidemia de cesáreas, batendo recordes atrás de recordes. Para se ter uma ideia, somos o segundo país com maior taxa de cesáreas no mundo (57,7% em 2022), atrás apenas da República Dominicana (58%) e à frente de Egito (55,5%) e da Turquia (53,1%), conforme o Ministério da Saúde. Um número longe de dar orgulho.

Esta cifra escandalosa se deve a diversos fatores: uma cultura patriarcal, que desacredita do corpo da mulher e que nos coloca como seres incapazes e frágeis, que precisam ser salvas do parto; a ideia errônea de que a cirurgia é mais segura do que o parto normal e, também, porque convenhamos, a cesárea é muito mais prática e vantajosa financeiramente (para os hospitais e obstetras, é claro).

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Dito isso, é muito importante relembrar que o movimento da humanização do parto, no Brasil, não começou ontem. Em 2012, mulheres já protestavam pelo direito a terem partos em casa, em São Paulo. Em 2013, o documentário brasileiro ‘O Renascimento do Parto’, considerado um dos mais importantes documentários do mundo sobre o tema, foi lançado. Temos casas de parto espalhadas pelo país, temos um legado de enfermeiras obstétricas, doulas e obstetras que lutam há anos para que as mulheres tenham partos bem assistidos, seguros e muito, muito positivos. Nós temos o Sofia Feldman, a maior maternidade e unidade neonatal do Brasil, referência nacional e internacional em assistência humanizada à mulher e ao recém-nascido. Respeita nossa história.

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O grande choque cultural acontece quando nos deparamos com o modelo de assistência português, que sim, privilegia o parto normal, ou seria mais um parto “anormal”? Afinal, não é nada normal o excesso de intervenções ao qual a maioria das mulheres é submetida nos blocos de parto portugueses. No fim das contas, as mulheres têm mais chances de ter um bebê nascido pela vagina, mas não necessariamente uma experiência positiva e do qual possam se orgulhar. E é extremamente violento que as mulheres estejam se submetendo a uma cirurgia, que acrescenta muito mais riscos a si e ao seu bebê, para fugir de partos violentos. A alternativa para uma violência não pode ser outra violência.

O modelo de assistência português tem evoluído, aos poucos, e ouso dizer que as imigrantes, mulheres e doulas, têm dado um enorme contributo para esta mudança de paradigma. Nós, brasileiras, com uma insurreição que nos é tão inata, estamos contribuindo para mexer as peças de um cenário que estava muito confortável e conformado do jeito que estava. De nada, Portugal.

Ainda há muito o que mudar, tanto aqui quanto lá, para que as mulheres possam ter a experiência de parto que merecem. Enquanto isso, a gente continua enfrentando o sistema, na raça e na coragem, que disso a gente entende bem.

Direitos Reservados

*Stéfanie Stefaisk é mãe, jornalista, doula, imigrante e feminista. Acredita que a maternidade é revolucionária e que o matriarcado é a solução para todos os problemas.

O DN Brasil é uma seção do Diário de Notícias dedicado à comunidade brasileira que vive ou pretende viver em Portugal. Os textos são escritos em português do Brasil.

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