Videovigilância em Lisboa. Vivemos no 'Absurdistão'

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Carlos Moedas instalou as primeiras câmaras de videoproteção do seu mandato a poucos meses de o terminar (sem contar com as do Miradouro de Santa Catarina, que se limitou a inaugurar) e, contra todas as probabilidades, conseguiu um tremendo falhanço.

Segundo quem vive no Cais do Sodré, as tão esperadas 30 câmaras foram colocadas em áreas “onde não passa ninguém” e nove delas “estão a filmar o vazio”. De fora ficaram as zonas problemáticas, como a Rua e a Praça de São Paulo, a Rua das Flores, Largo dos Stephens, Travessa do Alecrim, Rua e Travessa dos Remolares. Perante a indignação de moradores e da Junta de Freguesia, Moedas desmarcou a apresentação pública do “seu” sistema de videoproteção, desconvidou os jornalistas e apressou-se a dizer que os locais de instalação criticados eram responsabilidade da PSP e do executivo anterior, que afinal era o autor do “seu” plano. Para quem insiste no aumento da criminalidade, mesmo que desmentido pelos números oficiais, esta foi uma oportunidade perdida para propaganda.

O famoso registo do “passa-culpas” do presidente não é novidade. Mas revelou também que os anos perdidos sem instalar qualquer câmara na cidade não tinham sido aproveitados para rever e adaptar à nova realidade um plano desenhado em 2018. Em resumo: um absurdo.

Para se perceber a complexa arquitetura da autorização deste tipo de vigilância, veja-se o paradigmático caso do Bairro Alto, que foi o primeiro sistema de videoproteção da capital. A PSP pediu pela primeira vez a instalação de câmaras neste popular destino noturno em 2009, mas as 26 câmaras só entraram em funcionamento em 2014 e, ainda assim, a Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) limitou o seu funcionamento ao período noturno. Entre 2010 e 2011, a CNPD indeferiu por duas vezes semelhante pedido para a Baixa de Lisboa, por entender que os índices de criminalidade não o justificavam. E quando o novo plano (que Moedas agora considera seu) para instalar 216 câmaras em 16 zonas da cidade foi decidido, entre 2016 e 2018, teve de obedecer a todas as recomendações da CNAD e esperar pela autorização do Governo, que chegou em 2021. Carlos Moedas bem pode dizer que ao longo de uma década nada foi feito. Hoje só é possível ter videoproteção em Lisboa porque, antes dele, houve quem tivesse desbravado caminho e percorrido o longo calvário da burocracia.

Não devia ser difícil finalizar o processo sem erros, mas Moedas conseguiu o impossível: esqueceu-se que a realidade é dinâmica. Basta ver como a Rua do Benformoso e o Martim Moniz, que não constavam do plano inicial, são atualmente zona prioritária para as forças de segurança.

Aqui ao lado, e sem grandes demoras, a Amadora já instalou 141 câmaras, às quais atribui a redução de mais de 20% de pequenos furtos e crimes graves e violentos. Sabemos que a videoproteção não é uma solução milagrosa, tem um custo elevado e levanta problemas de privacidade, mas seja pela dissuasão ou por uma mais fácil identificação dos envolvidos em crimes, pode ser um bom complemento ao policiamento de proximidade. Convém é que, pelas razões expostas, não se erre ao escolher os locais para as câmaras e não se transforme um grande investimento num tiro nos pés.

Depois de ter esperado tanto tempo, é imperioso que Lisboa estude e reveja cada localização de cada câmara antes da sua colocação. Não o fazer mostra que vivemos num Absurdistão.

Presidente da Junta de Freguesia de Alcântara

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