Uma nova geopolítica para a água

Como consagrado, celebra-se hoje, 22 de março, o Dia Mundial da Água, este ano com atenções centradas na Conferência da Água das Nações Unidas, que decorre entre hoje e sexta-feira próxima, em Nova Iorque.

Tendo como principais temas em agenda proceder ao balanço da execução dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, nomeadamente os n.ºs 6 (Água e Saneamento para todos), 11 (Cidades e Comunidades Sustentáveis) e 13 (Ação Climática), bem como aferir os indicadores da Agenda 2030, estará em análise como promover um envolvimento mais intenso dos Estados, respetivos governos e demais stakeholders da Sociedade Civil na gestão sustentável e na governança dos recursos hídricos e dos serviços de água e saneamento. Pretende-se também consolidar, sob a égide do secretário-geral António Guterres, o programa Sanitation 2018-2028 e os seus impactos na promoção da Saúde Pública.

Neste âmbito, alargar a ligação e implementação do nexus "Água e Saúde" às Políticas Públicas para a "Água, Desenvolvimento, Clima, Resiliência, Meio Ambiente e Cooperação Internacional", abrangendo as Bacias Hidrográficas Transfronteiriças. Declarar os Recursos Hídricos Subterrâneos como "Reservas Estratégicas", constituiria igualmente um sério avanço no reforço das linhas programáticas para a construção de uma "Nova Geopolítica para a Água", colocando o Planeamento, Eficiência e Segurança Hídrica no topo da agenda política internacional, como urgentemente se impõe.

Secas e escassez sistémica não podem tornar-se um "novo normal" (mais de 1,5 mil milhões de seres humanos em 130 países sofrem uma profunda insegurança hídrica, segundo os Relatórios das Nações Unidas apresentados nas recentes COP - Conferências das Partes para o Clima). Acresce que o acentuar dos efeitos das Alterações Climáticas propicia a emergência de conflitos em torno da gestão e da repartição das disponibilidades de água, existentes e/ou latentes em várias regiões do mundo, devendo mobilizar também a atenção das lideranças internacionais, nacionais e regionais, numa ótica de pôr em prática consequentes ações de "hidrodiplomacia" para a cooperação, como a Revista APDA n.º 27, recentemente editada, bem explícita.

Deveremos, igualmente, aprender as lições da pandemia de covid-19 sobre a "centralidade" da água como um recurso vital e extrair daí as devidas consequências no que toca à priorização das soluções e medidas de política e de governo.

Porém, a incidência, extensão e profundidade da "crise da água" mostram também a necessidade de construir novas competências e melhores capacidades para lidar adequadamente com as disponibilidades e os seus deficits, a gestão da água e dos serviços de água e saneamento, principalmente em países e regiões em desenvolvimento, onde as vulnerabilidades hídricas alargam impiedosamente vastas manchas de profunda pobreza.

No âmbito da Estratégia para o triénio 2023-2025 do World Water Council, lançámos a proposta de uma Escola Internacional para Água e Saneamento Seguros e Sustentáveis, sugerindo que se proponha à ONU dar passos para a criação desta Escola, com vista a produzir conhecimento e formas de o aplicar onde é mais necessário, agindo assim como fator de combate às carências existentes e às alterações climáticas que, não só as potenciam, como agravam de forma irreversível a situação que vivemos.

Caso se mantenha uma postura de inação, os custos serão sempre muito mais elevados que os investimentos a realizar.

Aguarda-se, entretanto, que, dada a natureza e o contexto das sérias ameaças que defrontamos, António Guterres venha a nomear um "Alto-Representante Especial do Secretário-Geral das Nações Unidas para a Água", por forma a acompanhar as principais iniciativas globais e os objetivos estratégicos uma verdadeira "Geopolítica para a Água" que se impõe.

Presidente do conselho diretivo da APDA - Associação Portuguesa de Distribuição e Drenagem de Águas
Membro do board of governors do World Water Council

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