“Vou brincar aos presos a fugir da prisão”
Em consulta, tenho tido várias crianças que brincam… à fuga da prisão. Isso mesmo, com a ajuda dos Legos e blocos de madeira constroem uma prisão, os soldadinhos verdes são os guardas e os presos trepam pelas paredes. No final, dizem-me estas crianças, “eles fogem e não os conseguem apanhar, e agora eles podem fazer-nos mal, porque são maus”. Outras crianças têm também referido o medo que sentem em ser “apanhadas” por estes prisioneiros em fuga. E assim se desenrolam algumas brincadeiras em espaço terapêutico.
Tendo em conta que já brinquei a esta brincadeira várias vezes nas últimas semanas, questiono-me sobre várias coisas.
Em primeiro lugar, a exposição de crianças tão novas (algumas com 4 ou 5 anos de idade) a este tipo de conteúdos. É necessário apertar o cerco da supervisão parental e controlar de forma mais eficaz os conteúdos a que as crianças são expostas, não esquecendo a sua imaturidade cognitiva e emocional que, naturalmente, compromete a capacidade em compreender muitas das notícias que veem e ouvem.
Depois - mais grave ainda, penso eu -, a ausência de ajuda por parte dos adultos para o processamento desta informação. O que significa estar preso e fugir da prisão? Como combater alguma sensação de insegurança e vulnerabilidade que possa surgir? Não que tenhamos de explicar às crianças o que falhou no Sistema Prisional em Portugal, mas, sim, ajudá-las a gerir as suas emoções e a sentirem-se mais protegidas.
Falamos das fugas da prisão, mas também as guerras, os refugiados afogados no mar e os incêndios são temas de brincadeira de muitas crianças. Que, necessariamente, reproduzem no plano simbólico aquilo que as angustia e preocupa, projetando na sua atividade lúdica tudo o que habita o seu mundo interno. Brincar a estas brincadeiras acaba por criar uma oportunidade única para ajudar as crianças a elaborar aquilo que pensam e sentem.
Perante estas situações adversas, que as crianças experienciam na primeira pessoa ou das quais ouvem falar, é fundamental que os adultos em seu redor mantenham a calma e, com uma linguagem acessível e adequada à idade, expliquem o que se passou, sem alarmismos. É fundamental providenciar suporte emocional e transmitir abertura e disponibilidade para que a criança possa falar sobre o assunto e fazer todas as perguntas que desejar.