Voltei à escola. E agora?
Desde março de 2020 que vivemos de forma diferente.
Todos, sem exceção, foram, em algum momento, afetados por esta pandemia.
As crianças e adolescentes - por mais adaptáveis que sejam - viram a sua vida "virada de pernas para o ar". E poucas vezes, sentiram ter asas nos pés para voar - até um lugar mais feliz ou confortante. E consequências existirão.
Cada criança, cada adulto e cada família passou por um processo de adaptação às novas rotinas. Com vivências particulares, com a(s) sua(s) realidade(s). Sabemos isto e por mais que nos tentem "oferecer" a ideia de que estamos (ou estivemos) todos no mesmo barco, a vida real mostra-nos, que cada um de nós, tem feito esta viagem de forma única e em embarcações bem diferentes. Uns em grandes barcos outros em pequenos botes. Uns com mais segurança e estabilidade, outros com bastante menos.
Afinal, não ficou tudo bem - para todos.
Uns adoeceram e ainda estão a recuperar. Perdemos pais e avós e tantos outros. Perderam-se empregos e rendimento. As famílias continuam exaustas, tristes, ansiosas (...). Algumas, em situações extremamente vulneráveis. E com crianças para cuidar.
São algumas das consequências de viver um tempo que não escolhemos e que trouxe muitas "vítimas da pandemia".
A pandemia também nos mostrou o tanto que precisamos fazer pela Saúde Mental e Bem-Estar dos portugueses. Já o sabíamos antes, mas a Pandemia agravou o sofrimento psicológico de muitas pessoas (crianças e adultos) e as respostas efetivas (ainda) deixam muito a desejar. Não chegamos a todos os que precisam.
A viagem não segue "de vento em popa", porque os problemas de saúde mental e o sofrimento psicológico, não "são levados pelo vento". Precisam de intervenção especializada. E que se aposte (e muito) na prevenção.
Nas últimas semanas, tem surgido, com frequência, a ideia que "é agora que volta tudo ao normal" ou que entrámos na "fase pós-pandemia" porque agora, estamos mais seguros.
Regressámos ao trabalho num pós-férias mais tranquilo e esperançoso. Os miúdos e graúdos voltaram à escola, com a "promessa" que este ano letivo vai ser, pelo menos, "mais livre". E se os nossos miúdos precisam disto!
Tem sido reforçada também a imagem que conseguiremos duma vez por todas "atirar para trás das costas" este vírus que tanto transformou e adiou as nossas vidas.
E assim, crianças e adolescentes voltaram à escola e "de repente" já existem outras crianças em isolamento. Salas inteiras fechadas porque surgiu um surto. Outras escolas com turmas em ensino à distância porque surgiram mais uns casos. E continuamos a viver esta e nesta Pandemia. Em que ficamos?
Voltaram à escola. Algumas (demasiadas) escolas com falta de psicólogos e até professores, mas é esta a escola que "vai abrindo" no cenário pós-pandémico. E agora?
A escola continua a ter - talvez mais que nunca - um papel fundamental na identificação de problemáticas que afetam o desenvolvimento e crescimento saudável de crianças e adolescentes.
Recai sobre a comunidade escolar (e não só) este papel, que é muitas vezes determinante na vida de muitas crianças e jovens. Em muitas situações, só a escola tem a oportunidade de perceber o que se passa com aquela criança/jovem, porque é na escola que a criança manifesta de forma mais ou menos barulhenta, o que está a viver e sentir - por vezes os silêncios também gritam.
Não esqueçamos que uma em cada seis crianças vai desenvolver perturbações ao nível da saúde mental. Estejamos atentos. Pais, educadores, professores, todos, observemos os sinais: mudança acentuadas e/ou persistente no comportamental habitual, por exemplo, isolamento; apatia; agitação; irritabilidade; agressividade; medos; preocupação excessiva; baixa autoestima; dificuldades em manter a atenção/concentração; sinais de tristeza e/ou ansiedade; alteração no apetite ou do sono; falta de motivação e perda de interesse nas atividades que anteriormente gostava; recusa em ir a escola; queixas de dor física; comportamentos de risco ou perigo.
E não esqueçamos, que por mais que se apele a uma normalidade - a normalidade de cada um de nós - a vacina não trata os problemas de saúde mental que surgiram e que se agravaram ao longo de tantos meses, alguns em isolamento. Por mais estabilidade que consigamos atingir no nosso dia-a-dia, os efeitos da pandemia na saúde mental acompanhar-nos-á durante mais tempo.
Urge a criação de mais dispositivos para responder "à crise da saúde mental" que vivemos atualmente. É importante reforçar a implementação de programas de promoção de literacia emocional, promoção da saúde mental e bem-estar, nas escolas, nas empresas, para todas as idades.
Vivemos "uma crise na saúde mental". Que se possa agir/intervir de forma mais imediata e mais eficaz. Agora. Pelo Futuro.
Ana Carina Valente é psicóloga, especialista em Psicologia Clínica e da Saúde