Velhos ventos novos
Os presidentes, eleitos no último fim de semana, do Senado Federal e da Câmara dos Deputados, a câmara alta e a câmara baixa do Congresso Nacional do Brasil, têm 42 e 35 anos, respetivamente.
É um sinal de rejuvenescimento da política brasileira, pensarão os distraídos. Já os atentos sabem que, na prática, David Alcolumbre e Hugo Motta, eis os nomes dos vencedores, serão mais do mesmo.
A velhice política de ambos reflete-se logo na forma como venceram as eleições: com votações na ordem dos 90%, à norte-coreana, porque somaram o apoio tanto do governo - embora Lula da Silva não se tenha pronunciado publicamente, para “evitar intrometer-se nos assuntos de outros poderes” -, como da oposição bolsonarista - neste caso o próprio Jair Bolsonaro verbalizou o apoio aos vencedores.
Tanto o atual presidente como o antecessor sabem que no poder legislativo quem manda é o Centrão, grupo com cerca de 200 deputados, do qual Alcolumbre e Motta são pontas-de-lança, que apoia o governo de plantão, seja ele qual for, desde que receba em troca verbas e cargos, numa chantagem imposta ao executivo que gerou o Mensalão, na primeira gestão de Lula, e o Orçamento Secreto, um Mensalão elevado a 1000, na Administração de Bolsonaro.
Além disso, são, segundo uma terminologia muito sul-americana, caciques. Jovens caciques, é certo, mas ainda assim caciques.
David Alcolumbre é-o no Amapá. O novo chefe dos senadores é primo de Salomão Alcolumbre, outro político, sobrinho do falecido Alberto Alcolumbre, que dá o nome, por decisão política de David, ao aeroporto da capital Macapá e irmão de José Samuel, dono de cadeias de TV e rádio no Estado. A família tem ainda milhares de hectares em terras, parte delas, segundo reportagem do jornal The Intercept de 2019, sob devastação ecológica.
Motta, por sua vez, é neto de Nabor Nóbrega, por parte de pai, e de Edivaldo e Francisca Motta, por parte de mãe: o primeiro foi prefeito de Patos, quarta maior cidade da Paraíba, o segundo foi eleito cinco vezes deputado estadual e duas deputado federal e a terceira eleita seis vezes deputada estadual e, também, prefeita de Patos, cidade que o pai do novo presidente dos deputados, Nabor Wanderley, governou por quatro mandatos, além de ter sido ainda deputado estadual num.
A solo, Motta fez parte da chamada “tropa de choque” de Eduardo Cunha, o parlamentar que liderou o impeachment de Dilma Rousseff, foi aliado de primeira hora de Michel Temer, o substituto de Dilma, mas depois trocou o partido dele, MDB, pelo Republicanos, ligado à IURD.
São, portanto, um e outro o protótipo dos políticos brasileiros tradicionais: de famílias abastadas e latifundiárias, com histórico político familiar intenso e influência pesada sobre os meios de comunicação local.
Por isso, a eleição dos jovens Alcolumbre e Motta, no fim de semana passado, podia ter acontecido num outro fim de semana qualquer dos séculos XX ou mesmo XIX.
Jornalista, correspondenteem São Paulo