Vamos falar a sério sobre apoios aos 'media'?
O ministro dos Assuntos Parlamentares, Pedro Duarte, afirmou ontem que o Governo vai apresentar, dentro de algumas semanas, o seu Programa de Apoio ao Setor dos Media. Segundo Pedro Duarte, o plano terá quatro pilares: o primeiro passa pela criação de um novo Código da Comunicação Social; o segundo, por uma nova estratégia para a RTP e a Lusa; o terceiro contempla incentivos ao jornalismo e aos jornalistas; e, por fim, o quarto consiste no combate à desinformação e no apoio à literacia mediática.
O Executivo espera conseguir um amplo consenso na sociedade portuguesa a respeito deste plano para os media, partindo do princípio de que o jornalismo é essencial para a democracia. Ao mesmo tempo, disse Pedro Duarte, haverá o cuidado de não “desincentivar a inovação”.
À primeira vista, as prioridades definidas pelo Governo estão corretas e vão no bom sentido. Diria, no entanto, que falta referir três aspetos cruciais.
O primeiro é a proteção dos direitos de autor, nomeadamente perante as gigantes tecnológicas, em linha com o que tem sido feito a nível europeu. O boom da Inteligência Artificial tornou este tema ainda mais urgente, tendo em conta que os conteúdos jornalísticos são essenciais para alimentar os algoritmos. Este primeiro aspeto tem vindo a ser progressivamente acautelado por força da atuação de Bruxelas (embora Portugal tenha ainda muito por fazer no que toca ao acompanhamento das Big Tech), mas há um segundo aspeto que não tem sido muito aflorado. Refiro-me a incentivos ao investimento no setor dos Media, quer se trate de empresas sem fins lucrativos ou de entidades como fundações. Olhemos, pois, com atenção para este lado da história.
O grande problema do jornalismo não está na atividade em si, por muito que se possa melhorar a esse nível, porque as pessoas continuam a necessitar da informação produzida por jornalistas profissionais, mesmo que não o queiram admitir e sejam muito críticas dos media tradicionais. Pensemos um pouco: haverá alguém que realmente consiga viver sem notícias?
O problema de fundo é outro e diz respeito ao modelo de negócio que, com a digitalização, foi colocado de pernas para o ar. Após décadas de fortes quedas nas receitas e nas margens, a maioria das empresas de media acumula prejuízos. É isto que explica a fragilidade do jornalismo na maior parte do mundo ocidental, os baixos salários dos profissionais, a falta de meios, a perda de qualidade e o risco da dependência de poderes políticos e económicos. O jornalismo deixou de ser um negócio lucrativo, na maioria dos casos, pelo que tem cada vez mais dificuldade em atrair capital. E em casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão.
Há duas formas de lidar com isto: por um lado, reinventar o modelo de negócio, inovar e fazer cada vez melhor, de maneira a que seja uma atividade sustentável; e, por outro, criar condições para que possa ser alocado mais capital aos projetos de media, por exemplo através de benefícios a nível de IRS e IRC e outros incentivos que sejam aplicados de forma “cega”, sem risco de favoritismo ou de discricionariedade por parte do poder político.
A título de exemplo, vejamos o caso de um grupo económico que todos os anos injeta um milhão de euros numa empresa deficitária na área dos media. Se o financiamento do jornalismo fosse reconhecido como custo ou perda do exercício, ao abrigo da Lei do Mecenato, esse grupo poderia abater à matéria coletável o equivalente a 140% desse valor (1,4 milhões de euros), o que, em termos práticos, representaria uma poupança de 300 mil euros em IRC, ou seja, um retorno de 30%.
Para tal, bastaria que o Estado reconhecesse, como regra, o interesse cultural da atividade jornalística. Recorde-se que a lei já permite os donativos a entidades privadas com fins lucrativos, desde que o interesse cultural seja reconhecido pelo Estado, pelo que não seria necessário converter as editoras de jornais em entidades non profit. E não há muitos negócios com retornos de 30%.
Por fim, o terceiro aspeto diz respeito à distribuição de jornais e revistas. Num país como Portugal, onde a distribuição de publicações é rentável apenas em Lisboa e Porto, é necessário criar condições para que o envio para as outras regiões do país seja economicamente viável.
Resta saber, no entanto, se interessa realmente ao poder político que exista uma comunicação social robusta, forte e independente.
Diretor do Diário de Notícias