Xenofobia define Portugal?
“Portugal o quê? Portugal o quê? Era Portugal qualquer coisa ali no rodapé...”, grita o emigrante desesperado a olhar para a TV porque quem nasce num país pequenino e periférico fica sempre em pulgas quando vê o nome “Portugal” num noticiário no estrangeiro.
No caso, foi na Globonews, principal canal de notícias do Brasil, que passa em rodapé os destaques do portal informativo da emissora, o G1, mas muito depressa, tão depressa que o emigrante desesperado não o conseguiu ler à primeira passagem. Esperou então pela segunda, paciente e cheio de curiosidade - o que será que aconteceu em Portugal que merece notícia no G1 com rodapé da Globonews?
O resultado, porém, foi a deceção de quase sempre: o caso da universidade que fez um curso sobre racismo só com professores brancos. A deceção não deriva do conteúdo da notícia - o absurdo produzido pelo estabelecimento de ensino - mas da repetitiva escolha editorial do que se diz e conta de Portugal no Brasil.
Em Portugal, admitamos, acontece pouca coisa, tanto que a visita de um ator de Hollywood ainda provoca um frenesi comparado ao das idas do bispo à aldeia no século XIX - antes, toda a gente queria chegar ao bispo para lhe beijar a mão, hoje toda a gente quer chegar à versão jovem do Vito Corleone para lhe beijar a mão, não mudou nada (só a selfie em vez do beijo).
Mas, ainda assim, acontece alguma coisa: só em 2024, os 50 anos do 25 de abril, umas eleições com resultados interessantes, um tremorzinho de terra razoável e os incêndios de sempre - pois a esses assuntos, a Globonews, o G1 e demais media brasileiros deram menos destaque do que ao casos de racismo e xenofobia.
Aliás, há um ano um ministro, entretanto transformado em juiz do Supremo, chegou ao cúmulo de comentar em conferência de imprensa uma frase não de um líder português do governo, não de um líder português da oposição mas de uma cretina portuguesa anónima gravada em vídeo num aeroporto a mandar uma brasileira para a terra dela.
Com isso, lançou-se um debate na mesma Globonews sobre o racismo dos portugueses - sim, “dos portugueses”, todos eles, engolidos sem piedade pelas sinédoques e pelas metonímias - como se o Brasil, que elegeu um racista para a presidência em 2018 e quase o reelegeu em 2022, não fosse um nu a falar de um roto neste assunto.
E como se o ministro, que tutelava a pasta da Justiça e da Segurança, não tivesse injustiças e inseguranças suficientes no país dele para tratar em vez de responder à cretina portuguesa anónima que, graças à importância que ele lhe deu, viveu um dia de glória.
Em suma, a não ser que um incidente xenófobo aconteça, quase não se fala de Portugal no Brasil mesmo que os códigos genéticos indiquem que 80% dos brasileiros têm sangue português; que foram portugueses que batizaram o Brasil de Brasil; que lhe impuseram a religião e a língua dominantes; que negociaram 99% das suas fronteiras atuais; e que até a independência do país se deveu ao grito do Ipiranga de um Pedro nascido em Queluz, ali a uns 15 minutos, sem trânsito, da clínica onde este escriba nasceu.
Eleições? Tremores de terra? Empolgam menos os correspondentes brasileiros em Portugal do que um insulto de um cretino avulso qualquer.
Sim, as manifestações racistas e xenófobas de imbecis portugueses são importantes, preocupantes e vergonhosas mas, como se diz muito agora, Portugal não pode deixar que isso o defina.