Vale tudo?
O mundo, preocupado com a degradação do clima e o impacto das alterações climáticas, vê os seus principais responsáveis políticos reunirem-se em sucessivas “Conferências das Partes” – COP.
Desde o Rio de Janeiro, em 1992, até ao Acordo de Paris de 2015, tem sido um longo e proveitoso caminho, percorrido pelas Nações Unidas e pelos países. Caminho em que se vão fixando novas metas que, se alcançadas, assegurarão a sobrevivência da humanidade, a nossa sobrevivência.
Estas conferências têm vindo a decorrer, genericamente, em capitais e países “frequentáveis”. Quer dizer, em países que respeitam o estado de direito.
Este ano, por razões que só os organizadores poderão explicar, a opção foi a de realizar a cimeira no Azerbaijão.
País que resultou da dissolução da União Soviética, que tem o mesmo presidente há mais de vinte anos e que é governado pelo mesmo partido, aliás hegemónico, desde que acedeu à independência, ou seja, há trinta anos.
E nem a anunciada ausência dos líderes europeus, desde logo da presidente da comissão europeia, alterou a situação ou demoveu os organizadores.
Sabemos que as alterações climáticas afectam e afectarão por igual os que vivem em democracia e os que vivem em ditadura.
Mas, convirá não esquecer que na nossa hierarquia de valores, desde logo constitucional, sobreleva a liberdade, nas suas várias dimensões, o primado do direito e a escolha livre dos nossos representantes.
Deve, por isso, merecer reflexão se, a pretexto de cimeiras internacionais, podem as democracias proporcionar um palco mundial credibilizador e de grande impacto, maxime enquanto organizadores, a regimes políticos autoritários, isto é, aos seus inimigos.
Situação especialmente agravada, no caso concreto, quando o “palco do clima” serviu para um presidente de um regime que não conhece a limitação de mandatos, fazer um ataque chocante a um país democrático, berço das nossas instituições, pátria de acolhimento de muitos perseguidos políticos, e pátria fundadora dos valores que, há mais de dois séculos, nos guiam no sentido da liberdade e do livre pensamento.
Estamos conscientes que o mundo está a mudar e é confrontado, cada vez mais, com novas preocupações que vão para além das fronteiras e não dependem dos regimes políticos.
É, no entanto, essencial que não nos confundamos.
No dia em que a “senha” para a organização e para a entrada nos grandes areópagos internacionais não for a liberdade, o primado do direito e o respeito pelos direitos humanos, estaremos a negar o caminho que a humanidade vem fazendo e a abdicar da afirmação identitária da dignidade da pessoa humana.
Estaremos a negar-nos!
Defender os objectivos do Acordo de Paris é um desafio para ser cumprido por homens livres, não por súbditos nem por escravos.