Li agora Abril Es Un País, um belíssimo livro sobre a Revolução Portuguesa escrito por Tereixa Constenla, correspondente em Lisboa do El País. Belíssimo por realçar com reportagem e enquadramento histórico os heróis do 25 de Abril, e em especial Salgueiro Maia, dando-lhes a admiração que merecem, belíssimo também por nos mostrar os portugueses pelos olhos de uma espanhola. E, digo eu, não ficamos mal na fotografia. .São muitos os espanhóis que conheço que confessam sentir carinho por Portugal. Que nos olham como vizinho especial. Antonio Sáez Delgado, responsável pela Cátedra de Estudos Ibéricos na Universidade de Évora, é um deles. Profundo conhecedor da Literatura Portuguesa, de Fernando Pessoa como de José Saramago e tantos mais, contou-me um dia, num perfil que fiz para o DN, o primeiro contacto, ainda em miúdo, com o nosso país, então quase “sinónimo de férias: Nazaré, Figueira da Foz, alguns fins de semana em Lisboa. E o meu pai, que tinha uma pequena empresa de carpintaria metálica, fazia muitos trabalhos na zona da raia extremenho-alentejana, em Portalegre, Castelo de Vide, etc. Ir com a família a esses destinos foi a minha descoberta de um Portugal que era para mim um país chamado ‘O Estrangeiro’. Aprendi o Portugal que podia aprender uma criança espanhola do interior: o fascínio pelo Atlântico, a curiosidade por umas pessoas que falavam sempre em voz baixa, e o deslumbramento da gastronomia portuguesa”..Outro miúdo espanhol descobriu também cedo Portugal: Juan Carlos, que aos oito anos se instalou no Estoril com os pais. Mais tarde seria rei de Espanha e nunca esqueceu os dias felizes na Villa Giralda. Do filho, o atual rei Felipe VI, também há fotografias em criança de férias em Portugal. Sabendo-se como em família estas histórias de verões felizes passam de geração em geração, é natural que Leonor, princesa das Astúrias, também sinta carinho pelo nosso país. Certamente sabe que foi terra de asilo do seu bisavô, D. Juan, conde de Barcelona, filho de rei e pai de rei, mas que nunca usou coroa. O generalíssimo Franco, quando preparou a restauração da monarquia, querendo controlar todo o processo, escolheu Juan Carlos. Este, depois de morto o ditador, acabou por renunciar à herança franquista e foi decisivo na transição que fez de Espanha a democracia que é hoje..Carinho, portanto, existe na atual relação ibérica. A rivalidade histórica que aprendemos nos manuais escolares pertence tanto ao passado que a última guerra entre os dois países foi há dois séculos, uma eternidade se compararmos com o que aconteceu entre outras nações europeias. Portugal e Espanha estão juntos na UE, estão juntos na NATO, estão juntos, no que diz respeito às suas sociedades, como nunca estiveram antes, mais ainda na Raia. .Mas também por isso, esta vinda hoje de Leonor a Portugal, a sua primeira visita oficial ao estrangeiro, é muito mais do que uma mera expressão de carinho. Faz parte da aprendizagem para ser rainha desta jovem de 18 anos, e é também um sinal de como Portugal é uma prioridade para Espanha. Um parceiro a todos os níveis de primeiro plano. Um daqueles tais espanhóis que conheço que muito admiram o nosso pais, Miguel Seco, presidente da Câmara de Comércio e Indústria Luso-Espanhola, alertou-me um dia para o facto das exportações espanholas para Portugal serem superiores às para toda a América Latina. E que as empresas com capital espanhol não só empregam quase 250 mil portugueses como contribuem com 18% do PIB..Ultrapassadas graças à democracia as velhas desconfianças - até Salazar apesar das afinidades ideológicas com Franco nunca confiou muito no ditador espanhol - Portugal e Espanha têm vantagem em ser parceiros preferenciais, tantos são os interesses em comum. Não falo só de economia, ou de geopolítica, mas até de cultura. Há uns meses, Luis García Montero, o diretor-geral do Instituto Cervantes, dizia-me que “a proximidade entre as duas línguas, a sua mútua inteligibilidade, é uma potencial vantagem para promover a expansão tanto do português como do espanhol”. .Além do encontro com o presidente Marcelo Rebelo de Sousa no Palácio de Belém, a princesa das Astúrias visitará também o Oceanário de Lisboa, e o tema dos oceanos é central nesta sua passagem por Lisboa. Há pouco mais de um mês, assinalaram-se 530 anos do Tratado de Tordesilhas. Hoje já ninguém pensa dividir o mundo ao meio, como fizeram D. João II e Isabel a Católica, mas realce-se ter sido uma época não só de dianteira para os países ibéricos como de capacidade de entendimento mútuo. Portanto, cooperemos em terra e nos mares, como iguais. A República Portuguesa e o Reino de Espanha. As cimeiras luso-espanholas devem ser momentos de decisão. E quem tiver dúvidas sobre a importância de Espanha para Portugal pense no triste que foi a fronteira fechada durante a pandemia..Dando as boas-vindas à princesa das Astúrias, acabo como comecei, a falar do 25 de Abril visto por olhos espanhóis e do que dele resultou. Em vésperas das celebrações de meio século da Revolução, Juan Fernández Trigo, Embaixador de Espanha em Portugal, escreveu aqui no DN: “se alguma coisa pode descrever estes 50 anos de democracia portuguesa e espanhola é a aproximação das nossas sociedades. Redescobrimo-nos um ao outro”. .Diretor adjunto do Diário de Notícias