Viver à margem
A realidade que desaguou nos protestos violentos dos últimos dias na Cintura Metropolitana de Lisboa construiu-se ao longo de muitas décadas. Uma experiência de guetização significativa de camadas da população mais pobres ou excluídas socialmente.
Pessoas muito pobres, algumas que já por cá viviam, filhas da industrialização do Estado Novo e das migrações internas, a fugir da pobreza rural. Outras que passaram a residir em Portugal após a descolonização, outras ainda, as famílias de etnias mais excluídas, empurradas para o fim do nomadismo.
Mesmo há cerca de um quarto de século - quando, após a década do abandono cavaquista dos bairros de barracas, se avançou de modo decidido com o Programa Especial de Realojamento, e a construção de equipamentos sociais e culturais nos novos bairros ou a reabilitação dos mais antigos - voltou a escolher-se, na generalidade dos casos, a construção de grandes bairros em periferias das zonas urbanas. Problemas de integração social, preconceitos, escolhas de política local, levaram, em muitos casos, a esta solução.
Os bairros da cintura urbana de Lisboa foram objeto de programas de intervenção social muito intensos ao longo dos anos. Todas ou quase todas as experiências sociais foram ali tentadas, algumas com relativo sucesso, outras com muito pouco.
Ao longo das últimas décadas, a habitação então construída foi-se degradando e objeto de muito pouca manutenção. Algum isolamento dos habitantes, o abandono de algumas regras, também fruto da própria situação de exclusão social, e a insuficiente gestão e conservação de espaços habitacionais e infraestruturas públicas, levou a um “abandono” gradual destes bairros.
É urgente regressar à dignidade de todo o ser humano, ao envolvimento dos movimentos sociais destes bairros, talvez com um pouco menos de experimentalismo social a partir do exterior. Construir soluções com as pessoas, não somente para elas.
Olhemos para a representação das comunidades minoritárias nos vários níveis da sociedade, desde logo ao nível dos decisores das políticas. Atentemos no limitadíssimo número de situações de ascensão social destas famílias, que em terceira geração continuam cortadas nas suas oportunidades.
Claro que todos temos de cumprir regras, claro que a inserção exige também um esforço dos próprios.
Mas as mais de duas décadas de trabalho nesta área fazem-me pensar que Portugal tem muito a fazer para que as oportunidades existam verdadeiramente para todos. Só assim podemos construir um país onde viver nesta periferia não é viver à margem.
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Outra vez a miséria moral, a exploração do medo dos cidadãos, o instigar do racismo e xenofobia. Ventura e Pedro Pinto iguais a eles próprios, a apelar a que a polícia atire a matar. O incitamento ao crime e ódio deve ser penalizado exemplarmente. Os extremismos rasteiros não podem ter lugar neste país.