USAid e a falta de visão

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Gerida por lunáticos” e responsável por “gastos inexplicáveis”, atuando como “uma organização criminosa”. Donald Trump e o homem mais rico do mundo, Elon Musk, o escolhido pelo presidente dos EUA para cortar despesas do governo federal, não têm sido meigos nos adjetivos que usam para justificar a decisão de encerrar, em definitivo, a USAid.

Criada em 1961, sob a Presidência de John Fitzgerald Kennedy, a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional nasceu com a missão de financiar programas económicos e humanitários em vários pontos do globo em nome dos Estados Unidos (atua em mais de 100 países, tendo cerca de 10 mil funcionários), o que faz da agência uma das principais ferramentas norte-americanas de soft power. O raio de ação é gigante: a maior fatia diz respeito a ações de desenvolvimento económico, seguida por programas de promoção de saúde (combate ao HIV e à fome) e de caráter humanitário, que tanto apoiam a reconstrução de países afetados por catástrofes naturais (como aconteceu com o devastador terramoto no Haiti em 2010), como por guerras (como é exemplo a ajuda prestada atualmente à Ucrânia).

A agência geriu em 2023 um orçamento na ordem dos 40 mil milhões de dólares. O orçamento é aprovado pelo Congresso dos EUA e a Casa Branca e o Departamento de Estado definem as prioridades estratégicas da política externa. Depois, a USAid gere os fundos e os planos a desenvolver, avançando com a seleção de parceiros locais (muitos deles Organizações Não-Governamentais, ONG) para implementarem os projetos no terreno.

Alguns dos projetos escolhidos sob a Administração democrata de Joe Biden deram a oportunidade a Trump de defender que a USAid está ao serviço de uma agenda da esquerda radical e woke. Na Fox News, o canal preferido de Trump, Stephen Miller, um dos mais antigos conselheiros políticos do presidente norte-americano, discorria argumentos para justificar o fecho da agência e, por trás, num ecrã, eram listados alguns dos programas financiados, escolhidos a dedo pela realização para causar indignação. 20 milhões para criar na televisão iraquiana um programa Rua Sésamo ou 47 mil dólares para uma ópera transgénero na Colômbia surgiam misturados com outras iniciativas como a entrega de 6,7 milhões para proteger a biodiversidade em África de crimes contra a vida selvagem ou 9,9 milhões para criar empregos nos setores da tapeçaria e joalheria para as mulheres no Afeganistão, as mesmas que os EUA abandonaram à sua própria sorte, entregues às mãos dos talibãs, quando retiraram todas as tropas do território.

Nesta demanda contra a USAid, que ao aplicar fundos dos EUA noutros territórios acaba por violar o mantra trumpista do America First (América Primeiro), o que Trump e os seus acólitos parecem querer ignorar é a capacidade que os EUA têm de, literalmente, salvar milhões de vidas no mundo.

Trump queixa-se de a China querer dominar o mundo, mas com atitudes destas o que está a fazer é estender o tapete vermelho para Xi Jinping se sentar no trono.

Editor Executivo do Diário de Notícias

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