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"Quando se adiam as soluções para alguns problemas que existem, fazem-se revoluções.” A frase do CEO do BCP, Miguel Maya, sintetiza bem os resultados das eleições legislativas de domingo, nas quais a AD de Luís Montenegro sufragou os 11 meses do seu Governo e a sua atuação na Spinumviva; o Chega passou a maior partido da oposição e o PS recebeu um K.O. com consequências ainda por apurar.
De facto, os dois partidos tradicionalmente ao centro - PS e PSD - são os únicos responsáveis (ainda que em graus diferentes) pelas reformas, ou ausência delas, em Portugal, pelo que têm de assumir-se como os principais visados no apontar de dedo quanto ao país que temos em 2025. Um SNS em rotura; uma Justiça lenta, inoperante ou quase exclusivamente para quem é rico; uma carga fiscal asfixiante; uma demora quase cómica na decisão de obras públicas fundamentais para os cidadãos e para as empresas; uma imigração autorizada sem muito critério ou sem acautelar serviços para todos. A lista é longa e desonrosa.
O Chega foi um dos grandes ganhadores da noite eleitoral, porque conseguiu convencer os eleitores de que é diferente dos dois partidos que, até aqui, ocupavam o arco de governação. Que pensa diferente, fala diferente e agiria de forma diferente (caso fosse poder). E isso agradou a mais de 1,34 milhões de portugueses. Assacar esse resultado apenas ao “discurso fácil e irresponsável do populismo” - como se ouviu de alguns comentadores do momento - é não entender que a plataforma eleitoral do Chega de André Ventura captou e descodificou a essência do descontentamento dos cidadãos nos temas que lhes tocam mais: a segurança (ao qual o Chega colou, ainda que injustamente, os migrantes) e a carteira (no qual o Chega, por nunca ter sido governo, não pode ainda ser responsabilizado). Os outros partidos poderiam ter combatido mais eficazmente estas narrativas.
A grande questão que se põe agora também está contida na frase particularmente feliz de Miguel Maya. Uma coisa é a AD não ter conseguido passar a ideia de que tem feito o que é necessário (ainda que o resultado que obteve mostre que há uma parte de Portugal que lhe dá mérito); outra, mais séria, é o que vai fazer o Governo AD daqui em diante.
A sua melhor defesa é - apoiado ou não pelo estilhaçado PS - conseguir encetar, sem demoras, sem receio, as reformas necessárias para o país, com um pacto para a Justiça; um mecanismo forte e eficiente no combate à corrupção; uma reformulação global do SNS, envolvendo os privados; das carreiras dos professores e das avaliações de desempenho no Sistema de Educação. E manter regras claras e justas sobre a entrada sustentada de imigração. Isto para falar apenas de algumas.
Só assim poderá retirar força aos argumentos que possam vir dos partidos que vivem do protesto. Se antes estas forças moravam apenas à esquerda do PS, agora têm 58 deputados (previsivelmente poderão chegar aos 60) e estão no extremo da ala direita do hemiciclo. O ímpeto, neste momento, está ali e o apetite do Chega por gigantes pode não estar saciado com o PS.
Diretor-Adjunto do Diário de Notícias