Vítimas do próprio sucesso
Era uma vez um poderoso imperador que, tendo conquistado todo o mundo conhecido, achou que merecia viver para sempre. Apostou imensos recursos nesse objetivo, mobilizou exploradores para descobrir a fonte da juventude eterna, médicos e cientistas para criarem poções milagrosas. O preço elevado que atribuía a este desejo atraiu, também, charlatões. Não sabemos se foi um médico, um charlatão ou ambos, mas alguém terá convencido o imperador que um certo comprimido diário poderia contribuir para manter a sua saúde intacta, até que uma solução mais permanente fosse alcançada. O imperador tomou-o diligentemente todos os dias. Infelizmente para ele, os comprimidos continham doses elevadas de mercúrio,
que acabaram por o matar.
Poderia ser um conto tradicional, mas esta história é verdadeira: ocorreu há mais de 2.000 anos, na China. Qin Shi Huang foi o primeiro governante a conseguir reunir os múltiplos reinos chineses num só, tornando-se assim o Primeiro Imperador. Além de muitos feitos reveladores de uma extrema crueldade, aboliu o sistema feudal, implementou um sistema de nomeação de governantes por mérito e criou regras para combater a corrupção. Iniciou a construção do que
veio a ser a Grande Muralha, canais gigantes e um mausoléu que inclui 6.000 guerreiros de terracota.
Há, nesta história, pontos em comum com muitas outras: alguma pessoa ou organização que, tendo atingido um ponto alto na sua vida, quer perpetuar o seu legado, tomando uma receita que é, afinal, mortífera. Uma das pílulas que contribuiu para a queda do império romano terá sido a emissão contínua de moeda, conduzindo a inflação e desvalorização. Se este cenário soa familiar no contexto atual, não é o único, pois abundam exemplos.
Durante anos, o sucesso no setor da construção embalou empresários a achar que eram geniais em todos os negócios. A diversificação para áreas pouco ou nada relacionadas com o negócio principal foi o seu comprimido. No BES e outros bancos algo de similar terá acontecido. Quem sabe a pastilha do imperador Putin venha a ser a Ucrânia? Para os clientes dos muitos suplementos que existem no mercado e prometem saúde, talvez alguns se revelem nocivos.
Como humanos, somos frequentemente levados pelo desejo de ter mais e melhor. Isso faz com que, tendo atingido um cume, ambicionemos o seguinte. Se isso, por um lado, é o ciclo que nos fez avançar tecnologicamente, também nos coloca perante o perigo do "comprimido do imperador". Convencidos da nossa grandeza, optamos por soluções aparentemente boas, mas mortíferas. A parte perniciosa é que quanto maior for o nosso sucesso anterior, mais propensos seremos a este tipo de situação.
No nosso país e nas nossas organizações estaremos, seguramente, a tomar alguns comprimidos destes, sejam produtos, métodos ou políticas. A dificuldade estará em saber distingui-los das que são realmente boas soluções. Felizmente temos hoje ferramentas de que nem o poderoso Qin Shi Huang dispunha na altura. Uma delas é a aplicação do método científico: observação e questionamento dos factos, investigação do que existe na área, formulação de hipóteses, testes com experiências, análise de dados, retirada de conclusões.
Os empresários que falharam pela diversificação não testaram em menor escala se sempre seriam assim tão bons em qualquer outro negócio. Putin não testou a premissa básica de que os ucranianos ofereceriam pouca resistência. Os clientes de suplementos, não dispondo de ferramentas para os testar cientificamente, nem sempre analisam todas as evidências disponíveis ao olhar crítico. Poucas vezes os nossos governantes testam hipóteses antes de implementar medidas a todo um país.
Algumas centenas de anos após começar a ser aplicado, o método científico vive ainda muito dentro de laboratórios. Não sendo a cura de todos os males, tem um campo de aplicação muito maior. Os seus princípios e rigor deveriam ser usados muito mais amplamente nas nossas organizações ou a nível individual.
Da próxima vez que esteja a tomar uma decisão com impacto na sua vida ou empresa, evite ser vítima do seu próprio sucesso e não faça como o imperador chinês. Investigue, duvide, teste em pequena escala, analise bem os dados e só então avance. A menos que tenha 6.000 guerreiros de terracota à sua espera num mausoléu e anseie por se juntar a eles.
Partner da Expense Reduction Analysts