Vencimentos dos políticos: do populismo à realidade

Publicado a
Atualizado a

Um dos mitos urbanos que lavra na nossa sociedade é o de que os políticos ganham muito, quer por via dos chorudos salários e mordomias, quer por via das oportunidades, ilegais e ilegítimas, de deitar mão a outras fontes de rendimento. A linguagem vernacular encarregou-se de popularizar expressões como “é uma cambada de ladrões” ou “andam todos a roubar”, que, de tão repetidas nas nossas esplanadas de cafés, se tornaram verdades indisputáveis. Sucede que esta “verdade” é mentira. Nem os salários são elevados, nem os privilégios são relevantes, nem tão pouco há evidência estatística de um enriquecimento ilegítimo de políticos.

Esta semana, o líder parlamentar do PSD pôs o dedo na ferida e anunciou que o seu partido, juntamente com o CDS, proporiam o fim dos cortes salariais de 5% ainda aplicados aos vencimentos dos titulares de cargos políticos em Portugal.

Implementada em 2010, durante o Governo de José Sócrates, como parte da austeridade adotada no contexto da crise financeira e do Programa de Assistência Económica e Financeira, esta medida visava reduzir a despesa pública e demonstrar a solidariedade dos governantes para com os sacrifícios exigidos à população.

À medida que a crise da dívida pública foi sendo vencida, os cortes salariais e os impostos extraordinários foram sendo revogados para todas as classes de trabalhadores, menos para uma, a dos políticos. Ainda hoje, passados 14 anos, os Presidente da República e da Assembleia da República, o primeiro-ministro, os membros dos Governos e os deputados da República e das regiões autónomas e os presidente e vereadores a tempo inteiro das câmaras municipais recebem todos os meses menos 5%.

Costumo dizer que a política e os políticos têm de se dar ao respeito. Quem eliminou os cortes dos outros contribuintes não poderia ter excecionado os políticos dessa retoma dos vencimentos. E quem o fez foram precisamente políticos, num exercício de (auto)discriminação negativa que apenas serve para alimentar o falso mito de que ganham muito ou se abotoam muito. É alimentar o populismo, o que, no fim do dia, resulta num péssimo serviço prestado à nação. A descredibilização da política, pela mão dos políticos.

Por tudo isto, a iniciativa dos deputados do PSD e CDS é um ato de coragem, que pelo seu simbolismo merece ser sinalizado. Os populistas, que espalham pelo país cartazes cheios de mentiras alusivos à “roubalheira” que grassa na política, virão certamente a terreiro cantar a música que encanta as mesas de café. É o seu método.

Entre o populismo e a realidade, ficam as contas que não mentem e que, segundo li, se cifram em 20 milhões de euros, um custo que simplesmente coloca quem exerce funções políticas no mesmo patamar de todos os outros trabalhadores.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt