Zelensky: Últimos episódios?
O presidente Zelensky levou para os Estados Unidos da América o seu “plano para a vitória”, embalado pelo sonho em passar para a História como o líder que teve sucesso ao vencer Putin e retomar as áreas ucranianas conquistadas pelos russos. Segundo a média, o plano foi recebido sem muito entusiasmo pelos seus interlocutores, alguns considerando-o apenas como uma “lista de desejos” do presidente ucraniano.
Na sua estadia nos EUA, Zelensky criticou o ex-presidente Donald Trump e foi acusado por membros do partido republicano de tentar interferir nas eleições norte-americanas em proveito dos democratas. Não satisfeito, no seu discurso na ONU criticou novamente a proposta de Brasil e China para o início de negociações diretas entre Ucrânia e Rússia, que vem ganhando apoio de vários países do Sul Global, visando uma paz que atendesse aos interesses dos países em conflito. Segundo afirmou, ao apresentarem essa iniciativa os dois países “estariam escondendo algo” e questionou: “qual o verdadeiro interesse da dupla chinesa-brasileira?”. O presidente Lula rebateu a crítica, afirmando que “se ele fosse esperto, diria que a solução é diplomática, não militar...e que somente a paz vai garantir que a Ucrânia sobreviva enquanto país soberano...”
No âmbito diplomático, todas as oportunidades para evitar a guerra e manter a integridade territorial da Ucrânia foram rechaçadas pelos EUA e seus aliados e pelo próprio Zelensky, que, após a invasão russa, corajosamente decidiu defender o seu país. Quando a oportunidade da paz novamente lhe foi oferecida, logo após o início das hostilidades, ele a rechaçou. Apesar da coragem, lhe faltou sabedoria para preservar a Ucrânia e o seu povo de uma terrível guerra na qual as chances de vitória eram mínimas. Manteve, portanto, os seus inatingíveis objetivos estratégicos de reconquistar todo o território ucraniano que os russos haviam tomado, inclusive a Crimeia.
A partir daí tornou-se um “herói” exaltado pelos governos dos EUA e seus aliados e por boa parte da média Ocidental. O confronto, uma guerra cruenta que dizimava ucranianos e russos e deixava um rastro de destruição principalmente na Ucrânia, passou a ser apresentado como uma luta do Bem contra o Mal, da liberdade contra a tirania e de um jovem “democrata” contra um terrível “autocrata”.
Zelensky era a imagem de um governante moderno, que usava com desenvoltura as redes sociais. Nada de roupas convencionais, nem mesmo quando ia à Casa Branca, ou era aplaudido de pé quando discursava nos parlamentos dos países que lhe apoiavam. Até mesmo uma revista de moda, a norte-americana Vogue, fez uma matéria com ele e sua esposa, com direito à foto do casal na capa. A guerra sendo transformada em assunto de moda...
O sucesso mediático e a falta de experiência como governante em um período de crise e de conflito parecem ter contaminado a sua capacidade de entender as complexidades da guerra e das relações internacionais. Enjaulado na sua própria retórica de que a vitória seria conseguida, continuou alimentando a dinâmica da armadilha da guerra, na esperança de que ao prover mais recursos humanos e materiais pudesse alterar o curso do conflito em seu proveito. A realidade, no entanto, mostrava que os sucessos iniciais ou esporádicos no campo de batalha não seriam suficientes para a tão sonhada vitória. Sempre que isso acontecia, culpava os EUA e seus aliados por não terem fornecido mais ajuda financeira e militar, em uma espiral de chantagem diplomática.
Esse processo atinge o seu clímax agora, quando advoga no seu “plano da vitória” a autorização dos EUA para usar armas e sistemas, principalmente norte-americanos, para atacar instalações estratégicas no interior do território russo, supondo que isso levaria Putin a negociar a paz nos termos ucranianos. A ficção foi logo trazida para a realidade com a resposta russa de flexibilizar a sua doutrina de uso de armamentos nucleares, que pode levar a uma escalada catastrófica.
Zelensky, que desde março se mantém no poder graças à lei marcial que vige no seu país, parece não se preocupar com as ameaças russas, que considera um blefe. Como ator, vivendo na ficção, ele sempre conhecia o roteiro da trama e, como governante, acredita que na realidade isso também acontece. Acredita que o final será feliz para ele e para a Ucrânia. Acredita que para ter sucesso basta imitar o personagem da série Servo do Povo, que o ajudou a conquistar a presidência do seu país. O problema é que a vida nem sempre imita a arte. O final dessa guerra deixará uma Ucrânia destruída materialmente, com milhares de mortos e feridos física e psicologicamente. Como toda guerra gera consequências para os envolvidos, o destino do Zelensky governante é incerto. No final, ele não serviu ao seu povo.
Antonio Ruy de Almeida Silva. Almirante. Doutor em Relações Internacionais pela PUC-Rio. Pesquisador-Sénior do Núcleo de Estudos Avançados do Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense. Membro do Grupo de Avaliação da Conjuntura Internacional (GACINT/USP). Autor do livro A Diplomacia de Defesa na Política Internacional.