Um sonho de Ramos-Horta
José Ramos-Horta reproduziu no Facebook a notícia da decisão da ASEAN de contar com Timor-Leste como membro, já a partir de outubro deste ano, e classificou-a como “um sonho” em vias de acontecer. O presidente timorense relembrou que já em 1974, antes da invasão indonésia ter substituído a colonização portuguesa e adiado, durante quase três décadas, a independência, tinha esse sonho, e que lhe coube em 2011, num anterior mandato presidencial, a apresentação formal da candidatura à Associação das Nações do Sudeste Asiático.
Numa conversa que tivemos há uns anos em Díli, em vésperas da campanha que o levou de novo à Presidência, o tema ASEAN foi abordado (“é uma prioridade”, disse), até porque a adesão multiplica as opções geopolíticas de um país que tem, a sul, a Austrália como vizinho, e se vê também afetado pelo esforço da China de alargar a influência em todas as direções.
Xanana Gusmão, líder histórico da luta independentista e primeiro presidente do país depois da independência declarada em 2002, foi quem em Kuala Lumpur, agora como primeiro-ministro, presenciou o anúncio feito pelo chefe do governo da Malásia, Anwar Ibrahim. Timor-Leste juntar-se-á, assim, a uma organização que promove desde 1967 a integração regional, sobretudo económica. Aos países fundadores, que foram a Indonésia, Singapura, Malásia, Tailândia e Filipinas, juntaram-se nas últimas décadas o Brunei, o Camboja, o Laos, Myanmar e o Vietname.
Para Timor-Leste, com pouco mais de um milhão de habitantes, integrar um espaço que congrega perto de 700 milhões de pessoas é uma enorme oportunidade para o desenvolvimento económico, mas sobretudo significa que o país lusófono ganha um estatuto de membro de pleno direito de um ambicioso projeto regional do Sudeste Asiático. A aceitação por parte da Indonésia significa também que não existe, hoje, qualquer contestação ao direito de Timor-Leste de se afirmar como uma nação soberana.
A felicidade de Ramos-Horta, o resistente que percorria o mundo a defender a causa timorense e que ganhou, em 1996, o Nobel da Paz, é sinal de que algo de muito positivo aconteceu a Timor-Leste. É também uma felicidade que deve importar a Portugal, pois após quatro séculos de colonização, e no momento terrível da ocupação militar indonésia, tudo fez nos fóruns internacionais para defender a causa do pequeno país. Não esquecer que foi a diplomacia portuguesa que conseguiu negociar com Jacarta o referendo organizado pelas Nações Unidas, que em 1999 deu oportunidade aos timorenses de votarem pela independência. Uma solidariedade portuguesa que foi recompensada pela escolha da língua portuguesa como idioma oficial pela liderança timorense, o que faz de Timor-Leste um país muito especial, o mais católico da Ásia, aquele em que quando a seleção portuguesa de futebol joga e ganha as ruas se enchem de bandeiras das Quinas. Quem não se surpreendeu já, ao ver as imagens das celebrações de madrugada em Díli, reação a jogos que na Europa foram ainda de dia.
O futuro de Timor-Leste terá de ser construído pelos timorenses. Virá o tempo de uma nova geração de políticos, talvez menos ligados a Portugal, e isso trará desafios. Mas aqui, mesmo que a muitos milhares de quilómetros, será sempre natural ficarmos felizes com o que corre bem ao país sonhado por Xanana e Ramos-Horta. Se a ASEAN é boa notícia para Timor-Leste, também o é para Portugal.
Diretor adjunto do Diário de Notícias