Votos que valem menos

Há quase seis anos, António Costa levou a quase totalidade dos seus ministros a Idanha-a-Nova, Espanha à vista, para assinalar os cem dias de governo e proclamar a valorização do território e a descentralização como pedras angulares do seu programa e da reforma do Estado. De caminho, criou uma unidade de missão e, na legislatura seguinte, inventou um novíssimo Ministério da Coesão Territorial. Seis anos volvidos, mesmo descontando o terço que já levamos de pandemia, o resultado é desolador. O abandono e o despovoamento continuam a empalidecer o retrato do interior português, onde o Estado é precário e demasiadas vezes ausente.

Idanha é apenas um exemplo, um dos cantos nesse retrato. No quarto maior município, em área, já só encontramos sete habitantes por cada quilómetro quadrado, quando a média nacional é de 115,2 hab/km2. Daqueles sete, três têm 65 ou mais anos, e mais de metade da população raiana partiu para outras paragens, no litoral ou no estrangeiro, à procura de trabalho e pão. Apesar de a descentralização constar há muitos anos da generalidade dos programas eleitorais, Portugal é o sexto país mais centralizado da OCDE, com um rácio de despesas públicas feitas ao nível subnacional em relação ao produto interno bruto (PIB) de apenas 6%. Na Dinamarca, por exemplo, país ainda mais pequeno do que Portugal, esse rácio já é de 33%. Ora, desenvolvimento e descentralização são indissociáveis na hora de discutir o futuro do país, porque ambos os indicadores caminham lado a lado.

Os nove distritos do interior representam dois terços da área de Portugal continental, mas acolhem menos de um quinto da população contribuinte. Logo, menos votos, menos algazarra, menos influência. Aliás, o mapa eleitoral, que resulta de uma lei que só pode ser alterada por maiorias qualificadas, retrata bem o desequilíbrio de representação regional: os mesmos nove distritos do interior elegem menos deputados do que o círculo de Lisboa.

E vamos dar sempre ao mesmo: a necessidade de fixar populações e atrair investimento capaz de valorizar o que já temos e de criar riqueza e emprego. Inverter a fatalidade impõe trazer para a agenda política as oportunidades de um outro olhar sobre o que é nosso. Um olhar, por exemplo, para o mapa das nossas regiões de fronteira e perceber que o interior português goza de uma geografia privilegiada no contexto ibérico, se tivermos em conta que do outro lado, nas regiões espanholas vizinhas, vivem cerca de seis milhões de pessoas. As capitais dos nossos distritos fronteiriços distam apenas entre 60 e 160 quilómetros das capitais das províncias vizinhas. Visto nesta perspetiva, o nosso interior está pois mais perto do centro ibérico, um mercado com cerca de 60 milhões de consumidores e um gigantesco volume de trocas. Acontece que as políticas tardam a sair do tinteiro.

No passado, o povoamento foi essencial para assegurar a soberania territorial. Hoje, é indispensável afirmar a soberania democrática para contrariar o abandono e assegurar o povoamento, devendo o Estado assumir os custos da ocupação mínima do território, sustentando a manutenção de serviços essenciais. Gerir é fazer escolhas e estabelecer prioridades. É certo que algumas medidas reclamam consenso alargado dos dois maiores partidos, mas seja qual for o resultado das eleições de 30 de janeiro, há entre os principais atores políticos discursos minimamente convergentes quando se fala de descentralização. É bom que António Costa e Rui Rio comecem a falar do que interessa.

Jornalista

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