Vamos votar numa mentira? 

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A maioria dos partidos que estiveram nesta campanha eleitoral pressupõe isto: a economia tem de crescer mais, a um ritmo mais acelerado e, de preferência, acima da média europeia, de forma a haver mais dinheiro e assim se poder aumentar salários. 

Para atingir esse objetivo variam, depois, as propostas dos partidos, com diferenças programáticas à esquerda e à direita: uns querem menos Estado na economia, outros querem mais investimento público, uns querem mais privatizações, outros pretendem garantir a soberania nacional em áreas estratégias, outros a especialização em determinadas produções, e por aí fora. 

O problema é esse pressuposto, cuja teorização parece lógica e aceitável, bater de frente e desfazer-se com a realidade da história económica portuguesa. 

Fui fazer um exercício simples e visitei o site Pordata onde fui comparar o aumento da riqueza do país com o aumento da riqueza das pessoas. 

Fui ver então, entre 1985 e 2019 (o maior espaço de tempo possível para fazer este exercício) quanto aumentou o PIB, que o próprio site Pordata define como “riqueza criada em Portugal”.  

Consultados os dados verifica-se que a riqueza aumentou, nesses 34 anos, 12,3 vezes (de 23 226,60€ para 285189,30€). 

Fui ver, a seguir, quanto subiu o Rendimento das Famílias nesse período, em valores brutos, que o Pordata define como o valor que as famílias têm “para gastar ou poupar”. Verifico que subiu apenas 7,6 vezes (de 19374€ anuais para 147094€). 

Isto significa que se a distribuição da riqueza criada no país tivesse aumentado o rendimento das famílias de uma forma exatamente proporcional, elas deveriam ter recebido em 2019 mais 26 mil euros por ano “para gastar ou poupar” do que efetivamente conseguiram obter.  

Se em vez de rendimentos com várias origens nos focarmos apenas nos salários, verificamos que a distribuição justa da riqueza do país ainda é pior para quem vive apenas do seu trabalho: apesar de o salário mínimo ter aumentado 9,2 vezes de 1985 para 2019, a verdade é que o salário médio só aumentou 6,7 vezes.  

Se os salários dos trabalhadores tivessem subido na mesma proporção do PIB nacional, em 2019 o salário mínimo, que era de 600€, devia ter sido 797€ e o salário médio, em vez de valer 1002€ deveria registar 1841€. É uma diferença enorme! 

Não creio que seja preciso fazer contas muito mais complicadas para perceber que defender fundamentalmente o crescimento económico para resolver as injustiças sociais e os problemas de funcionamento do país, como AD, PS, IL e Chega defendem, todos eles de acordo com o cânone económico da União Europeia, é uma mentira historicamente comprovada: a economia cresce mas a riqueza das pessoas cresce muito mais devagar porque, essencialmente, o capital não melhora os salários na proporção equivalente aos lucros que obtém. 

Será preciso que a economia cresça, claro que sim, mas mais importante é fazer com que o poder político seja mais influenciado pelo mundo do trabalho do que pelo mundo dos que ganham dinheiro de outras formas. Nas eleições de domingo podemos ajudar a que esta visão, tantas vezes acusada de utópica mas comprovada pela frieza dos números, tenha mais força para impor as mudanças necessárias.  

Jornalista

Diário de Notícias
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