Vamos todos respirar e fintar o algoritmo

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Nas últimas semanas, muito por conta das eleições nacionais – e da capacidade de desinformação dos movimentos extremistas – o tema da imigração voltou à agenda mediática e, sobretudo, ao algoritmo que passa nas redes sociais de grande parte das pessoas. As conversas, de café ou à mesa dos jantares de família, passa inevitavelmente pelo assunto, e toda a gente tem opiniões muito claras sobre o que acha do assunto. Motoristas de táxi e de TVDE, empregados de restaurantes, empresários, gestores, advogados, professores...toda a gente tem uma ideia certa e segura sobre quais são os problemas e como se podem resolver.

Eu não tenho. E, sempre que tenho poucas certezas, gosto de elencar factos para me ajudar à leitura da situação que, assumo, deverá ser muito maior do que aquilo que eu estou a conseguir ver.

Portanto, vamos a isto. Facto 1: Portugal recebeu um volume de imigrantes significativo nos últimos anos. O país tinha, em setembro de 2024,1.546.521 imigrantes – dados oficiais da AIMA. Esse número será, naturalmente maior, por via da imigração ilegal e da passagem do tempo. Estamos a falar de, pelo menos, 15% de população estrangeira a viver no país. O número é elevado? Nem por isso, mas a questão não é o seu peso no total da população: é a velocidade a que esta percentagem aumentou, e a origem dessa imigração – antes de me odiar, continue a ler, por favor.

Dados do instituto Mais Liberdade mostravam que em 2003 os estrangeiros representavam 2% da população nacional. Em 2013, esse número subiu para 4% - a cadência deu tempo para que os emigrantes chegassem e fossem bem integrados numa sociedade que sempre recebeu estrangeiros, mas que precisa, como qualquer outra, de fazer espaço e tempo para eles. Em 2023, porém, o número de estrangeiros já tinha disparado para 10% da população – um crescimento de 6 pontos percentuais numa década – e em 2024, para 15%, ou 5 pontos percentuais em apenas um ano.

Vamos pensar nesta chegada de imigrantes – que agora vêm de muitos países fora do mundo ocidental, o que significa que chegam com línguas e culturas muito diversas da nossa, o que pode tornar a integração mais morosa, como é natural em qualquer ludar do mundo – como se de uma mangueira se tratasse. Uma mangueira e um jardim com terra: se for regando a terra seca devagar, consistentemente mas a um ritmo baixo, a terra vai absorver toda a água que lhe for dando. Porque dá tempo para que ela hidrate e acomode o novo elemento. Mas se decidir abrir a torneira e despejar litros de água na terra, vai criar apenas um lodaçal, porque a terra não tem capacidade de absorção. É isso que acontece, também, com os eventos naturais extremos – deslizamentos de terra por motivos de chuvas intensas, por exemplo.

Facto 2: O que fizemos nos últimos 5 anos foi abrir a torneira e despejar litros de água num terreno que não estava preparado para a receber. É irrelevante se a água chega da chuva, da toneira ou de uma tempestade no mar: a sociedade não consegue, como não consegue a terra, acomodar as mudanças necessárias sem que isso cause dor e desconforto.

Facto 3: O crescimento dos extremismos e a sua forte capacidade de manipular as redes sociais está a fazer-nos desviar o olhar da discussão essencial: como se consegue voltar a tornar saudável uma terra que, neste momento, está apenas ensopada?

Vale de pouco ler apenas notícias e publicações sobre imigração – os discursos estão demasiado extremados, ninguém está a ouvir, ninguém quer ouvir o outro lado. Vale de pouco fazer 'scroll' no seu telefone até à exaustão: vai sempre encontrar histórias que validem o que sente, seja a favor ou contra as medidas que foram agora anunciadas. Por isso, hoje trago-lhe uma sugestão: experimente fintar o algoritmo. Veja vídeos de gatinhos. Leia reportagens sobre cultura. Entrevistas sobre viagens ou filmes ou esplanadas. Reduza a exposição, para não se tornar como a terra seca que se torna impermeável. Porque nunca precisámos tanto de ouvir, apreender e pensar sobre este assunto, sem sermos injustos para quem não tem culpa, como hoje. Finte o algoritmo. E respire – mais que não seja porque o ar é indispensável à vida.

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