"Who wants to live forever?"
Assisti há uns dias a um tributo aos Queen, banda que na magnífica voz de Freddy Mercury perguntava a página tantas "Who want to live forever", isto é, "Quem quer viver para sempre?".
Por ora a pergunta é meramente retórica, seguindo-se a morte inelutavelmente à vida, mas é indisputável que a ciência dilatou e continua a alargar o prazo de validade humano de forma substancial.
Com base no conhecimento científico disponível afirma um estudo (publicado em 2021 na Nature Communications) que o ser humano pode perdurar até aos 120-150 anos, altura em que se antevê a perda completa da sua resiliência, ou seja, da capacidade de recuperação perante adversidades como doenças, ferimentos ou traumatismos. O prolongamento da vida para além desse ponto requer a suspensão do envelhecimento celular, meta que não se verte em impossibilidade e quimera atenta a frenética actividade de investigação e de desenvolvimento a que se assiste no combate não apenas ao envelhecimento como também à morte.
A título de exemplo, em Julho deste ano foi inaugurado, em Cambridge, Inglaterra, um laboratório de biotecnologia, Altos Labs, devotado ao retardamento do envelhecimento alicerçado num investimento de 3 mil milhões de USD provindo de vários investidores, como Jeff Bezos o famoso fundador da Amazon, Elon Musk e Peter Thiel, co-fundadores do PayPal e de tantas outras empresas, apostaram respectivamente na Neuralink para o desenvolvimento de interfaces cérebro-computador (ICs) implantáveis e na Fundação Matusalém que tem por missão transformar, até 2030, "os 90 [anos de idade] nos novos 50" e os fundadores da Google prosseguem objectivos neste campo através de uma startup de nome Calico (Saga).
As abordagens são diversas. A visão de Eric Drexler, considerado por muitos como o Pai da nanotecnologia, tem por base a nanotecnologia molecular. Drexler prevê a emergência de nano-dispositivos de regeneração celular que permitirão o eventual alcance da imortalidade. Já a Universidade de Melbourne, Austrália, ressalva o potencial que a nanotecnologia tem para curar certas doenças, como certos tipos de cancro, através da remoção de células cancerígenas.
Uma outra avenida assenta na chamada imortalidade virtual através da execução de um scan cerebral e subsequente transferência do resultado assim obtido para um computador ou da substituição gradual de partes do cérebro por chips. Por outras palavras, opera-se aqui uma transição de ser humano para cyborg em que o pensamento ocorre por meio de chips e não de neurónios (Schneider, Artificial You: AI and the Future of Your Mind).
Esta solução coloca questões complexas. O ser humano pode ser qualificado como tal se vive in machina? Trata-se da mesma pessoa ou de um clone sem conhecimento dos pensamentos, sentimentos e actos da pessoa clonada?
A resposta na minha modesta opinião é negativa uma vez que esse conhecimento é acumulado ao nível da consciência que nos permite, assim nos diz a medicina, pensar, observar e interagir, bem como recuar perante os nossos pensamentos, examiná-los e julgá-los (Scientific American). Na consciência se encontra o sentimento de existência, incluindo a noção de que se pensa, se existe e se tem alma.
Um caminho mais apelativo consiste em prolongar a longevidade por meio de aprimoramentos biológicos compatíveis com a sobrevivência da consciência, preservando, pois, a essência do ser humano, (Steele, Ageless: The New Science of Getting Older Without Getting Old).
Contudo não se pretende apenas prolongar a longevidade. Está em curso uma corrida no sentido de criar uma fórmula que possibilite a imortalidade, em moldes físicos ou digitais. Fará sentido, todavia, eticamente, viver para sempre num planeta que se encontra lotado e dotado de recursos limitados? E será bom viver perpetuamente? Já dizia Fernando Pessoa que "tudo quanto vive, vive porque muda, muda porque passa; e, porque passa, morre. Tudo quanto vive perpetuamente - se torna outra coisa, constantemente se nega, se furta à vida".
Sofocleto acrescenta que "a imortalidade é a arte de se morrer em tempo". Até lá, até que a morte nos leve, importante é ver a vida como uma dádiva, como um dom que deve ser bem utilizado e cuja preciosidade decorre em grande parte do seu carácter finito. "Não é imortal, posto que é chama, mas que seja infinita enquanto dure." (Vinícius de Moraes)
Nota: A autora não escreve de acordo com o novo acordo ortográfico.
Patricia Akester é fundadora de GPI/IPO, Gabinete de Jurisconsultoria e Associate de CIPIL, University of Cambridge