Um país, dois Governos

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A aprovação de um aumento às pensões é o drama político-partidário do momento. A proposta do PS, apoiada pelos partidos da esquerda e viabilizada pelo Chega diverge da do Governo num ponto: a AD pretende que este aumento extraordinário — no sentido em que não decorre da aplicação da lei — seja aplicado apenas este ano e o PS considera que se deve aumentar o valor das pensões de forma permanente. A grande diferença é que, em 2026 e seguintes, a base para o cálculo de atualizações será maior.

A discussão sobre se a medida tem cabimento orçamental deve ser dividida entre o curto e longo prazo. O aumento não coloca em causa o equilíbrio da Segurança Social no curto prazo porque a situação atual é boa — as trajetórias do emprego e do desemprego têm sido positivas, a imigração reforçou as contribuições e o comportamento da carteira de investimentos é favorável.

A análise de longo prazo implica reconhecer que o aumento do valor de base dessas pensões irá “capitalizar”, gerando encargos adicionais crescentes. Os modelos de sustentabilidade da Segurança Social são de longo prazo e a sua resiliência também depende da estabilidade e de evitar a navegação à vista. Se o Governo quer ser mais prudente, deve a Oposição decidir de maneira diferente?

A pergunta é importante — haverá legitimidade política para a Oposição aprovar medidas de grande alcance, como esta ou a da isenção de portagens, que têm impacto nas contas do país ou na concretização da visão do Governo para o país?

Este é um momento muito particular em que Portugal parece ter dois Governos. Um que governa por decretos-lei e pela atuação dos órgãos da tutela, e outro que utiliza maiorias parlamentares circunstanciais para aprovar medidas que contrariam o programa e estratégia do Governo. Este tipo de atuação pode colocar em causa a justa avaliação da atividade governativa. Como pedir contas ao Governo quando são tomadas decisões contrárias à sua estratégia e ao seu programa?

Este contexto tem impacto na imagem externa do país e, por inerência, na sua capacidade e custo de financiamento. Na semana passada, a agência Moody’s subiu de notação dos 7 maiores bancos portugueses citando, entre outros motivos, “a melhoria das condições em Portugal, que conduziram a uma subida do perfil macroeconómico do país”.

Mas, dias antes, a mesma agência optou por não subir o rating de Portugal, o que era esperado, mas também não subiu a perspetiva para positiva, o que seria lógico tendo em conta a evolução dos indicadores financeiros do país, das taxas de juro de longo prazo e do spread face à Alemanha. A Moody’s justificou com a “dificuldade de implementação de políticas devido à fragmentação parlamentar.

Portugal já teve Governos minoritários e subidas de rating nesses contextos. A Moody’s talvez estivesse a referir-se à imprevisibilidade e ao risco para as contas públicas gerados pelo facto de haver dois Governos para um só país.

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