Uma casa para viver
A Maria é enfermeira e veio para o Porto para trabalhar num dos grandes hospitais da cidade. Ganha 1200 euros e, para poder fazer algo mais do que sobreviver, tem de partilhar casa com mais dois colegas, que também vieram de fora. A Paula, que trabalha num instituto, ganha pouco mais de 1000 euros e alugou um quarto pelo qual paga quase 400, partilhando cozinha e sala com “estranhos”. E já foi avisada de que o aluguer vai aumentar. O César, que trabalha no centro da cidade e não conduz, habituou-se a viver perto do trabalho há mais de 20 anos, mas já teve de mudar de casa três vezes nos últimos tempos e, como a família aumentou, equaciona agora mudar-se para os subúrbios para poder arrendar um t2 que, no Porto, lhe levaria o salário quase por inteiro. Comprar, “isso então, já nem nos subúrbios”, lamenta-se.
Todos nós teremos exemplos destes no nosso círculo de familiares e amigos. Muitos deles terão saído à rua este fim de semana, nas diversas manifestações que se realizaram em cidades, de norte a sul do País.
Portugal enfrenta uma crise habitacional que se agrava a cada ano, transformando o direito à habitação numa miragem para gerações inteiras. Apesar de políticas públicas de sucessivos governos, de esquerda e de direita, os preços de compra e arrendamento continuam a subir, a oferta de casas para aluguer diminui e a acessibilidade à habitação deteriora-se dramaticamente.
Este fim de semana, o jornal Público lembrava que, desde 2018, o preço das casas em Portugal praticamente duplicou (subida de 97%) e os valores de arrendamento subiram 80%. Com um ano de governação de AD e a reversão das medidas de habitação socialistas, os últimos dados do INE não mostravam ainda nenhuma inversão de tendência: pelo contrário, os preços das casas tiveram mesmo o maior aumento de que há registo no arranque de 2025, mais de 16% no primeiro trimestre deste ano.
A crise de habitação não é exclusiva de Portugal, mas atingiu-nos com uma força desproporcional. Esta semana, o nosso (mau) exemplo servia de análise no jornal britânico The Guardian, através de um artigo de Agustín Cocola-Gant, investigador na Universidade de Lisboa. Está lá o diagnóstico feito, para quem quiser ler sem óculos ideológicos.
Mas já no início deste mês também a Comissão Europeia alertou que os sucessivos governos portugueses não estão a ser eficazes na resposta à crise no setor da habitação e recomendou medidas concretas, como o controlo de rendas, limites mais rigorosos ao alojamento local nas zonas onde a pressão é maior, recurso a imóveis desocupados, públicos e privados, para aumentar a oferta, entre outros.
Como voltaram a gritar milhares nas ruas este fim de semana, a crise da habitação não é apenas económica, é um drama social que exclui gerações. E Portugal continua a falhar aos seus cidadãos. Já é mais do que tempo de transformar a habitação num direito real, e não apenas uma utopia num verso de uma canção de abril.