É vital dar mais atenção à cooperação entre a UE e a ASEAN
Este ano, os únicos militares estrangeiros convidados a desfilar em Paris a 14 de julho, na tradicional parada comemorativa da nação francesa, foram os indonésios. O presidente Emmanuel Macron, ao decidir assim, mostrou compreender duas questões fundamentais da nova geopolítica: a importância da diversificação das alianças diplomáticas, com um alinhamento múltiplo capaz de aproximar várias regiões do globo, e, por outro lado, o respeito pelo mundo muçulmano moderado. A Indonésia, com quase 286 milhões de habitantes, é o maior país de influência islâmica, para além de ser o quarto mais populoso a nível mundial. Macron também terá tido em conta que se trata de um país que se destaca no seio da ASEAN, a Associação dos Estados da Ásia do Sudeste, um grupo de dez Estados com uma população somada de 700 milhões de pessoas. Em breve serão onze, quando Timor-Leste vencer o veto de Myanmar.
A UE, e não apenas a França, deve considerar a ASEAN e os seus Estados-membros como aliados de grande relevância, quer do ponto de vista político quer económico. Os progressos conseguidos pela região, nas duas últimas décadas, justificam claramente essa prioridade. Sem esquecer que este é um conjunto de países que está a investir seriamente no futuro. Um dos dirigentes da Malásia dizia-me há dias que os reformados europeus poderão, desde já, passar os anos mais tranquilos das suas vidas nos condomínios especializados, digitalizados e medicalizados, que têm sido construídos nos últimos anos. A saúde e o acompanhamento de quem dele necessite são algumas das apostas da região, com isenção de IRS para quem tenha uma reforma vinda de fora.
A Europa tem de estabelecer o máximo possível de pontes. Ao fazê-lo estará em competição direta com a China, que mantém contactos frequentes com a Associação e os seus membros e que deverá assinar com a ASEAN, já em outubro, um novo acordo de livre circulação de um grande número de bens e de cooperação alargada, abrangendo mais de 40 áreas, com especial foco nos domínios digital e da economia sustentável. A atenção que é dada em Beijing a estes acordos é enorme. Esbarra, em certa medida, com as disputas marítimas que existem no Mar do Sul da China, em que o expansionismo chinês entra em confronto com os interesses nacionais das Filipinas e do Vietname. Estes países são o segundo e o terceiro mais populosos da ASEAN. Têm, além disso, uma certa dependência económica, e política no caso das Filipinas, dos EUA.
Tudo ponderado, é um facto que a China está rapidamente a ganhar uma influência indiscutível na região. Embora exista uma certa prudência face ao gigante chinês, as opiniões públicas nos vários países são cada vez mais favoráveis a um aprofundamento das relações com a China. Sobretudo desde o regresso ao poder de Donald Trump: a sua inconstância política, a aparente falta de apreço pelos povos do Sudeste Asiático e o seu apoio sem limites à postura agressiva e injustificável de Israel são importantes fatores de descrédito. Abrem, ao mesmo tempo espaço para parcerias estratégicas entre a Europa e a Ásia do Sudeste.
A UE deve aparecer como um fator de equilíbrio face à crescente dependência dos interesses chineses, e ao não menor desencanto face à política imprevisível de Washington. Existem divergências marcantes nas áreas da governação e dos direitos humanos, mas isso não impede o alargamento dos contactos diplomáticos, do diálogo político e do intercâmbio cultural. A UE deve aparecer como um fator de equilíbrio face à crescente dependência dos interesses chineses, e ao não menor desencanto face aos ziguezagues de Washington. E nunca esquecendo que é fundamental sublinhar que a UE apoia sem ambiguidades as instituições multilaterais e a cooperação internacional, sem quaisquer revivalismos neocoloniais. Estes temas têm muito significado na região, que se sente fragilizada pela espiral da competição imperialista entre a China e os EUA.
A presente estratégia europeia em relação à ASEAN está descrita no Livro Azul EU-ASEAN 2024-2025. É, no entanto, relativamente vaga e tem uma lacuna particularmente importante: não dá ao intercâmbio cultural o relevo que seria necessário, sobretudo por se tratar de duas mundovisões muito distintas. A aproximação cultural, a compreensão das atitudes perante a vida praticadas por outros povos, evitam os preconceitos, facilitam o diálogo político e favorecem o desenvolvimento de ambas as partes. Ao invés, as incompreensões culturais constituem barreiras à cooperação e são, por isso, a primeira questão que deve ser tratada na geopolítica de agora. O entendimento do outro é o primeiro passo na nova maneira de fazer diplomacia. Os países nossos concorrentes, e sobretudo aqueles cujas lideranças nos olham como seus inimigos, sabem que assim é, e por isso alimentam a desinformação.
O que é verdade em relação à ASEAN também o é no que respeita às nossas relações com a África subsaariana. E com a outra face dos EUA, a que sabe que Donald Trump deverá ser não mais que um equívoco do momento na rica história norte-americana.
Conselheiro em segurança internacional.
Ex-secretário-geral-adjunto da ONU